HABEAS CORPUS N.º 43.788/SP

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Rel.: Min. Felix Fischer

EMENTA

I – Em respeito ao princípio da presunção da inocência, inquéritos e processos em andamento não podem ser considerados, como maus antecedentes, para exacerbação da pena-base (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).

II – Com a nova faixa de apenamento, extinta está a punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva (modalidade retroativa).

Writ concedido.

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(STJ/DJU de 01/02/06)

Na linha de diversos precedentes, citados pelo acórdão, decidiu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Félix Fischer, que processos criminais em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes para influir na dosagem da pena.

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Consta do voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: A irresignação prospera.

A pena foi fixada pelo Juízo de 1.º grau da seguinte forma, verbis:

?Passo a dosar a reprimenda.

Em que pese a primariedade do réu Francisco, tenho que sua reprimenda deve ser fixada inicialmente em 01 ano de detenção.

Com efeito, citado réu responde a mais de vinte ações criminais e civis públicas, sempre por ato de improbidade quando era prefeito desta cidade.

Este magistrado já julgou várias ações, tanto cíveis como criminais, em todas condenando o acusado em questão. Recentemente foi concedida liminar para arrestar a cota parte do acusado em ação de arrolamento sumário, a fim de possibilitar a execução de vários julgados.

Não pode este juiz fugir a esses fatos e aplicar uma pena mínima, pois passaria a imagem para a população local que o Poder Judiciário é complacente com os administradores públicos que causaram danos ao Erário Público? ( fl. 134).

O e. Tribunal a quo manteve a dosimetria da pena nos seguintes termos, litteris:

?No mais, embora a pena tenha sido fixada acima do mínimo legal para o apelante, que é primário, tem-se que seus antecedentes, vale dizer, sua vida pregressa, justificam a exasperação, pois, como bem apontado na r. sentença, responde a várias ações criminais e civis por ato de improbidade, e em que pese o fato de as considerações ja lançadas conta ele não possam ser consideradas para fins de reincidência, por estarem as ações em grau de recurso, com certeza tinham mesmo, tais onerações de serem sopesadas, na fixação da pena-base como circunstâncias judiciais, em atenção ao disposto no art. 59 do Código Penal? (fls. 163/164).

Como se depreende dos excertos acima colacionados, o paciente teve sua pena-base exacerbada em razão de possuir diversas ações em trâmite.

Ocorre que a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem se consolidando no sentido de que a anotação de inquéritos e processos em andamento não pode ser considerada como maus antecedentes.

Nesse sentido, os seguintes precedentes do Pretório Excelso:

?O ato judicial de fixação da pena não poderá emprestar relevo jurídico-legal a circunstancias que meramente evidenciem haver sido, o réu, submetido a procedimento penal-persecutório, sem que deste haja resultado, com definitivo transito em julgado, qualquer condenação de índole penal. A submissão de uma pessoa a meros inquéritos policiais, ou, ainda, a persecuções criminais de que não haja derivado qualquer titulo penal condenatório, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica para justificar ou legitimar a especial exacerbação da pena. Tolerar-se o contrario implicaria admitir grave lesão ao principio constitucional consagrador da presunção de não-culpabilidade dos réus ou dos indiciados (CF, art. 5.º, LVII). É inquestionável que somente a condenação penal transitada em julgado pode justificar a exacerbação da pena, pois, com ela, descaracteriza-se a presunção ?juris tantum? de não-culpabilidade do réu, que passa, então – e a partir desse momento – a ostentar o ?status? jurídico-penal de condenado, com todas as conseqüências legais dai decorrentes. Não podem repercutir contra o réu situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do poder judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de titulo penal condenatório definitivamente constituído.

(STF HC 68465/DF, 1.ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 21.02.92, p. 2694).?

?PENA-BASE EXACERBAÇÃO ANTECEDENTES CRIMINAIS. Provado que em ações anteriores o réu foi absolvido, bem como o arquivamento de um outro processo, ao que tudo indica concernente a inquérito, insubsistente exsurge provimento judicial baseado nos maus antecedentes criminais, cuja inexistência revela-se nas absolvições?

(STF HC 72041/RJ, 2.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 08.09.95, p. 28356).

E desta Corte:

?PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 155, § 4.º, IV, C/C ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DA PENA. AGRAVANTE. REINCIDÊNCIA. MAUS ANTECEDENTES. INQUÉRITOS POLICIAIS E AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO.

I – O § 4.º do art. 155 do Código Penal apresenta qualificadoras que estabelecem uma nova faixa de apenamento. Elas não se confundem com majorantes (ex vi do § 2.º do art. 157 do CP).

II – Dentro dos limites legais, uma vez caracterizada a reincidência, a agravante deve ser aplicada. (Precedentes).

III – Em respeito ao princípio da presunção da inocência, inquéritos e processos em andamento não podem ser considerados, como maus antecedentes, para exacerbação da pena-base. (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).

Recurso parcialmente provido.?

(REsp 738333/RS, 1.ª Turma, de minha relatoria, DJU de 26/09/2005).

?CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. OFENSA AO ART. 619 DO CPP. INOCORRÊNCIA. MOMENTO DA CONSUMAÇÃO. CONCURSO DE PESSOAS. MAJORANTE DO CRIME DE ROUBO. APLICAÇÃO AO FURTO QUALIFICADO PELA MESMA CIRCUNSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CONSIDERAÇÃO DE PROCESSOS EM ANDAMENTO COMO MAUS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇAS TRANSITADAS EM JULGADO HÁ MAIS DE 5 ANOS. CONSIDERAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES E NÃO COMO REINCIDÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I. Incabível a hipótese de ofensa ao art. 619 do CPP se o Tribunal a quo, embora sucintamente, fundamentou os motivos pelos quais entende ser inconstitucional a regra do art. 61, I, do CP.

II. O delito de furto – assim como o de roubo – consuma-se com a simples posse, ainda que breve, da coisa alheia móvel, subtraída mediante violência ou grave ameaça, sendo desnecessário que o bem saia da esfera de vigilância da vítima.

III. Viola o princípio da legalidade a aplicação da majorante do crime de roubo, resultante do concurso de pessoas, ao crime de furto qualificado pela mesma circunstância.

IV. Tendo o Tribunal a quo, apesar de reconhecer a presença da circunstância qualificadora do crime de furto, recorrido aos princípios da proporcionalidade e da isonomia para aplicar dispositivo legal estranho ao fato, assume papel reservado pela Constituição Federal ao parlamento.

V. Como não existe paralelismo entre os incisos I, II e III do § 4.º do art. 155 do Código Penal com os demais incisos do § 2.º do art. 157 do Estatuto Repressivo, a fórmula aplicada resultaria numa reprimenda diferenciada para indivíduos que cometem furto qualificado naquelas circunstâncias, o que é inconcebível.

VI. As circunstâncias judiciais enumeradas no art. 59 do Código Penal representam garantia do réu, na medida em que servem de parâmetro para que o Julgador possa ter melhor condição de proferir uma decisão justa.

VII. O agravamento da pena pela reincidência não representa bis in idem, eis que reflete a necessidade de maior reprovabilidade do réu voltado à prática criminosa.

VIII. O envolvimento em processos ainda em curso não se presta como indicativo de maus antecedentes, no momento da fixação da pena.

IX. Hipótese em que as sentenças transitadas em julgado não mais poderiam ser consideradas para fins de agravamento da pena pela reincidência, conforme efetuado em primeiro grau, pois ultrapassado o período de cinco anos estabelecido pelo art. 64, I, do Código Penal, devendo permanecer como maus antecedentes.

X. Recurso conhecido e parcialmente provido para afastar a incidência do art. 14, II, do Código Penal e a aplicação da majorante do roubo ao furto qualificado, e para reconhecer, a título de maus antecedentes criminais, as condenações em que o trânsito em julgado tenha ultrapassado o período de cinco anos estabelecido pelo art. 64, I, do Código Penal.

XI. Remessa dos autos ao Tribunal a quo para redimensionamento das penas.?

(REsp 752581/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 19/09/2005).

?RECURSO ESPECIAL CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. MAUS ANTECEDENTES. PROCESSOS SEM TRÂNSITO EM JULGADO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE.

Com a dosimetria da pena, o magistrado deve observar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal e demais circunstâncias a ela relativa.

Na fixação da pena base, inquéritos e processos em andamento não podem ser levados em consideração como maus-antecedentes, em respeito ao princípio da não-culpabilidade.

Recurso especial conhecido e parcialmente provido.?

(REsp 733318/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 05/09/2005).

?HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. PORTE DE ARMA. ATIPICIDADE RELATIVA. OCORRÊNCIA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA. INDIVIDUALIZAÇÃO. ILEGALIDADE. CARACTERIZAÇÃO.

1. É defeso, à luz do princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, atribuir função exasperante, na individualização da pena, a registro de antecedente penal que não fundou condenação transitada em julgado.

2. Em se tratando de conduta anterior a 8 de novembro de 1997, termo a quo da vigência formal do artigo 10 da Lei n.º 9.437/97, impõe-se a declaração da sua atipicidade relativa.

3. Ordem concedida.?

(HC 33942/RJ, 6.ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 01/02/2005).

Dessarte, como o paciente, à época da sentença condenatória (cf. consignado na própria sentença de fls. 130/135 e acórdão de fls. 159/164), não possuía maus antecedentes, a pena-base deveria ter sido fixada no mínimo legal, i.e., 03 (três) meses de detenção.

E com o novo patamar, extinta está a punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa. Com efeito, os fatos se deram entre 21/11/96 e 30/12/96. A denúncia somente foi recebida em 08/06/2000 (data em que foi tornada pública em cartório – fl. 127). Nesse interregno, como se percebe, decorreu lapso temporal superior a 02 (dois) anos (art. 109, VI, do CP).

Diante do exposto, concedo a ordem, a fim de reduzir a pena-base para 03 (três) meses de detenção e, com a nova faixa de apenamento, declaro extinta a punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva (retroativa).

É o voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.