“RECURSO ESPECIAL N.º 139.874-PR

REL.: MIN. GILSON DIPP

EMENTA – I. Não há ilegalidade na decisão colegiada que decreta a extinção da punibilidade pela prescrição, com base no quantum da pena imposta pela sentença, contra a qual foi apresentado, exclusivamente, recurso defensivo.

II. Apresentando somente recurso da defesa, a pena imposta à recorrida não poderia vir a ser majorada, razão pela qual, decretada a prescrição pelo Tribunal a quo, resta prejudicada a pretensão do presente recurso especial ministerial, restrita à fixação do limite de alcance da Lei n.º 9.099/95.

III. Recurso prejudicado em face da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa”. (STJ/DJU de 15/4/2002, pág. 244).

Partindo da proibição da “reformatio in pejus”, prevista no art. 617 do Código de Processo Penal, a jurisprudência concebeu a figura da “reformatio in pejus indireta”, inspirada no parágrafo único do art. 626 do mesmo Código, que veda o aumento de pena na sentença anulada na via revisional.

Dessa maneira se alguém é condenado por crime de furto simples a 1 (um) ano de reclusão e somente a defesa apela, vindo a sentença a ser anulada, na nova decisão a pena não poderá exceder de 1 (um) ano. Vai daí que a prescrição será calculada como se esse quantitativo (1 ano) fosse o máximo em abstrato da pena de furto, ocorrendo, então, a extinção da punibilidade, por essa causa, em 4 (quatro) anos e não em 8 (oito) anos.

Esse entendimento, tranqüilo na jurisprudência das instâncias extraordinárias (conquanto algumas decisões esparsas das instâncias ordinárias em contrário), vem reiterado nesta decisão posta em destaque, da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o Ministro Gilson Dipp, nos seguintes termos:

O Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator):

Por se tratar de matéria prejudicial ao mérito, impõe-se exame preliminar da prescrição.

Com efeito. Os fatos ocorreram em 7/2/92 (fl. 02).

A denúncia foi recebida em 11/4/94 (fl. 67).

A sentença que condenou a recorrida nas sanções do art. 168, § 1.º, inc. III, c/c o art. 71 do Código Penal à pena de 1 ano, 6 meses e 20 dias de reclusão, em regime aberto, além de multa, foi publicada em 30/6/95 (fl. 04).

De tal decisão, só houve recurso defensivo, tendo havido o trânsito em julgamento para a acusação.

O acórdão julgou prejudicado o recurso e, de ofício, declarou a extinção da punibilidade da ré, pela prescrição.

O recurso especial interposto pelo Ministério Público do Paraná visa, em síntese, à fixação do limite de alcance da retroatividade da Lei n.º 9.099/95.

Assim, tem-se que a prescrição foi corretamente analisada pelo e. Tribunal a quo, quando do julgamento do recurso de apelação.

Considerando-se que a recorrida era menor de 21 anos ao tempo da infração e, conseqüentemente, reduzindo-se o prazo prescricional pela metade, o mesmo resulta em 2 anos, nos termos do art. 109, inc. V, c/c o art. 115, ambos do Código Penal.

A prescrição retroativa, portanto, consumou-se entre a data do fato e a do recebimento da denúncia – como devidamente justificado em 2.º grau de jurisdição.

Cabe a ressalva de que, a partir do momento em que foi apresentado somente recurso da defesa a decisão condenatória, o quantum sancionatório não pode ser modificado e daí não pode advir maior prejuízo à ré, do que resultaria da decisão contra a qual some<%2>nte ela se insurgiu.

Desta forma, corretamente decretada a prescrição pelo Tribunal a quo, prejudicada se encontra a pretensão do presente apelo excepcional, que é fulcrada unicamente na fixação do limite de alcance da Lei n.º 9.099/95.

Diante do exposto, julgo prejudicado o recurso, em face da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Jorge Scartezzini, Edson Vidigal, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer.

Responsabilidade Civil. Posto de gasolina. Caminhão deixado com o vigia num domingo fora do horário de expediente. Contrato de depósito ou de guarda inexistente.

“RECURSO ESPECIAL N.º 195.092-MT

REL.: MIN. BARROS MONTEIRO

EMENTA – Achando-se o posto fechado sob correntes, com a fiscalização apenas de um vigia, não se considera aperfeiçoado o contrato de depósito ou de guarda com o simples fato de haver o proprietário do veículo ali estacionado o caminhão sob sua conta e risco.

– Recurso especial não conhecido.”

STJ/DJU de 22/4/02, pág. 209)

Na edição do dia 2 de junho corrente foi colocada em destaque decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator ministro Ari Pargendler, pela qual foi reconhecida a responsabilidade de posto de gasolina pelo furto de veículo que ali fora deixado, ainda que gratuitamente.

Nesta decisão de hoje, da Quarta Turma, do mesmo Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Barros Monteiro, foi considerada a mesma situação de furto de veículo deixado em posto de gasolina, também gratuitamente, porém num domingo, fora do horário de expediente e sob os cuidados do vigia.

Considerou o Tribunal que, nesta hipótese, não havia para o posto o dever de indenizar porque o estabelecimento ocorreu por conta e risco do proprietário do veículo.

Eis na íntegra, a decisão:

O Sr. Min. Barros Monteiro (relator):

Consoante descreveram as instâncias ordinárias, os fatos passaram-se, em síntese, da seguinte maneira: num domingo, por volta das 17h30, quando não havia expediente no posto, o autor deixou o caminhão com o vigia, sob o aviso que viria retirá-lo no dia seguinte, não tendo recebido do preposto nenhum comprovante da entrega. Esses são os dados colhidos na sentença.

O v. Acórdão narrou ter o autor solicitado ao vigia noturno que abrisse as correntes para estacionar o veículo; o empregado abriu-as, atendendo às ponderações do autor no sentido de que conhecia o proprietário do estabelecimento e de que telefonaria no outro dia comunicando-lhe quais serviços deveriam ser realizados no caminhão.

O demandante – ora recorrente – aduz que o seu pleito não se arrima na existência do contrato de depósito, mas sim na circunstância de que o veículo foi deixado à guarda do estabelecimento em decorrência de suas atividades próprias e inerentes. No apelo especial, deixou ele patente que o auto se encontrava sob a guarda da recorrida em seu posto de gasolina, “para ser lavado, engraxado, trocado o óleo e lubrificado” (fl. 223).

Queira ou não o recursante, não se pode fugir, no caso, do exame da responsabilidade contratual. O autocaminhão foi entregue a desoras no estabelecimento ao vigia, a fim de que, no local, permanecesse estacionado. O simples jogo de palavras aventado pelo autor, segundo o qual não cogitou ele do contrato de depósito, é irrelevante ao deslinde da espécie. O cerne do litígio cifra-se a saber se, convencido o vigia a abrir as correntes do posto, esse fato, por si só, configurou um contrato de depósito, ou como qualifica o demandante, um contrato de “guarda”.

Considero que as peculiaridades da hipótese sub judice, retratadas pelas decisões proferidas nas instâncias ordinárias, estão a revelar que não chegou a aperfeiçoar-se o liame contratual entre o pretenso usuário e ou estabelecimento comercial.

Inexiste, em verdade, no caso, o contrato de depósito ou de “guarda”. O posto não se achava aberto ao público; ao reverso, estava fechado com correntes, com o apoio apenas do referido vigia. A admissão do veículo por este último, ao abrir as correntes do estabelecimento, não equivaleu à celebração de um contrato (seja de depósito, seja de “guarda”) entre o acionante e o posto de gasolina, pela simples circunstância de que o “vigia”, dada a sua própria e pessoal condição, não se encontrava ali para atender à clientela, mas apenas para fiscalizar, zelar pela integridade do estabelecimento. Deixado o caminhão no local, sem receber o tíquete correspondente e sem indicar com precisão a finalidade para a qual assim procedia, claro está que o demandante o fez por sua conta e risco.

A interpretação conferida, tanto pela sentença como pelo v. Acórdão, à ocorrência mostra-se, pois, escorreita. A obrigação de indenizar resultaria, sim, se o estabelecimento comercial estivesse franqueado, aberto, aos usuários; se tivesse recebido o caminhão especificamente para depósito e guarda (estacionamento) ou então para realização de serviços.

À falta de tais elementos, não se pode afirmar tenha o julgado recorrido afrontado os arts. 159 e 1.521, III, do Código Civil.

A sua vez, o conflito pretoriano não é suscetível de configurar-se no caso dos autos. Os arestos paradigmas colacionados dizem respeito ao estacionamento permitido por estabelecimentos (hotéis, supermercados, bancos, etc…), a título de cortesia, com o escopo de angariar clientela. Nessas hipóteses, sim, esta Corte tem admitido a obrigação de reparar os danos havidos durante o período de estacionamento, uma vez que aí, com o intuito de lucro ao menos indireto, o comerciante assume o dever de guarda e vigilância. Aqui, a espécie é diversa: não há, a rigor, depósito gratuito oferecido pelo posto de gasolina; o veículo foi deixado no local sob a responsabilidade do proprietário do veículo, em face dos pormenores fáticos acima analisados. Por conseguinte, o enunciado da Súmula n.º 130-STJ não possui pertinência na hipótese em tela, o mesmo se podendo dizer em relação ao Verbete Sumular n.º 341 da Suprema Corte, uma vez que não consumada, como dito, a avença de depósito ou de guarda.

Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Júnior e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola de Magistratura.

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