?HABEAS CORPUS N.º 84.928-8/ MINAS GERAIS

continua após a publicidade

Rel.: Min. Cezar Peluso

EMENTA

A previsão legal de regime integralmente fechado, em caso de crime hediondo, para cumprimento de pena privativa de liberdade, não impede seja esta substituída por restritiva de direitos.?

continua após a publicidade

(STF/DJU de 27/09/05)

Por unanimidade, decidiu a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, Relator o Ministro Cezar Peluso, que a condenação por crime hediondo, não impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito.

continua após a publicidade

Consta do voto do Relator:

O Senhor Ministro Cezar Peluso – (Relator): Reitero, aqui, os argumentos que fundamentaram a concessão da limiar.

Não desconheço a jurisprudência da Casa, até este momento dominante, no sentido da impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no caso de condenação por crimes hediondos ou a estes equiparados, com base na vedação de progressão de regime na execução da pena de tais delitos (HC n.º 85.906, Rel. Min. CARLOS VELLOSO; HC n.º 85.395, Rel.Min. ELLEN GRACIE; HC n.º 83.627, Rel.Min. JOAQUIM BARBOSA; HC n.º 82.914, Rel.Min. NELSON JOBIM; HC n.º 82.158, Rel. Min. NELSON JOBIM; HC n.º 81.259, Rel. Min. ELLEN GRACIE; HC n.º 81.478, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA; HC n.º 80.207, Rel.Min. NELSON JOBIN; HC n.º 79.567, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA).

Posto que a Lei n.º 8.072/90 preceitue o cumprimento da pena privativa de liberdade sob o regime integralmente fechado – em provisão cuja argüição de inconstitucionalidade está, aliás, sendo apreciada pelo Plenário desta Corte (cf. HC n.º 82.959, Rel. Min. MARCO AURÉLIO) -, nada estatui acerca de suspensão condicional ou de substituição da mesma pena.

Por outro lado, a Lei n.º 9.714/98, que alterou disposições do Código Penal, ampliando a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, é posterior à Lei n.º 8.072/90, mas não hospeda princípio ou norma que obste sua aplicação aos chamados ?crimes hediondos?, senão apenas àqueles cujo cometimento envolva violência ou grave ameaça à pessoa, verbis:

?Art.44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando;

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido por violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.?

Ora, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes não envolve, de regra, o emprego de violência nem de grave ameaça à pessoa, de modo que, coexistentes os demais requisitos legais, não encontro empecilho à aplicação dessa regra geral a pena privativa de liberdade, imposta pela prática de tal delito.

A propósito, observa ALBERTO SILVA FRANCO que ?a nova norma penal, por força do art. 12 do Código Penal, é aplicado por fatos regidos por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. Ora, nem a Lei 6.368/76 nem a Lei 8.072/90, que equiparou o tráfico ilícito de entorpecentes aos crimes hediondos, vedaram, de forma explícita, a aplicação de penas substitutivas à pena privativa de liberdade. Logo, não há repelir o regramento da Lei 9.714/98 que, por ser norma geral do Código Penal, regula, por falta de disposição em contrário, as leis penais especiais? (Crimes hediondos. 4.ª ed., rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.156).

E observa com agudez PAULO QUEIROZ ser ?irrelevante, aliás, no particular, o argumento, comumente invocado, de que conforme a Lei n.º 8.072/90, o cumprimento da pena dar-se-á integralmente em regime fechado, mesmo porque na hipótese se discute questão distinta e prévia à execução da pena, a sua aplicação, mais exatamente, a possibilidade de substituição por pena não privativa de liberdade? (Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2005, p.363. No mesmo sentido, GUILHERME SOUZA NUCCI. Código Penal Comentado. 4.ª ed, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003, p.202, e LUIZ RÉGIS PRADO. Comentários ao Código penal. São Paulo: Ed. Revista do Tribunais, 2002, p.192/193).

Para o correto desate da questão, é decisivo ter em conta a substancial diferença entre aplicação da pena e sua execução, momentos distintos e sucessivos, dotados de regras próprias de individualização, enquanto o primeiro concerne ao ato típico, ilícito e culpável, concretamente praticado pelo condenado e, o segundo, ao desenvolvimento da execução da pena já aplicada.

A exigência do regime fechado, instituída pela Lei nº 8.072/90, diz, é óbvio, com o segundo destes momentos, a execução de pena privativa de liberdade que seja imposta, donde, se por boas razões jurídicas não é imposta, mas substituída por pena restritiva de direitos, nenhuma é a pertinência de cogitar do teórico regime fechado de execução como óbice à substituição já operada. Noutras palavras, se já não há pena privativa de liberdade por cumprir, a só previsão legal de cumprimento dela em regime fechado não pode retroverter para atuar como impedimento teórico de sua substituição por outra modalidade de pena que não comporta a idéia desse regime. De cumprimento integral em regime fechado só se pode falar quando haja execução da pena privativa de liberdade, cuja a decisão é sempre prius lógico-jurídico. A sentença deve decidir, primeiro, se a pena por aplicar é, ou não, privativa de liberdade! E, quando o não seja, pensar-se em cumprimento integral em regime fechado é de toda impropriedade, assim para lhe exigir o cumprimento, como para servir de razão impediente de escolha doutra modalidade de pena.

É esta, aliás, linha de argumentação já adotada por esta Corte, em dois precedentes que guardam manifestíssimo nexo com a hipótese. O primeiro, da lavra do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator do HC n.º 70.998, em cujo julgamento se decidiu:

?Concedido o sursis, porque atendidos os seus pressupostos, a medida substitui a execução da pena, que suspende condicionalmente. Logo, seja qual for o regime em que devesse a pena ser cumprida, não há falar que a sua suspensão é incompatível com o regime estabelecido para a execução suspensa?.

E o segundo, na decisão unânime do HC n.º 84.414 (1.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; j. 14/09/2004), em que a mesma postura foi observada, decidindo-se que a previsão normativa do regime fechado para a execução de pena privativa de liberdade não lhe impede, por si só, a suspensão condicional, verbis:

?NORMAS PENAIS – INTERPRETAÇÕES. As normas penais restritivas de direitos hão de ser interpretadas de forma teleológica – de modo a confirmar que as leis são feitas para os homens -, devendo ser afastados enfoques ampliativos. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA – CRIME HEDIONDO – COMPATIBILIDADE. A interpretação sistemática dos textos relativos aos crimes hediondos e à suspensão condicional da pena conduz à conclusão sobre a compatibilidade entre ambos?(DJ 26/11/04, p.26)

Por tais razões, defiro a ordem, para cassar a decisão do Superior Tribunal da Justiça, restabelecendo a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, na forma de sentença condenatória de primeiro grau.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Marco Aurélio, Carlos Brito e Eros Grau.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola de Magistratura.