RECURSO EM HABEAS CORPUS N.º 17.629/CE

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Rel.: Min. Hélio Quaglia Barbosa

EMENTA

1. A Lei 10.409/2002 reproduziu de forma diversa a anterior determinação, contida no artigo 22, § 1.º, da Lei 6.368/76, de que bastaria o laudo da constatação da natureza da substância para auto de prisão em flagrante e o oferecimento da denúncia; limitou, a novel legislação, a necessidade do laudo preliminar sobre a natureza e quantidade da substância apreendida, para a lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da autoria e materialidade do delito (artigo 28, § 1.º, da Lei 10.409/2002);

2. Mesmo que o artigo 43 do Código de Processo Penal não cuide da chamada justa causa, ensina a doutrina que ?é realmente necessário que a inicial venha acompanhada de um mínimo de prova para que a ação penal tenha condições de viabilidade, caso contrário não há justa causa para o processo?;

3. No que toca à prova da materialidade da conduta imputada ao recorrente, inexiste droga apreendida e, por conseguinte, laudo preliminar sobre a natureza e quantidade da substância entorpecente, fundado-se a exordial acusatória, tão-somente, em depoimento de uma testemunha, prestado junto à autoridade policial;

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4. Recurso provido para trancar a ação penal em curso, determinando, outrossim, a expedição do competente alvará de soltura em favor do recorrente, se por outro motivo não estiver preso.

(STJ/DJU de 27/06/05, pág. 451)

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Descabe ação penal, por falta de justa causa, quando a acusação por tráfico de entorpecente tem por base as declarações de uma única testemunha, inexistindo droga apreendida e, por conseguinte, tendo preliminar sobre a natureza e quantidade da droga apreendida.

Decisão da Sexta Turma do STJ, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator):

1. Ainda que interposto o presente recurso ordinário anteriormente à publicação do acórdão, tal fato não se mostra suficiente para tê-lo por intempestivo, conforme atualizada jurisprudência desta Corte (AgRg nos EREsp 492.461/MG, Corte Especial, rel. p/ o acórdão Min. Eliana Calmon, j. em 17/11/2004, acórdão ainda não publicado).

2. Quanto ao mérito do presente recurso, assim opinou o i. representante ministerial:

?Com efeito, a denúncia do Ministério Público não demonstrou a materialidade do delito atribuído ao paciente (rectius recorrente), baseando-se tão somente em provas testemunhais, até porque em momento algum da persecução policial foi apreendida substância entorpecente e, conseqüentemente , não foi acostado aos autos o necessário laudo de constatação preliminar, previsto no art. 22, § 1.º, da Lei 6.368/76.

Portanto, ficou evidenciado de modo inequívoco a falta de justa causa para a persecução penal, consubstanciada na ausência da materialidade delitiva.? (fl. 134, grifei).

3. A jurisprudência desta Corte se mantém firme quanto à viabilidade do trancamento da ação penal na via do remédio heróico, desde que se comprove, inequivocamente, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção de punibilidade ou a ausência de qualquer elemento indiciário da autoria ou sobre a materialidade do delito.

Destaco, também, que este Superior Tribunal vem entendendo que se tratando de ação penal movida pela suposta prática de tráfico de entorpecente, demanda-se, para a condenação do acusado, a juntada aos autos do laudo toxicológico definitivo da substância apreendida, sob pena de não restar provada a materialidade delitiva. Observe-se:

?HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. NULIDADE. LAUDO TOXICOLÓGICO. MANIFESTAÇÃO DAS PARTES SOBRE A PROVA. AUSÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. INVALIDADE DA PROVA. INEXISTÊNCIA.

1. A inobservância da determinação legal da juntada do laudo toxicológico definitivo até à audiência de instrução (art. 25 da Lei 6.368/76), não invalida o processo, quando não demonstrado o prejuízo. Contudo, por ocasião da sentença condenatória, sua ausência gera nulidade absoluta, uma vez que a comprovação da materialidade do delito é condição de validade da própria decisão, matéria de interesse público.

(…)

5. Writ parcialmente concedido para, reconhecendo o cerceamento de defesa, anular o acórdão atacado e a sentença de primeiro grau, determinando que outra seja proferida com prévia intimação das partes para se manifestarem sobre o laudo toxicológico definitivo juntado aos autos.? (HC 37.682/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 7/3/2005);

4. Se para a condenação se faz necessário o laudo definitivo, exigia a Lei 6.368/76 (artigo 22, § 1.º), para o auto de prisão em flagrante e para o oferecimento da denúncia, a existência do chamado laudo preliminar, comprovando-se, assim, a materialidade do delito cometido, firmado, inclusive, por pessoa sem a necessária habilitação técnica.

Contudo, com o advento da Lei 10.409/2002 reproduziu-se de forma diversa a determinação, passando a exigir a novel legislação, a necessidade do laudo preliminar sobre a natureza e quantidade da substância apreendida, para a lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da autoria e materialidade do delito (artigo 28, § 1.º, da Lei 10.409/2002).

Todavia, ainda que não tenha repetido a necessidade do laudo para o oferecimento da denúncia, o fez em relação ao ?estabelecimento da autoria e materialidade do delito?.

5. Ora, mesmo que o artigo 43 do Código de Processo Penal não cuide da chamada justa causa para a ação penal, ensina a doutrina se tratar de verdadeira condição da ação, definida como sendo ?um lastro probatório mínimo que deve ter a ação penal relacionando-se com indícios de autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade? (Afrânio Silva Jardim apud RANGEL, Paulo. Direito Processo Penal. 5.ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, página 189).

Assim, também, Mirabete, para quem ?é realmente necessário que a inicial venha acompanhada de um mínimo de prova para que a ação penal tenha condições de viabilidade, caso contrário não há justa causa para o processo?. Prossegue afirmando que:

(…)

Tem se exigido, assim, que a inicial venha acompanhada de inquérito policial ou prova documental que a supra, ou seja, de um mínimo de prova sobre a materialidade e autoria, para que se opere o recebimento da denúncia ou da queixa, não bastando a simples versão dada pelo ofendido.

(…)

Evidentemente, não é necessário prova plena nem um exame aprofundado dos autos do inquérito policial ou peças de informação pelo Juiz. São suficientes ao recebimento da inicial elementos que tornem verossímil a acusação? (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Comentado. 8.ª edição. São Paulo: Atlas, 2001, página 188).

6. No caso sub examine, no que toca à prova da materialidade da conduta imputada ao recorrente, inexiste droga apreendida e, por conseguinte, laudo preliminar sobre a natureza e quantidade da substância entorpecente. Funda-se a exordial acusatória, tão-somente, em depoimento de uma testemunha, prestado junto à autoridade policial.

Entendo, assim, inexistir lastro probatório mínimo à continuidade da ação penal movida em desfavor do recorrente.

6. Dessarte, diante dos fundamentos acima apresentados, DOU PROVIMENTO ao presente recurso ordinário, determinando o trancamento da ação penal movida em desfavor do ora recorrente, com a conseqüente expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti e Paulo Medina.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.