Penal. Roubo com duas causas de aumento de pena. Acréscimo de 2/5 (dois quintos) delas decorrente. Ausência de fundamentação. Redução para 1/3 (um terço). Pena-base no mínimo legal. Regime mais gravoso. Descabimento.

EMENTA

1 – A jurisprudência desta Corte tem admitido que, em se tratando de roubo com mais de uma circunstância, para a adoção de acréscimo acima do mínimo, faz-se necessária a demonstração de sua necessidade, que não decorre abstratamente do número daquelas causas.

2 – Tratando-se de réus primários, fixada a pena-base no mínimo legal, é inadmissível a estipulação de regime prisional mais rigoroso do que o previsto para a sanção corporal aplicada, não servindo como justificativa tratar-se de crime de roubo, cuja natureza e gravidade recomendariam sua adoção.

3 – Habeas corpus concedido para, aplicando o acréscimo de um terço em virtude das causas de aumento, estabelecer a sanção dos pacientes em 5 anos e 4 meses de reclusão, a serem descontados no regime semi-aberto.

(STJ/DJU de 5/12/05, pág. 379)

O acréscimo superior ao mínimo de 1/3 (um terço) para o crime de roubo qualificado exige a demonstração de sua necessidade, não bastando apenas a existência de mais uma causa.

Por outro lado, se a pena é fixada no mínimo legal (5 anos e 4 meses) para o réu primário, descabe estabelecer regime mais gravoso do que aquele que seria cabível.

Decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Paulo Gallotti, com o seguinte voto condutor:

O Senhor Ministro Paulo Gallotti (Relator): Têm razão as impetrantes.

No que concerne à dupla causa de aumento de pena, disse o acórdão:

?Por tudo quanto foi exposto acima, afastada a redução das penas-base por causa da atenuante da menoridade relativa, são essas penas fixadas em quatro anos de reclusão e dez dias-multa, sobre as quais incide a fração de aumento determinada pela incidência das qualificadoras (dois quintos, como na sentença), daí resultando, em definitivo, cinco anos, sete meses e seis dias de reclusão e quatorze dias-multa no menor piso, posto que também afastada a tentativa.? (fl. 23)

E a sentença, nesta parte, dispôs:

?Reconhecidas duas causas especiais de aumento de pena previstas no parágrafo 2.º, incisos I e II do artigo 157 do Código Penal, faço acrescer a pena em 2/5, resultando em 4 anos e 8 meses de reclusão e 11 dias-multa fixados no valor mínimo legal?. (fl. 44)

A jurisprudência desta Corte tem admitido que, em se tratando de roubo qualificado por mais de uma circunstância, no caso, concurso de agentes e emprego de arma de fogo, para a adoção de acréscimo acima do mínimo, faz-se necessária a demonstração de sua necessidade, que não decorre abstratamente do número daquelas causas.

Há precedentes:

A – ?HABEAS CORPUS. ROUBO COM EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE NO MÍNIMO. EXASPERAÇÃO DE CAUSAS DE AUMENTO DE PENA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. ORDEM CONCEDIDA.

1. Ao estabelecer o aumento de pena no roubo, deve o juiz considerar, não, a gravidade abstrata do delito, como sói acontecer quando se faz caso apenas quantitativamente das causas especiais, mas, sim, a sua gravidade concreta para, desse modo, fixar o quantum de pena, na extensão do aumento, que vai de um mínimo a um máximo (Código Penal, artigo 157, parágrafo 2.º).

2. A consideração só quantitativa das causas especiais de aumento de pena, submetidas a regime alternativo, é expressão, em última análise, da responsabilidade penal objetiva, enquanto a qualitativa é própria do direito penal da culpa e atende aos imperativos da individualização da pena, permitindo, ad exemplum, que uma única causa especial de aumento alternativa possa conduzir o quantum de pena para além do mínimo legal do aumento, que, em contrapartida, pode ser insuperável, diante do caso concreto, mesmo em se caracterizando mais de uma causa especial de aumento dessa espécie.

3. Tais espécies de aumento de pena são próprias da última fase do cálculo da pena, à luz do disposto no artigo 68, caput, do Código Penal, nada impedindo, como o exige a espécie, a despeito de serem duas as causas de aumento, que se o estabeleça no seu limite mínimo, à falta de razão autorizante do seu desrespeito.

4. Preceituando o Código Penal, em seu artigo 33, parágrafo 2.º, alínea ?b?, que, nos casos de ?(…) condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito) (…)?, o regime prisional poderá ser o semi-aberto, requisitando a imposição de regime mais rigoroso, necessariamente, fundamentação específica.

5. Fazendo-se manifesto que a recusa do regime inicial semi-aberto ao condenado decorre da pura e simples consideração da natureza abstrata do crime, é de se o deferir como inicial de cumprimento da pena prisional.

6. Ordem concedida.?

(HC n.º 24.589/RJ, Relator o Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJU de 17/3/2003).

B – ?RECURSO ESPECIAL. APELAÇÃO. ROUBO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. MAJORAÇÃO DA PENA.

A tão-só ocorrência de duas causas de aumento de pena não permite seja a pena aumentada acima do mínimo, sendo necessária fundamentação específica que demonstre respeito à qualidade das causas de aumento e não à quantidade das mesmas.

Recurso conhecido, mas desprovido.?

(RESP n.º 275.028/DF, Relator o Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU de 22/4/2003).

No mesmo sentido, há inúmeros julgados do Supremo Tribunal Federal: HC n.º 69.515/RJ, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJU de 1.º/12/1992; HC n.º 71.742/RJ, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJU de 7/2/1995; HC n.º 73.070/SP, Relator para o acórdão o Ministro Maurício Corrêa, DJU de 29/9/2000, este último assim ementado:

?HABEAS CORPUS. ROUBO. AUMENTO DA PENA EM FACE DAS QUALIFICADORAS: USO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS. ARTIGO 157, § 2.º, I E II, DO CÓDIGO PENAL.

1. O Juiz fixou na sentença a pena-base em seis anos de reclusão em face da reincidência e dos antecedentes e aplicou o aumento máximo por se tratar de duas qualificadoras.

2. O Tribunal coator, em grau de apelação, reduziu o aumento da pena pelas duas qualificadoras para 2/5 quintos, considerando ser a média aproximada entre o mínimo de 1/3 e o máximo da metade; em grau de revisão criminal, ratificou este critério de agravar a pena em 1/3 para uma, de 2/5 para duas e de metade para três ou mais qualificadoras.

3. A jurisprudência deste Tribunal não acolhe critérios como o adotado, de se estabelecer uma tabela, optando por dar ênfase à efetiva fundamentação da causa especial de aumento da pena, dentro dos limites previstos, com base em dados concretos. Precedentes.

4. Habeas corpus conhecido e deferido, em parte, para que o acréscimo previsto no artigo 157, § 2.º, do Código Penal, seja estabelecido em 1/3 da pena-base, à míngua de fundamentação com base em dados concretos para elevá-lo acima deste mínimo legal.?

Assim, é de se aplicar o acréscimo de 1/3 sobre a pena de 4 anos, resultando a reprimenda em 5 anos e 4 meses de reclusão.

No que toca à fixação do regime inicial de cumprimento da pena, o acórdão objurgado assim fundamentou:

?O inconformismo da acusação, outrossim, também fica provido quanto à pretendida modificação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, porque o regime inicial fechado é o que se mostra compatível com a gravidade do roubo praticado à mão armada contra alguém em seu local de trabalho, à luz do dia, crime sabidamente gerador de grande intranqüilidade social e que revela a periculosidade de seus agentes, tudo a exigir maior rigor na aplicação da lei penal, sendo evidente que a circunstância de as penas-base terem sido fixadas nos mínimos legais, aí por força do art. 59 do Código Penal, em nada interfere com os fundamentos que orientam a imposição do regime mais severo, que também deve ser fixado ?conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime?.

Em suma, dá-se provimento ao apelo para afastar a forma tentada do delito, aumentar a pena privativa de liberdade para cinco anos, sete meses e seis dias de reclusão e modificar o regime inicial de seu cumprimento para o fechado, mantida a sentença quanto ao mais, tudo nos termos deste acórdão.?

(fl. 23)

Esta Corte tem entendido que os artigos 59, III, e 33, § 3.º, do Código Penal, são absolutamente claros ao exigir que, na estipulação do regime inicial de cumprimento da pena, observados os limites, previstos no § 2.º daquele último, devem ser levadas em conta as circunstâncias ditas judiciais, só se justificando a imposição de regime mais severo se devidamente motivada a escolha, assentada a opção, por certo, nessas circunstâncias.

Fora dessa hipótese, não há como admitir a estipulação de regime prisional mais grave do que aquele legalmente previsto para a espécie.

Em compreensão hoje pacificada no Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de réu primário e sem antecedentes considerados negativos, fixada a pena-base no mínimo legal, é inadmissível a estipulação de regime prisional mais rigoroso do que o previsto para a sanção corporal aplicada.

Ante o exposto, concedo o habeas corpus para, aplicando o aumento de 1/3 em virtude das causas de aumento de pena, estabelecer a sanção dos pacientes, em 5 anos e 4 meses de reclusão, a serem descontados no regime semi-aberto.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Paulo Medina, Hélio Quaglia Barbosa, Nilson Naves e Hamilton Carvalhido.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.