Penal. Tráfico de entorpecentes. Substituição da pena por reprimenda restritiva de direito.

EMENTA

I. Hipótese na qual a paciente foi condenada pela prática de delito hediondo tráfico de entorpecentes, com fixação do regime integralmente fechado para o cumprimento da reprimenda.

II. O pleno do STF declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1.º do artigo 2.º da Lei n.º 8.072/90, que trata da obrigatoriedade do cumprimento de pena em regime integralmente fechado para os condenados pela prática de crime hediondo.

III. Dissipada a vedação legal à progressão de regime aos condenados pela prática de crime hediondo, resta ultrapassada a argumentação utilizada para vedar a substituição da reprimenda corporal por restritiva de direitos.

IV. Se a paciente não é reincidente e a pena que lhe foi aplicada é de 04 anos de reclusão, sendo certa a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, tanto que a pena-base foi fixada no mínimo legal, resta configurado constrangimento ilegal na imposição do regime prisional fechado.

V. Evidenciado que a paciente atende aos requisitos legais para o cumprimento da pena no regime aberto, resta prejudicado o pleito de reconhecimento do direito da acusada à progressão de regime prisional.

VI. Deve ser afastado o óbice do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, para reconhecer o direito da paciente ao pleito da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, cabendo ao Juízo prolator da sentença condenatória a verificação da presença dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos por lei, devendo, ainda, ser a acusada inserida em regime prisional aberto, nos termos do art. 33, § 2.º alínea ?c? e § 3.º, do Código Penal, se por outro motivo não estiver recolhida em regime mais grave.

VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Gilson Dipp, decidiu que, uma vez proclamada a inconstitucionalidade do art. 2.º, da Lei n.º 8.072/90, deve ser reconhecido em favor do réu o direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (no mesmo sentido o acórdão proferido no HC n.º 60.858-MS).

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator):

Trata-se de habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que negou provimento ao recurso de apelação interposto em favor de Vânia Alves de Abreu, visando à sua absolvição ou, alternativamente, o afastamento da majorante disposta no art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, além da possibilidade de progressão de regime prisional e de substituição de sua reprimenda por pena restritiva de direitos.

A paciente foi condenada à pena de 04 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática do delito tipificado no art. 12, caput, c/c art. 18, inciso III, ambos da Lei n.º 6.368/76.

Na presente impetração, sustenta-se, em síntese, a ilegalidade da determinação do regime integralmente fechado aos condenados pela prática de crimes hediondos, em clara ofensa ao princípio da individualização da pena.

Aduz-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, além desta Corte estar modificando seu entendimento no sentido de permitir a progressão de regime em casos de condenação por crime hediondo.

Com isso, pugna-se pelo reconhecimento do direito da acusada à progressão de regime prisional, bem como pela fixação do regime prisional aberto e pela substituição da reprimenda corporal a ela imposta por pena restritiva de direitos.

Passo à análise da irresignação.

Na sessão de julgamento do dia 23 de fevereiro do corrente, o Pleno do STF, por maioria, deferiu o pedido formulado no habeas corpus n.º 82.959/SP e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1.º do artigo 2.º da Lei n.º 8.072/90, que trata da obrigatoriedade do cumprimento de pena em regime integralmente fechado para os condenados pela prática de crimes hediondos.

O acórdão, publicado em 01/09/2006, restou assim ementado:

?PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER.

A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.

PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2.º, § 1.º, DA LEI N.º 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL.

Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5.º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90.?

Por conseguinte, dissipada a vedação legal à progressão de regime, em virtude da declaração de inconstitucionalidade do dispositivo que estabeleceu o regime integralmente fechado para o desconto da pena decorrente da prática de crime hediondo, assiste razão ao impetrante quanto ao pleito de substituição da reprimenda corporal por restritiva de direitos.

O posicionamento jurisprudencial adotado por esta Turma para negar aos condenados por crime elencado ou equiparado a hediondo a substituição da pena por restritiva de direitos firmava-se no § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/90.

A partir de uma interpretação integrativa dos dispositivos legais das Leis 8.072/90 e 9.714/98, principalmente considerando o art. 12 do Código Penal, o qual preconiza que as regras gerais do Estatuto Repressor aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial se esta não dispuser de modo diverso, esta Turma entendeu que as alterações introduzidas pela referida Lei 9.714/98 não alcançam o delito de tráfico de entorpecentes, assim como todos os demais considerados hediondos.

A argumentação básica orientava-se no sentido de que a Lei n.º 8.072/90, de cunho especial, impôs o cumprimento da reprimenda em regime integralmente fechado (art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90) o que seria incompatível com a pretendida substituição de penas.

Percebe-se, portanto, que a impossibilidade de aplicação da Lei 9.714/98 aos condenados por crime hediondo baseava-se na imposição de regime integralmente fechado para o cumprimento da reprimenda.

Todavia, como já anteriormente ressaltado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, afastando o óbice ao pleito do benefício da progressão de regime prisional, restando superada a argumentação acima utilizada para indeferir a incidência da Lei 9.714/98 aos condenados por crime hediondo.

Dessa forma, cabe ao Juízo singular, prolator do decreto condenatório, a análise dos requisitos objetivos e subjetivos indispensáveis à concessão do benefício pretendido.

Nesse sentido, cabe ressaltar a recente orientação da Suprema Corte:

?SENTENÇA PENAL. Condenação. Tráfico de entorpecente. Crime hediondo. Pena privativa de liberdade. Substituição por restritiva de direitos. Admissibilidade. Previsão legal de cumprimento em regime integralmente fechado. Irrelevância. Distinção entre aplicação e cumprimento de pena. HC deferido para restabelecimento da sentença de primeiro grau. Interpretação dos arts. 12 e 44 do CP, e das Leis nos 6.368/76, 8.072/90 e 9.714/98. Precedentes. A previsão legal de regime integralmente fechado, em caso de crime hediondo, para cumprimento de pena privativa de liberdade, não impede seja esta substituída por restritiva de direitos.?

(HC 84.928/MG, DJ de 11/11/2005, Rel. Min. Cezar Peluso).

No tocante ao pleito de fixação do regime prisional aberto, a dosimetria da pena aplicada em desfavor da paciente foi assim estabelecida pelo Magistrado sentenciante:

?I – No que concerne à acusada Vânia Alves de Abreu:

Atento às diretrizes do art. 59 do Código Penal, à primariedade da acusada e ao fato de que na operação figura como subordinada, popularmente conhecida por mula, transportadora da droga, fixo-lhe a pena-base em três (03) anos de reclusão e pagamento de cinqüenta (50) dias-multa, à razão unitária de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato.

Fulcrado no art. 18, inciso III, da Lei 6.368/76, exaspero tais penas em 1/3, fixando-as definitivamente, à míngua de outros aspectos a serem consideardos, em quatro (04) anos de reclusão e pagamento de sessenta e seis (66) dias-multa, à razão unitária já fixada.? (fl. 178).

Verifica-se, portanto, que a paciente, desde já, atende aos requisitos do regime aberto para o cumprimento de pena.

De fato. A paciente não é reincidente e a pena que lhe foi aplicada é de 04 anos de reclusão, sendo certo que a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis justificaram a fixação da pena-base no mínimo legal.

Dessarte, resta prejudicado o pleito de reconhecimento do direito da acusada à progressão de regime prisional.

Dessa forma, deve ser afastado o óbice do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, para reconhecer o direito da paciente ao pleito da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, cabendo ao Juízo prolator da sentença condenatória a verificação da presença dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos por lei, devendo, ainda, ser a acusada inserida em regime prisional aberto, nos termos do art. 33, § 2.º alínea ?c? e § 3.º, do Código Penal, se por outro motivo não estiver recolhida em regime mais grave.

Diante do exposto, concedo a ordem, nos termos da fundamentação acima.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.