Penal. Tráfico de entorpecentes. Prisão preventiva decretada. Ausência de Laudo Toxicológico preliminar. Denúncia oferecida com base em depoimento prestado por única testemunha perante autoridade policial. Trancamento de ação penal. Possibilidade.

EMENTA

1. A Lei 10.409/2002 reproduziu de forma diversa a anterior determinação, contida no artigo 22, § 1.º, da Lei 6.368/76, de que bastaria o laudo da constatação da natureza da substância para auto de prisão em flagrante e o oferecimento da denúncia; limitou, a novel legislação, a necessidade do laudo preliminar sobre a natureza e quantidade da substância apreendida, para a lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da autoria e materialidade do delito (artigo 28, § 1.º, da Lei 10.409/2002);

2. Mesmo que o artigo 43 do Código de Processo Penal não cuide da chamada justa causa, ensina a doutrina que ?é realmente necessário que a inicial venha acompanhada de um mínimo de prova para que a ação penal tenha condições de viabilidade, caso contrário não há justa causa para o processo?;

3. No que toca à prova da materialidade da conduta imputada ao recorrente, inexiste droga apreendida e, por conseguinte, laudo preliminar sobre a natureza e quantidade da substância entorpecente, fundado-se a exordial acusatória, tão-somente, em depoimento de uma testemunha, prestado junto à autoridade policial;

4. Recurso provido para trancar a ação penal em curso, determinando, outrossim, a expedição do competente alvará de soltura em favor do recorrente, se por outro motivo não estiver preso.

(STJ/DJU de 27/06/05, pág. 451)

Descabe ação penal, por falta de justa causa, quando a acusação por tráfico de entorpecente tem por base as declarações de uma única testemunha, inexistindo droga apreendida e, por conseguinte, tendo preliminar sobre a natureza e quantidade da droga apreendida.

Decisão da Sexta Turma do STJ, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator):

1. Ainda que interposto o presente recurso ordinário anteriormente à publicação do acórdão, tal fato não se mostra suficiente para tê-lo por intempestivo, conforme atualizada jurisprudência desta Corte (AgRg nos EREsp 492.461/MG, Corte Especial, rel. p/ o acórdão Min. Eliana Calmon, j. em 17/11/2004, acórdão ainda não publicado).

2. Quanto ao mérito do presente recurso, assim opinou o i. representante ministerial:

?Com efeito, a denúncia do Ministério Público não demonstrou a materialidade do delito atribuído ao paciente (rectius recorrente), baseando-se tão somente em provas testemunhais, até porque em momento algum da persecução policial foi apreendida substância entorpecente e, conseqüentemente , não foi acostado aos autos o necessário laudo de constatação preliminar, previsto no art. 22, § 1.º, da Lei 6.368/76.

Portanto, ficou evidenciado de modo inequívoco a falta de justa causa para a persecução penal, consubstanciada na ausência da materialidade delitiva.? (fl. 134, grifei).

3. A jurisprudência desta Corte se mantém firme quanto à viabilidade do trancamento da ação penal na via do remédio heróico, desde que se comprove, inequivocamente, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção de punibilidade ou a ausência de qualquer elemento indiciário da autoria ou sobre a materialidade do delito.

Destaco, também, que este Superior Tribunal vem entendendo que se tratando de ação penal movida pela suposta prática de tráfico de entorpecente, demanda-se, para a condenação do acusado, a juntada aos autos do laudo toxicológico definitivo da substância apreendida, sob pena de não restar provada a materialidade delitiva. Observe-se:

?HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. NULIDADE. LAUDO TOXICOLÓGICO. MANIFESTAÇÃO DAS PARTES SOBRE A PROVA. AUSÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. INVALIDADE DA PROVA. INEXISTÊNCIA.

1. A inobservância da determinação legal da juntada do laudo toxicológico definitivo até à audiência de instrução (art. 25 da Lei 6.368/76), não invalida o processo, quando não demonstrado o prejuízo. Contudo, por ocasião da sentença condenatória, sua ausência gera nulidade absoluta, uma vez que a comprovação da materialidade do delito é condição de validade da própria decisão, matéria de interesse público.

(…)

5. Writ parcialmente concedido para, reconhecendo o cerceamento de defesa, anular o acórdão atacado e a sentença de primeiro grau, determinando que outra seja proferida com prévia intimação das partes para se manifestarem sobre o laudo toxicológico definitivo juntado aos autos.? (HC 37.682/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 7/3/2005);

4. Se para a condenação se faz necessário o laudo definitivo, exigia a Lei 6.368/76 (artigo 22, § 1.º), para o auto de prisão em flagrante e para o oferecimento da denúncia, a existência do chamado laudo preliminar, comprovando-se, assim, a materialidade do delito cometido, firmado, inclusive, por pessoa sem a necessária habilitação técnica.

Contudo, com o advento da Lei 10.409/2002 reproduziu-se de forma diversa a determinação, passando a exigir a novel legislação, a necessidade do laudo preliminar sobre a natureza e quantidade da substância apreendida, para a lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da autoria e materialidade do delito (artigo 28, § 1.º, da Lei 10.409/2002).

Todavia, ainda que não tenha repetido a necessidade do laudo para o oferecimento da denúncia, o fez em relação ao ?estabelecimento da autoria e materialidade do delito?.

5. Ora, mesmo que o artigo 43 do Código de Processo Penal não cuide da chamada justa causa para a ação penal, ensina a doutrina se tratar de verdadeira condição da ação, definida como sendo ?um lastro probatório mínimo que deve ter a ação penal relacionando-se com indícios de autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade? (Afrânio Silva Jardim apud RANGEL, Paulo. Direito Processo Penal. 5.ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, página 189).

Assim, também, Mirabete, para quem ?é realmente necessário que a inicial venha acompanhada de um mínimo de prova para que a ação penal tenha condições de viabilidade, caso contrário não há justa causa para o processo?. Prossegue afirmando que:

(…)

Tem se exigido, assim, que a inicial venha acompanhada de inquérito policial ou prova documental que a supra, ou seja, de um mínimo de prova sobre a materialidade e autoria, para que se opere o recebimento da denúncia ou da queixa, não bastando a simples versão dada pelo ofendido.

(…)

Evidentemente, não é necessário prova plena nem um exame aprofundado dos autos do inquérito policial ou peças de informação pelo Juiz. São suficientes ao recebimento da inicial elementos que tornem verossímil a acusação? (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Comentado. 8.ª edição. São Paulo: Atlas, 2001, página 188).

6. No caso sub examine, no que toca à prova da materialidade da conduta imputada ao recorrente, inexiste droga apreendida e, por conseguinte, laudo preliminar sobre a natureza e quantidade da substância entorpecente. Funda-se a exordial acusatória, tão-somente, em depoimento de uma testemunha, prestado junto à autoridade policial.

Entendo, assim, inexistir lastro probatório mínimo à continuidade da ação penal movida em desfavor do recorrente.

6. Dessarte, diante dos fundamentos acima apresentados, DOU PROVIMENTO ao presente recurso ordinário, determinando o trancamento da ação penal movida em desfavor do ora recorrente, com a conseqüente expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti e Paulo Medina.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.