Penal. Perdão judicial. Acidente de trânsito. Mortes do irmão do motorista e de outro passageiro. Aplicação do benefício ao todo resultante da ação.

“HABEAS CORPUS N.º 21.442-SP

REL.: MIN. JORGE SCARTEZZINI

EMENTA

– Sendo o perdão judicial uma das causas de extinção da punibilidade (art. 107, inciso IX, do C.P.), se analisado conjuntamente com o art. 51, do Código de Processo Penal (“o perdão concedido a um dos quereladaos aproveitará a todos…”), deduz-se que o benefício deve ser aplicado a todos os efeitos causados por uma única ação delitiva. O que é reforçado pela interpretação do art. 70, do Código Penal Brasileiro, ao tratar do concurso formal, que determina a unificação das penas, quando o agente, mediante uma única ação, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não.

– Considerando-se, ainda, que o instinto do Perdão Judicial é admitido toda vez que as conseqüências do fato afetem o respectivo autor, de forma tão grave que a aplicação da pena não teria sentido, injustificável se torna sua cisão.

– Precedentes.

– Ordem concedida para que seja estendido o perdão judicial em relação à vítima R. A. de M., amigo do paciente, declarando-se extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IX, do CP.”

(STJ/DJU de 9/12/02, pág. 361)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator o ministro Jorge Scartezzini, que não é possível a cisão do benefício do perdão judicial em hipótese de concurso formal, pelo que deve ser aplicado ao todo resultante de ação única.

Consta do voto do relator:

Exmo. sr. ministro JORGE SCARTEZZINI (relator): sr. presidente, como relatado, o paciente envolveu-se em acidente automobilístico do qual resultou a morte de seu irmão e de um amigo. O magistrado de primeiro grau, ao examinar o caso, condenou-o como incurso nas sanções do art. 302, do Código de Trânsito Brasileiro, à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, além da suspensão da habilitação para dirigir veículos pelo mesmo período, tendo sido sua pena substituída por duas restritivas de direito.

Inconformada, a defesa apelou, tendo o recurso obtido parcial êxito, no sentido de se conceder o perdão judicial pelo homicídio culposo causado ao seu irmão, mantendo-se a condenação, entretanto, quanto ao seu amigo.

O writ procede.

O paciente, em seu veículo, sem qualquer motivo aparente, desgovernou-se, chocando-se contra uma árvore. Em conseqüência, ocorreu a morte de Rodrigo Antônio Medeiros (irmão do paciente) e Marco Aurélio M. Moreira, configurando-se concurso formal, pois, numa única ação, o paciente deu causa ao duplo homicídio culposo, conforme entendeu o magistrado de primeiro grau. O Tribunal a quo concedeu o perdão judicial somente em relação ao irmão do réu.

Sendo o perdão judicial uma das causas de extinção de punibilidade (art. 107, inciso IX, do C.P.), se analisado conjuntamente com o art. 51, do Código de Processo Penal (“o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos…”), deduz-se que o benefício deve ser aplicado a todos os efeitos causados por uma única ação delitiva. O que é reforçado pela interpretação do art. 70, do Código Penal Brasileiro, ao tratar do concurso formal, que determina a unificação das penas, quando o agente, mediante uma única ação, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não.

Considerando-se, ainda, que o instituto do Perdão Judicial é admitido toda vez que as conseqüências do fato afetem o respectivo autor, de forma tão grave que a aplicação da pena não teria sentido, injustificável se torna sua cisão. Nesse diapasão, têm decidido os Tribunais:

“Perdão judicial – Havendo concurso formal, não se concede o perdão judicial somente em relação a um dos crimes, vez que o sofrimento do agente não diz respeito apenas ao resultado, mas decorre da ação praticada geradora do evento. Por tratar-se de uma única ação é que o benefício deverá estender-se ao todo, ou seja, ao resultado da ação” (TAMG – AC Rel. Fábio Chaves – RJTAMG 21/417).

“Como o que se analisa na esfera criminal é a ação delituosa praticada, no concurso formal de infrações o perdão judicial, quando cabível, não pode ser concedido parcialmente, mas deve ser estendido à totalidade do resultado alcançado com aquela ação única do réu” (TJSC – AC – Rel. Gaspar Rubick – JC 59/332).

“Perante um concurso formal de infra-ções o perdão não pode ser aplicado apenas em parte, mas para o todo. O padecimento sofrido pelo condenado e reconhecido pelo sentenciador não diz respeito somente ao resultado, mas em razão da ação praticada que produziu tal resultado. Ora, se a ação foi uma só, tanto que reconhecido o concurso formal, o perdão deve ser aplicado ao todo, isto é, ao resultado da ação.” (TACRIM – SP – AC – Rel. Walter Swensson – JUTACRIM 94/328).

“Não há como cindir-se o perdão para deixar de aplicar a pena apenas quanto a uma das mortes, pois, o comportamento culposo que deu causa a ambas é o mesmo e se esse comportamento já está suficientemente punido pela própria gravidade das conseqüências para o agente, de uma das mortes, não se aplica pena também pela outra” (TACRIM-SP – AC – Rel. Barreto Fonseca – JUTACRIM 85/366).

Assim sendo, não há sentido em se conceder o perdão relativamente ao irmão do paciente e manter a condenação em relação ao seu amigo. Aliás, em outra oportunidade, analisando caso semelhante, decidi:

“PROCESSO PENAL – ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO – PERDÃO JUDICIAL – CONCESSÃO – BENEFÍCIO QUE APROVEITA A TODOS.

– Sendo o perdão judicial uma das causas de extinção de punibilidade (art. 107, inciso IX, do C.P.), se analisado conjuntamente com o art. 51, do Código de Processo Penal, que preceitua que “o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos…”, deduz-se que o benefício deve ser aplicado a todos os efeitos causados por uma única ação delitiva. O que é reforçado pela interpretação do art. 70, do Código Penal Brasileiro, ao tratar do concurso formal, que determina a unificação das penas, quando o agente, mediante uma única ação, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não.

– Considerando-se, ainda, que o instituto do Perdão Judicial é admitido toda vez que as conseqüências do fato afetem o respectivo autor, de forma tão grave que a aplicação da pena não teria sentido, injustificável se torna sua cisão.

– Ordem concedida para restabelecer a decisão de 1.º grau.”

(HC 14.348/SP)

Por tais fundamentos, concedo a ordem para que seja estendido o perdão judicial em relação à vítima Rodrigo Antônio de Medeiros, declarando-se extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IX, do CP.

É como voto.

Decisão por unanimidade, votando com o relator os ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp.

Responsabilidade Civil. Seguro. Acidente de veículo com danos materiais e pessoais. Ingresso do segurado na contramão. Risco inerente à natureza da cobertura.

“RECURSO ESPECIAL N.º 246.631-SP

REL.: MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR

EMENTA

I. O ingresso do segurado em contramão de direção não é causa de excludente da cobertura securitária prevista no art. 1.454 do Código Civil, eis que constitui evento previsível de acontecer no trânsito, em face da complexidade da malha viária, a impossibilidade de conhecimento integral dos logradouros pelos motoristas e as correntes modificações introduzidas para facilitar o escoamento de veículos.

II. Recurso especial conhecido e provido, para determinar o pagamento da indenização contratada.”

(STJ/DJU de 17/3/03, pág. 233)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, relator o ministro Aldir Passarinho, que o fato de o segurado ter dado causa ao acidente por dirigir na contramão não exonera da seguradora a cobertura securitária, porquanto constitui evento previsível e risco inerente às circunstâncias que usualmente se encontram em uma atividade.

Eis, na íntegra, o voto condutor:

Exmo. sr. ministro Aldir Passarinho Júnior (relator): Como visto do relatório, trata-se de ação em que o segurado, agora já falecido e representado por seu espólio, postula da ré a indenização securitária em face de acidente que causou, com reflexos materiais e lesões corporais no condutor do outro veículo.

A sentença de 1.º grau julgou procedente a ação, mas foi reformada pelo Tribunal Estadual, ao fundamento de que houve aumento do risco por culpa grave do segurado que ingressou na contramão de direção, causando o sinistro, em desrespeito às leis de trânsito, daí aplicando a regra do art. 1.452 da lei adjetiva civil, que dispensa a seguradora do dever de indenizar.

Com a máxima vênia, a decisão merece respeito.

O contrato de seguro objetiva, exatamente, a cobertura de sinistros que ocorram no prazo de vigência da apólice e, para tanto, o prêmio é calculado atuarialmente, levando em conta inúmeras variantes que, no cômputo global da carteira de uma companhia seguradora, pela média, ela terá capacidade de honrar com seus compromissos e ainda auferir lucro.

Portanto, o seguro cobre, obviamente, um risco calculado, isto é, aquele inerente às circunstâncias que usualmente se encontram em uma atividade, mesmo aquelas irregulares, mas previsíveis, dentro de uma certa margem de razoabilidade.

Em diversos precedentes, esta Corte já admitiu, inclusive, que a embriaguez do motorista não constitui excludente do seguro, como se infere dos seguintes arestos, verbis:

“Seguro. Responsabilidade pelo agravamento do risco. Interpretação do art. 1.454 do Código Civil. Precedente da Corte.

1. Já decidiu a Corte que a culpa exclusiva de preposto na ocorrência de acidente de trânsito, por dirigir embriagado, não é causa de perda do direito ao seguro, por não configurar agravamento do risco, previsto no art. 1.454 do Código Civil, que deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado”.

2. Recurso especial conhecido e provido.”

(3.ª Turma, REsp n.º 231.995 – RS, rel. min. Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJU de 6/11/00)

“Direito Civil. Seguro. Acidente de trânsito. Embriaguez. Agravamento do risco. Inocorrência. Ausência de conduta direta e culposa do próprio segurado. Art. 1.454, Código Civil. Precedentes. Restabelecimento da sentença. Recurso parcialmente provido. Provido.

– Na linha da orientação firmada por este Tribunal, a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ocorrência de acidente de trânsito, por dirigir embriagado, não é causa de perda do direito ao seguro, por não configurar agravamento do risco, previsto no art. 1.454 do Código Civil, que deve ser imputado à conduta direta do próprio segurado.”

(4.ª Turma, REsp n.º 223.119 – MG, rel. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 25/10/99)

“Civil. Seguro. Acidente de veículo. Danos pessoais causados a terceiro. Condução do automóvel por preposto em estado de embriaguez. Não configuração de aumento do risco pela empresa segurada. Cobertura securitária devida. CC, Art. 1.454.

I. Para a configuração da hipótese de exclusão da cobertura securitária prevista no art. 1.454 da lei substantiva civil, exige-se qua a contratante do seguro tenha diretamente agido de forma a aumentar o risco, o que não ocorre quando, inobstante a embriaguez do preposto condutor do veículo, cuidava-se, segundo a instância ordinária, soberana no exame dos fatos, de pessoa habilitada, tida como responsável, e o estado mórbido foi considerado meramente ocasional, em decorrência de excesso em festividade natalina.

II. Devido, assim, o pagamento, pela seguradora, da indenização a terceiro pelos danos pessoais causados em decorrência da colisão.

III. Recurso especial conhecido, mas improvido.”

(4.ª Turma, REsp n.º 79.533 – MG, rel. min. Aldir Passarinho Júnior, unânime, DJU de 6/12/99)

Falar-se, então, que dirigir na contramão levaria a isentar a seguradora da cobertura, é um verdadeiro absurdo. O trânsito é complexo, varia a cada cidade, a maioria das ruas e alguns bairros são desconhecidos e, ademais, muitas vezes têm sua mão invertida, ou sofrem alterações estéticas, como alargamento, conexão com outras vias, criação ou supressão de retornos, passagens de nível, cruzamentos, sinais, faixas, etc. É evidente que o motorista deve ter a máxima atenção, e se não a tem, pode ser multado ou mesmo sofrer acidente, como no caso. Mas, para isso, buscando a precaução, o próprio Estado lhe impõe um seguro obrigatório. E, se for, pessoalmente, cauteloso, ainda contrata outro, particular, para resguardar-se e a terceiros de uma fatalidade. Afinal, o acidente quase sempre decorre de uma conduta imperita, negligente ou imprudente. E o seguro serve para cobrir isso.

O que a recorrida está a desejar é se lhe reconheça um verdadeiro seguro do seguro, a seu favor, o que é inteiramente descabido, salvo hipóteses excepcionais, a serem apreciadas individualmente. Deseja uma espécie de “risco zero” ou quase isso. Mas não é assim.

Não identifico, pois, na circunstância dos autos, qualquer aumento no risco a justificar a supressão da cobertura. Ao inverso, cabível o pagamento em cumprimento do avençado, nos termos dos arts. 1.432 e 1.458 do Código Civil.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento, para julgar procedente a ação, restabelecendo a r. sentença de 1.º grau.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Barros Monteiro, César Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.