Penal. Prescrição em perspectiva. Reconhecimento em situação excepcional.

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO N.º 1999.70.010.008573-5/PR

REL.: DES. FEDERAL VOLKMER DE CASTILHO/TRF 4.ª REGIÃO

EMENTA – Como regra, não se pode chancelar a decretação da prescrição in concreto com base na pena que futuramente iria ser aplicada ao acusado, já que esta modalidade de prescrição é estranha ao direito penal pátrio.

No caso concreto, ainda que típica a conduta, tendo em vista as peculiaridades presentes, deve-se reconhecer esta modalidade de prescrição, em homenagem ao princípio da instrumentalidade do processo.

Recurso em sentido estrito improvido.”

(TRF 4.ª Região, DJU de 16/10/02, pág. 825)

É conhecida a resistência oposta pelos tribunais a essa modalidade de prescrição que se convencionou chamar de “prescrição em perspectiva”, ou seja, se já passou o prazo prescricional em relação à pena que poderá ser aplicada em eventual sentença condenatória, a prescrição da pretensão punitiva pode ser reconhecida.

Porém, dadaS as peculiaridades do caso (ação penal proposta por crime de estelionato 10 (dez) anos após a sua ocorrência), a Oitava Turma do 4.º Tribunal Regional Federal, relator o desembargador federal Volkmer de Castilho:

É de ser negado provimento ao recurso ministerial.

Os indiciados, ao menos em tese e virtualmente, teriam praticado, segundo a denúncia, estelionato qualificado, crime previsto no art. 171, par. 3.º, do Código Penal.

O magistrado de primeiro grau rejeitou a denúncia por falta de justa causa porquanto entendeu que a pretensão punitiva, no caso de uma futura condenação, estaria fulminada pela ocorrência da prescrição.

A decisão do magistrado a quo foi fundamentada no sentido de que da data do fato (23/6/1992) se passou cerca de dez anos, “o que não mais recomenda o início de uma ação penal que tenha, por objeto, o fato investigado, por não se vislumbrar legítimo interesse de agir por parte do Estado”.

Em princípio, consigna-se que a prescrição em perspectiva, com vistas a futura pena que seria imposta ao processado criminalmente na eventualidade de uma condenação, não deve, de regra, ser aplicada, já que esta modalidade de prescrição é estranha ao direito penal brasileiro. É neste sentido, inclusive, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como desta Corte.

No caso dos autos, no entanto, em que pese ser virtualmente típica a conduta, a rejeição da denúncia deve ser mantida, já que sem chance alguma de vingar qualquer expectativa de punição dos denunciados pelo fato contido neste apuratório criminal.

Com efeito. Os fatos passaram-se em 23 de junho de 1992. Daquela data até hoje passaram-se mais de dez anos. Trata-se de réus primários, onde as circunstâncias que permeiam a prática do delito nada têm de anormais. Isso tudo leva à conclusão de que, caso houvesse a instauração de processo contra os indiciados e no caso de serem eles condenados, apesar da majorante do par. 3.º do Código Penal, a pena dificilmente alcançaria mais de quatro anos, com o que estaria fatalmente prescrita, tendo em vista o longo tempo que se passou (dez anos).

Assim, excepcionalmente, é de ser conhecida pelo Poder Judiciário a total esterilidade de uma eventual ação penal que adviria deste procedimento e impedir que ele tenha seu curso normal, já que entre a data dos fatos e os dias de hoje transcorreu lapso superior a dez anos, prazo necessário para fulminar a pretensão punitiva estatal.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso do Ministério Público.

É o voto.

Decisão unânime.

Execução. Penhora sobre bem de família. Embargos de terceiro. Legitimidade da mulher e dos filhos

“RECURSO ESPECIAL N.º 434.856-PR

REL.: MIN. BARROS MONTEIRO

EMENTA – Inocorrência no caso do alegado cerceamento de defesa, adstrita que fora a objeção do banco embargado ao ônus da embargante de comprovar os requisitos estabelecidos na Lei n.º 8.009/90.

– “Tem legitimidade a mulher e os filhos para, em embargos de terceiro, defender bem de família sobre o qual recaiu medida coercitiva, mesmo que ela figure juntamente com o marido como executada, vedada tão-só a discussão do débito” (REsp n.º 64.021-SP).

– A Lei n.º 8009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência (Súmula n.º 205-STJ).

– A viúva, ainda que more só no imóvel residencial, acha-se protegida pela impenhorabilidade prevista na mencionada Lei n.º 8.009/90.

Recurso especial não conhecido.”

(STJ/DJU de 24/2/03)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, relator o ministro Barros Monteiro, que tanto a mulher como os filhos, têm legitimidade para propor embargos de terceiro na defesa do bem da família, ainda que figure juntamente com o marido como executada.

Nesse mesmo julgado, reiterou a Corte o entendimento de que também a pessoa viúva ou solteira se encontra agasalhada pelo benefício da impenhorabilidade do imóvel residencial de família.

Consta do voto do relator:

O sr. ministro Barros Monteiro (relator):

1. Em sede de recurso especial não se reexamina alegação de ofensa a texto da Lei Maior.

De todo modo, não há falar, no caso, em contrariedade ao art. 458 do Código de Processo Civil. Basta à decisão recorrida que aprecie as questões relevantes pertinentes à controvérsia, requisito a que o tribunal de origem atendeu às inteiras, não sendo imprescindível que aluda a cada um dos dispositivos legais invocados pelas partes. Segundo a orientação jurisprudencial dominante “o juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por ela e, tampouco, a responder um a um todos os seus argumentos” (RJTJESP 115/207).

2. Tampouco colhe a argüição de cerceamento de defesa.

Quando de sua impugnação ao pedido inicial, o recorrente asseverou não ter a embargante carreado aos autos elementos probatórios que corroborassem a sua afirmativa de que ocupa o imóvel penhorado em companhia de uma filha.

A objeção, consoante se pode notar, referiu-se tão-só ao ônus da prova, de maneira que, ao proferir o julgamento antecipado, o MM. juiz de Direito não causou gravame algum ao banco recorrente. Era-lhe permitido, nos termos da lei processual, apreciar a causa no estado em que se encontrava.

3. Tocante à legitimidade da ora recorrida para opor os embargos de terceiro, esta Corte Superior já teve ocasião de decidir que “têm legitimidade a mulher e os filhos para, em embargos de terceiro, defender bem de família sobre o qual recaiu medida coercitiva, mesmo que ela figure juntamente com o marido como executada, vedada tão-só a discussão do débito” (REsp n.º 64.021-SP, relator ministro José Arnaldo).

4. A circunstância de a dívida ter sido contraída anteriormente à edição da Lei n.º 8.009/90, assim como de o ato constritivo também ter ocorrido de modo precedente à vigência do citado diploma legal, não afasta a impenhorabilidade, consoante a pacífica diretriz jurisprudencial hoje cristalizada no verbete sumular n.º 205 desta Corte: “A Lei n.º 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência”.

5. Finalmente, indiscutível é a incidência no caso da indigitada Lei n.º 8.009, de 29.3.1990, uma vez que, ao fim e ao cabo, o banco recursante admite, em suas razões de apelo excepcional, ser a recorrida viúva e residir sozinha no imóvel objeto da constrição (fl. 159). Ainda que não esteja ela acompanhada pela filha, acha-se sob o pálio do mencionado estatuto legal, à consideração de que não deixa de constituir uma entidade familiar. Nesse sentido confiram-se os seguintes julgados desta Casa: REsp n.º 253.854-SP, relator ministro Carlos Alberto Menezes Direito; REsp n.º 182.223-SP, relator ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.

Neste último aresto, o sr. ministro relator salientou o sentido social da norma, que é o de garantir um teto para cada pessoa.

Ainda há pouco, quando do julgamento do REsp n.º 429.086-SP, relator ministro Ruy Rosado de Aguiar, esta eg. Turma reiterou o entendimento de que a pessoa viúva ou solteira se encontra agasalhada pelo benefício legal da impenhorabilidade do imóvel residencial da família.

Em suma, inocorre na espécie a afirmada contrariedade à norma de lei federal, tampouco, de outro lado, é suscetível de aperfeiçoar-se o dissídio interpretativo, desde que a diretriz imprimida por esta Corte, em ambos os aspectos aventados pelo recorrente, firmou-se na mesma linha da decisão objurgada (Súmula n.º 83-STJ).

A imposição das custas e honorários advocatícios ao banco embargado deflui da regra inscrita no art. 20, caput, do CPC.

6. Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Júnior e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.