Penal. Homicídio e porte de arma. Princípio da consunção

HABEAS CORPUS N.º 35.222/MG

Rel.: Min. José Arnaldo da Fonseca

EMENTA – O crime de homicídio absorve o do porte de arma quando as condutas guardam a devida relação de meio e fim, não sendo correta a submissão a novo júri para o fim de julgar-se o último em separado.

Ordem concedida em parte para impedir o novo julgamento do júri somente quanto ao crime de porte ilegal de arma.

(STJ/DJU de 23/08/04, pág. 259)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator o ministro José Arnaldo da Fonseca, que o porte de arma é absorvido pelo crime de homicídio quando houver relação de meio a fim, isto é quando a arma é utilizada para o cometimento do homicídio.

Consta do voto do relator

O Exmo. Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca (Relator):

A opinião do Parquet bem define a questão, além de seguir a orientação desta Corte, eis porque a sigo integralmente nos seguintes termos (fls. 49/52):

"Quanto ao primeiro argumento, assim manifesta-se o impetrante (fl. 03):

"Coerentemente com o reconhecimento do excesso de defesa do paciente, a Colenda Câmara Julgadora deveria, ‘data maxima venia’, ter cassado a condenação por homicídio, uma vez que, por afronta ao contexto probatório, o Tribunal do Júri negou o quesito n.º 03, impedindo dessa maneira, por prejudicados, a votação dos quesitos n.º 09 e 10, relativos aos excessos doloso e culposo. "

Como é cediço, a ação de habeas corpus não é via adequada para revolvimento de matéria relativa às provas carreadas aos autos, conforme pretende o impetrante, a fim de que seja o paciente inocentado com excludente de ilicitude, mormente quando não aferível de plano.

Desse modo, fica vedado o conhecimento do mandamus quanto a este ponto, uma vez que "alegação de que o decreto condenatório seria manifestamente contrário à prova dos autos" significa que a "análise da matéria demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, inviável na via eleita" (HC 32015/SP).

Este é o entendimento desta Colenda Corte nesses casos, ad exemplum tantum:

"HABEAS-CORPUS.

Impossibilidade, na via eleita, de intensa reanálise da prova.

Não conhecimento do pedido."

(HC 12.556/MG, 6." Turma, Relator Min. Fontes de Alencar, julgado em 01/12/2003).

Quanto à absorção do crime de porte de arma pelo delito de homicídio e à desnecessidade de que se realize novo julgamento no Tribunal do Júri, entende-se que os argumentos ventilados pelo impetrante colhem.

O acórdão guerreado assim manifestou-se sobre a aplicação do princípio da consunção ou da absorção (fls. 215/216):

"Quanto à aplicação do princípio da consunção, com absorção do crime de porte ilegal de armas pelo crime de homicídio, na verdade, expressiva orientação jurisprudencial tem proclamado que o homicídio, sendo crime-fim, absorve o crime-meio de porte ilegal de arma, para possibilitar a consumação e execução do homicídio, devendo ser por este último absorvido.

‘In casu’, a condenação do réu também pelo crime de porte ilegal de arma, em sendo este crime-meio para a execução do crime de homicídio, afronta o contexto fático-probatório e o entendimento jurisprudencial de nosso Tribunal Superior, impondo-se a submissão do apelante a novo julgamento popular pelo crime conexo."

Vê-se, pois, que muito embora tenha reconhecido o decisum a ocorrência da absorção do crime de porte ilegal de arma pelo crime de homicídio, determinou fosse aquele submetido a novo Júri, em desfecho nitidamente contraditório, salvo melhor juízo.

Esta Colenda Corte comunga do entendimento que acolhe a aplicação do princípio da consunção nestes casos. Ad exemplum tantum:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL TENTATIVA DE HOMICÍDIO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CONCURSO MATERIAL. SÚMULA N.º 7/STJ. CRIME CONEXO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

I – Ainda que não se afaste a possibilidade do reconhecimento da autonomia das duas condutas, o crime de tentativa de homicídio absorve o de porte ilegal de arma de fogo quando as duas condutas delituosas guardam, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculada.

II – O recurso especial não se presta para pretensão do reexame do material de conhecimento (Súmula n.º 07-STJ). Desta forma, incabível a verificação da alegação de que os fatos descritos na exordial acusatória não estão compreendidos no mesmo contexto fático.

III – Uma vez admitida a imputatio acerca do delito da competência do Tribunal do Júri, o ilícito penal conexo também deverá ser apreciado pelo Tribunal Popular. Não admitida, este último passa a ser apreciado, então pelo órgão judiciário competente (v. art. 410 do CPP). O crime conexo só pode ser afastado Ä e este é o caso dos autos Ä quando a falta de justa causa se destaca in totum e de pronto.

Recurso desprovido.

(RESP 571.077/RS, 5." Turma, Relator Min. Felix Fischer, julgado em 04/03/2004).

"RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO. JÚRI. PORTE ILEGAL DE ARMAS. LEI 9.437/97. ABSORÇÃO COM BASE NO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.

Homicídio. Porte ilegal de armas. Pronúncia. Júri. Relação consuntiva com a norma incriminadora da conduta praticada pela vítima. Absorção.

Recurso especial conhecido, mas desprovido."

(RESP 232.507/DF; 5." Turma, Relator Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 11/09/2001).

Nas razões do voto do supramencionado RESP 232.507/DF, assim pronunciou-se o Exmº. Ministro Relator, adotando parecer da Subprocuradoria-Geral da República:

"Desta forma, verifica-se que no caso do porte ilegal de arma ocorrido nos autos, este constitui-se em antefacto não punível, uma vez que o porte ilegal de arma constituiu-se como uma conduta menos grave que precedeu ao crime de tentativa de homicídio (a qual é a conduta mais grave) como meio necessário para a realização deste."

Assim reconhecendo, entendeu-se, naquela oportunidade, que a não inclusão do crime de porte ilegal de arma na pronúncia não significava negativa de vigência à norma do art. 10 da Lei 9.437/97, uma vez que absorvida pela conduta mais grave, no caso, a tentativa de homicídio.

No caso presente, entende-se que a admissão da existência da consunção entre os delitos (absorção do porte ilegal de arma pelo homicídio) faz desnecessário submeter o crime absorvido a novo julgamento perante o tribunal do Júri."

Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem para impedir o novo julgamento do júri somente quanto ao crime de porte ilegal de arma.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Félix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.