Penal. Recolhimento de contribuições previdenciárias. Parcelamento anterior ao recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade.

“RECURSO ESPECIAL N.º 447.206-RS

REL.: MIN. FELIX FISCHER

EMENTA – Com a ressalva do entendimento pessoal do relator, é pacífico na 3.ª Seção desta Corte que deferido o parcelamento em momento anterior ao recebimento da prefacial acusatória, verifica-se a extinção da punibilidade, sendo, para tanto, despiciendo o pagamento integral do débito (3.ª Seção, RHC 11.598/SC, DJU de 2/9/02).

Recurso provido.”

(STJ/DJU de 28/4/03, pág. 246)

Seguindo a orientação firmada pela 3.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, decidiu a sua Quinta Turma, relator o ministro Félix Fischer (com ressalva de sua convicção pessoal) que no crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, o parcelamento do débito em momento anterior ao recebimento da denúncia constitui causa extintiva da punibilidade.

Consta do voto do relator:

O Exmo. sr. ministro Felix Fischer: Embora, pessoalmente, faço minhas ressalvas quanto à pretensão insculpida na peça recursal, é, sem dúvida, entendimento atualmente predominante na 3.ª Seção desta Corte (com dois votos divergentes) que o deferimento do parcelamento antes do recebimento da exordial acusatória afasta a quaestio da esfera penal pela via da extinção da punibilidade. É o que está descrito no parecer da culta subprocuradora-geral da República dra. Delza Curvello Rocha, in verbis: “Assiste razão ao recorrente. Esta Corte Superior de Justiça já consagrou o coerente entendimento de que o parcelamento pactuado, se preceder o recebimento da denúncia, implicará na extinção da punibilidade.

Tal compreensão deve prosperar, uma vez que o parcelamento do débito deve ser entendido como equivalente à promoção do pagamento. Desta maneira, o instituto envolve transação entre as partes credora e devedora, alterando a natureza da relação jurídica e retirando desta o conteúdo criminal para lhe atribuir caráter de ilícito civil latu sensu, sendo descabida penalização daqueles que, por simples impossibilidade material, tornaram-se devedores da administração.

Ademais, o Estado credor dispõe de mecanismos próprios e rigorosos para satisfazer devidamente seus créditos, pois a própria negociação realizada envolve garantias e previsões de sanção para a inadimplência.

A esse respeito, manifestou-se o ilustre subprocurador-geral da República, José Roberto F. Santoro, nos autos do HC n.º 21.888/SP:

“É certo que em crimes de sonegação fiscal, muito se discute a ocorrência ou não da extinção da punibilidade pelo pagamento parcial do débito antes do recebimento da denúncia.

A jurisprudência majoritária do Colendo Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a manifestação concreta no sentido de saldar a dívida, como no caso de parcelamento do débito, em momento anterior ao recebimento da denúncia, beneficia o autor do parcelamento com a extinção da punibilidade, verbis:

Ementa

“Penal. Parcelamento de débito tributário. Extinção da punibilidade.

1 – Estando o contribuinte em situação regular perante o Fisco, em decorrência de parcelamento do débito, antes do recebimento da denúncia, não há justa causa para instauração de ação penal.

2 – Ordem concedida.” (HC 21.561/PR, STJ, 6.ª Turma, rel. min. Fernando Gonçalves, DJ de 11/11/2002, pág. 298).

Ementa

“Processual Penal. Tributário. Recurso de Habeas Corpus. Ação Penal. Ausência de justa causa. Trancamento.

… (omissis)”

Nesse sentido é o entendimento de Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio:

“entendemos que, havendo parcelamento do tributo devido, e pagamento ao menos da primeira parcela, antes do recebimento da denúncia, haverá a extinção da punibilidade, impedindo, conseqüentemente, o início da ação penal, uma vez que foi dado início à promoção do pagamento por parte do contribuinte e a finalidade da norma legal foi atingida, qual seja, possibilitar a arrecadação de tributo por parte da Fazenda” (in Legislação penal especial, 5.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 88).

Ademais, ainda que o parcelamento não venha a ser honrado na sua integralidade, o que interessa é que o acordo de parcelamento e as garantias foram aceitas antes do recebimento da denúncia, produzindo efeitos jurídicos equiparados ao pagamento.

Nestes termos, parcelado o débito antes do recebimento da denúncia, que, para fins penais, possui efeito jurídico igual ao pagamento, e aplicando-se de forma retroativa a lex mitior, que prevê como causa extintiva de punibilidade o pagamento da dívida antes do recebimento da peça inicial, correta é a declaração da extinção da punibilidade do denunciado.

Pelo exposto, opina o Ministério Público Federal pela concessão da ordem”.

No mesmo diapasão julgou o Superior Tribunal de Justiça:

“Penal. Débito tributário. Parcelamento anterior ao recebimento da denúncia. Extinção de punibilidade.

1. O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção da punibilidade prevista na Lei 9.249/95, art. 34, porquanto a expressão “promover o pagamento” deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo devido.

2. Recurso Ordinário provido”. (RHC 9920/PR, 5.ª Turma, rel. min. Edson Vidigal, DJ 1/4/2002).

“Criminal. Recurso em Habeas Corpus. Omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias. Parcelamento anterior à denúncia. Desnecessidade do pagamento integral. Recurso provido.

I. Uma vez deferido o parcelamento, em momento anterior ao recebimento da denúncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei n.º 9.249/95, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto.

II. Recurso provido para conceder a ordem, determinando o trancamento da ação penal movida contra os pacientes.” (RHC 11.598/SC, 3.ª Seção, rel. min. Gilson Dipp, DJ 2/9/2002). (Fls. 83/85).

Voto, dessarte, pelo provimento do recurso.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Direito do Consumidor. Veículo zero quilômetro com inúmeros defeitos. Reparação pelo fabricante no prazo legal. Cabimento da indenização por danos morais.

“RECURSO ESPECIAL N.º 324.629-MG

REL.: MIN. NANCY ANDRIGHI

EMENTA – O vício do produto ou serviço, ainda que solucionado pelo fornecedor no prazo legal, poderá ensejar a reparação por danos morais, desde que presentes os elementos caracterizadores do constrangimento à esfera moral do consumidor.

– Se o veículo zero-quilômetro apresenta, em seus primeiros meses de uso, defeitos em quantidade excessiva e capazes de reduzir substancialmente a utilidade e a segurança do bem, terá o consumidor direito à reparação por danos morais, ainda que o fornecedor tenha solucionado os vícios do produto no prazo legal.

– Na linha de precedentes deste Tribunal, os danos morais, nessa hipótese, deverão ser fixados em quantia moderada (salvo se as circunstâncias fáticas apontarem em sentido diverso), assim entendida aquela que não ultrapassasse a metade do valor do veículo novo, sob pena de enriquecimento sem causa por parte do consumidor.

– Se o autor deduziu três pedidos e apenas um foi acolhido, os ônus da sucumbência deverão ser suportados reciprocamente, na proporção de 2/3 (dois terços) para o autor e de 1/3 (um terço) para os suportados reciprocamente, na proporção de 2/3 (dois terços) para o autor e de 1/3 (um terço) para o réu.

– Recurso especial a que se dá parcial provimento.”

(STJ/DJU de 28/4/03, pág. 198)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, relatora a ministra Nancy Andrighi, que a adquirente de carro zero quilômetro que apresentou defeitos em quantidade excessiva tem direito à indenização por danos morais ainda que o fabricante tenha reparado esses defeitos no prazo legal.

Consta do voto da relatora:

I – Da existência de dano moral

(violação ao art. 18 do CDC e ao art. 160 do CC)

A questão relativa à existência de violação aos arts. 18 do CDC e 160 do CC restou devidamente prequestionada no v. acórdão recorrido, o qual admitiu que o vício do produto, ainda que extirpado pelo fornecedor no prazo previsto no art. 18 do CDC, pode atrair a reparação por danos morais, desde que estejam configurados (fls. 164), in verbis:

“Frise-se novamente que o eventual dano material causado, objeto de proteção do artigo em comento, é distinto do dano moral, que pode ser concedido mesmo inocorrendo afronta ao precitado art. 18ª.

A regra estabelecida no art. 18 do CDC deve ser interpretada em contexto sistemático com os demais dispositivos do CDC, em especial com o art. 6.º, que trata dos direitos básicos do consumidor e cujo inciso VI acolhe o princípio da reparação integral dos danos causados ao consumidor, seja a título material ou moral.

Nesses termos, deve-se entender que o art. 18 cuida do regime legal atinente à reparação dos danos materiais causados ao consumidor pela existência de vício de qualidade ou quantidade no produto.

Não solucionado o vício em 30 (trinta) dias, terá o consumidor direito à indenização pelos danos materiais decorrentes, exigível por meio de uma das três modalidades previstas nos incisos do § 1.º do art. 18 do CDC: substituição do produto, restituição ou abatimento do preço pago.

O regime previsto no art. 18 do CDC, entretanto, não afasta o direito do consumidor à reparação por danos morais, nas hipóteses em que o vício do produto ocasionar ao adquirente dor, vexame, sofrimento ou humilhação, capazes de ultrapassar a esfera do mero dissabor ou aborrecimento.

Este entendimento, além de decorrer da interpretação sistemática do Código de Defesa do Consumidor, como acima exposto, está em consonância com a jurisprudência unânime deste C. STJ, a qual admite a condenação do fornecedor a título de danos morais, ainda que solucionado o vício no prazo legal, desde que demonstrado o constrangimento à higidez moral do consumidor.

A respeito, cite-se o Recurso Especial n.º 174.382/SP, rel. min. Menezes Direito, terceira turma, DJ 13/12/1999, o Recurso Especial n.º 235.678/SP, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, quarta turma, DJ 14/02/2000, e Recurso Especial n.º 257.036/rj, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, quarta turma, DJ 12/02/2000, o Recurso Especial n.º 304.738/SP, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, quarta turma, DJ 13/08/2001, o Recurso Especial n.º 305.566/DF, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, quarta turma, DJ 13/08/2001, o Recurso Especial n.º 173.526/SO, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, quarta turma, DJ 27/08/2001, o Recurso Especial n.º 286.202/RJ, rel. min. Ruy Rosado e Aguiar, quarta turma, DJ 19/11/2001, o Recurso Especial n.º 328.182/RS, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, quarta turma, DJ 04/02/2002, o Recurso Especial n.º 327.420/DF, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, quarta turma, DJ 04/02/2002 e o Recurso Especial n.º 300.190/RJ, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, quarta turma, DJ 18/03/2002.

Tais precedentes sustentam que a reparação por danos materiais decorrentes de vício do produto ou serviço não afasta a possibilidade de reparação por danos morais, desde que comprovado o fato e demonstrado, pelas regras de experiência comum, a ocorrência de efetivo constrangimento à esfera moral da vítima.

Como exemplos tirados dos precedentes acima mencionados, podemos citar: a) a produção de lesões severas no corpo da vítima (REsp n.º 174.382/SP), b) o atraso em viagem aérea, extravio de bagagem e descumprimento de compromissos avençados em pacotes turísticos (REsp n.º 235.678/SP, REsp n.º 304.738/SP, REsp n.º 305.566/DF, REsp n.º 173.526/SP, REsp n.º 328.182/SP e REsp n.º 300.190/RJ), c) inscrição indevida do devedor em serviço de proteção ao crédito (REsp n.º 327.420/DF), d) demora injustificada no conserto de automóvel (REsp n.º 257.036/RJ) e e) automóvel zero-quilômetro que apresente, em seus primeiros meses de uso, diversos defeitos (REsp n.º 285.202/RJ).

Admitindo em tese a condenação em danos morais na hipótese de vício de produto ou serviço, mas afastando-a com fulcro nas circunstâncias do caso concreto, cite-se: AGA n.º 276.671/SP, rel. min. Carlos Alberto Menezes Direito, terceira turma, DJ 08/05/2000, Recurso Especial n.º 217.916/RJ, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, quarta turma, DJ 11/12/2000 e Recurso Especial n.º 215.666/RJ, rel. min. Cesar Asfor Rocha, quarta turma, DJ 29/10/2001.

Como exemplos de vícios de produto que não autorizam a condenação em danos morais (tirados dos precedentes acima mencionados), podemos citar: a) a existência de objeto no interior de bebida engarrafada, sem que o consumidor tenha ingerido o líquido (AGA n.º 276.671/SP, b) atraso no conserto de defeito apresentado por automóvel (REsp n.º 217.916/RJ) e c) recusa justificada em contratar com consumidor (REsp n.º 215.666/RJ).

In casu, constitui fato incontroverso nos autos que o recorrido adquiriu automóvel zero-quilômetro, o qual, em seus primeiros meses de uso, apresentou mais de 10 (dez) defeitos, em distintos componentes: sistema hidráulico, caixa de direção, bateria, portas, painel, limpador do pára-brisa, vidros elétricos, bancos, antena, porta-luvas e sistema de freio.

Pode-se afirmar, com base nas regras de experiência comum, como bem apontou o v. acórdão recorrido a respeito (fls. 146/148), que o número de defeitos apresentados pelo veículo (dois dos quais no sistema de freios, o qual falhou com o veículo em pleno movimento) ultrapassou, em muito, a expectativa nutrida pelo recorrido ao adquirir seu automóvel novo.

Pode-se inferir, em conseqüência, que a excessiva quantidade de defeitos in casu apresentados (os quais não se limitaram a reduzir apenas a utilidade do bem, mas também a segurança do veículo e de seus ocupantes) causaram ao recorrido frustração, constrangimento e angústia, elementos configuradores do dano moral.

Demonstrado o dano moral, é de se afastar a alegação de violação aos arts. 18 do CDC e 160 do CC.

II – Do quantum fixado a título de danos morais (violação ao art. 159 do CC)

A questão relativa à proporcionalidade do quantum fixada a título de danos morais restou devidamente prequestionada pelo v. acórdão recorrido. A respeito, assim decidiu o e. Tribunal a quo (fls. 149), in verbis:

“(…) considerando que o valor da reparação do dano moral deve alcançar um adequado sancionamento para o ofensor e uma justa compensação para os ofendidos, fixo a indenização no valor de 100 (cem) salários mínimos”.

Considerando-se o valor do salário mínimo hoje vigente em nosso País, alcança R$ 20.000,00 (vinte mil reais) o valor fixado pelo e. Tribunal a quo.

O veículo Pointer foi adquirido pelo recorrido em 12/01/1996 no valor de R$ 19.900,00 (fls. 142). Atualizado este valor pelos índices que atestam a evolução dos preços ao consumidor, pode-se considerar que o montante fixado pelo e. Tribunal a quo corresponde, aproximadamente, a 2/3 (dois terços) do valor pago pelo recorrido.

Por sua vez, os precedentes prolatados por este C. STJ (Recurso Especial n.º 257.036/RJ, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, quarta turma, DJ 12/02/2000 e Recurso Especial n.º 286.202/RJ, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, quarta turma, DJ 19/11/2001), que cuidaram da reparação por danos morais advindos de defeitos apresentados por automóveis, restringiram o quantum fixado de dano moral a, no máximo, metade do valor pago pelo consumidor quando da aquisição do veículo novo, devidamente atualizado.

Adotado este critério, verifica-se que o valor atribuído pelo e. Tribunal a quo implica em enriquecimento sem causa por parte do consumidor, ora recorrido.

Em conseqüência, merece provimento o Recurso Especial para que (considerados os fatos incontroversos dos autos) o quantum devido a título de danos morais seja fixado em 1/3 (um terço) do valor pago pelo recorrido, monetariamente atualizado pelo INPC.

III – Da existência de sucumbência recíproca (violação ao art. 21 do CPC)

Verificado que o recorrido deduziu três pedidos (fls. 19: restituição do valor pago pelo automóvel, condenação ao pagamento de danos materiais e condenação ao pagamento de danos morais) e apenas um foi julgado procedente (indenização por danos morais), deve-se reconhecer a existência de sucumbência recíproca, na proporção de 1/3 (um terço) para o ora recorrente e de 2/3 (dois terços) para o ora recorrido.

Forte em tais razões, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial para fixar os danos morais em 1/3 (um terço) do valor pago pelo recorrido (fls. 142), monetariamente atualizado pelo INPC, e, delimitados os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, distribuir reciprocamente os ônus da sucumbência, na proporção de 1/3 (um terço) para o ora recorrente e de 2/3 (dois terços) para o ora recorrido, devidamente compensados, conforme entendimento firmado pela Corte Especial no julgamento do Recurso Especial n.º 290.141/RS, rel. min. Antônio de Pádua Ribeiro, julgado em 21/11/2001.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Castro Filho e Antônio de Pádua Ribeiro.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistrutura.