?APELAÇÃO CRIMINAL

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N.º 1997.41.00.002914-2/RO

Rel.: Des. Federal Hilton Queiroz

EMENTA

1. Tendo sido reconhecido na sentença o concurso formal, a pena de cada um dos crimes concorrentes deverá ser fixada pelo juiz, que, somente após esta fixação, aplicará o aumento previsto no artigo 70 do Código Penal.

2. Apelo provido para anular a sentença.

3. Encaminhamento dos autos à origem.?

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(TRF da 1.ª Região, julgado em 27/10/2004)

O Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, neste acórdão relatado pelo desembargador federal Hilton Queiroz, decidiu que, em hipóteses de concurso formal, o juiz deve aplicar uma pena determinada para cada crime concorrente e somente após proceder o aumento previsto no art. 70 do Código Penal.

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Consta do voto do relator:

O exmo. sr. desembargador federal Hilton Queiroz (relator):

Ao decidir a respeito da dosimetria da pena do acusado, o ilustre juiz de primeira instância assim entendeu:

?Passo à dosimetria da pena do acusado, inicialmente à luz das circunstâncias judiciais (art. 59, do Código Penal):

Mister salientar que, em observância à norma insculpida no artigo 70, caput, do Código Penal, farei a dosimetria da pena descrita no artigo 334, caput, do Código Penal por ser a mais grave.

Atento à culpabilidade do agente, a qual apresenta-se reprovável; aos bons antecedentes, conduta social e personalidade sem registro desfavoráveis; dos motivos injustificáveis para o crime; às circunstâncias e conseqüências de moderada gravidade, fixo a pena-base, no mínimo legal, em 01 (um) ano de reclusão.

Presente a atenuante de confissão espontânea, reduzo a pena privativa de liberdade em 2 (dois) meses, do que resulta a pena-base em 10 (dez) meses de reclusão.

Considerado o concurso formal entre os crimes previstos nos artigos 253 a 334, caput, ambos do Código Penal, aumento a pena-base na sua metade (um meio), fixando-a em definitivo em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão.

Cumprirá a pena em regime aberto (art. 33, § 2.º, alínea c, do Código Penal).

Observo que a situação sociojurídica do réu mostra-se indicativa de que a substituição da pena apresenta-se suficiente e harmonizada com os interesses da sociedade, eis que sua personalidade não se mostra incompatível com a vida em comunidade; máxime porque o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, tenho por presentes os requisitos previstos no art. 44, § 2.º, do Código Penal, com a novel redação que lhe deu a Lei n.º 9.714, de 25 de novembro de 1998, e assim, substituo a pena privativa de liberdade pela de prestação de serviço à comunidade pelo prazo de 01 (um) ano e 03 (três) meses, fazendo-o aos sábados, domingos e feriados, durante 8 (oito) horas semanais, em entidades públicas ou à comunidade a ser previamente selecionada pelo juízo da execução.

Ante o regime aberto estabelecido, verifico não ser pertinente aplicar o disposto do art. 594, do CPP, podendo, destarte, apelar em liberdade (STJ. Resp 15608/SP, rel. Min. Edson Vidigal, DJU 12/12/94, p. 34356).

Após o trânsito em julgado, lance-se seu nome no Rol de Culpados. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Comuniquem-se?(fls. 227/228).

O apelante suscita a anulação da sentença, sob o argumento de que o julgador, ao reconhecer o concurso formal de crimes, deveria proceder, a fixação da pena de cada crime concorrente, viabilizando, assim a verificação da ocorrência de prescrição em relação a cada um dos delitos.

A irresignação do apelante procede.

O artigo 119 do Código Penal assim prevê:

?Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.?

Na hipótese em análise, o juiz não individualizou a pena, com relação ao crime previsto no artigo 253 do Código Penal.

Ao apresentar as contra-razões, o próprio Ministério Público Federal, reconhecendo a falha na aplicação da pena. Assim ponderou:

?Efetivamente, ao reconhecer o concurso formal de crimes, deveria ter sido aplicada a pena com relação a cada crime de forma isolada, como se não houvesse o concurso e somente após, aplicado o aumento previsto no artigo 70 em relação à pena mais grave.

Esse tem sido o entendimento mais consentâneo da doutrina, senão vejamos:

?No concurso formal heterogêneo, o resultado final da operação deve ser reduzido, quando superior à soma das penas dos crimes praticados, para esse limite. É o que se deve denominar cúmulo material benéfico em concurso formal, devendo o juiz individualizar a pena de cada um dos delitos para, depois, fazer incidir as regras do concurso formal se forem mais favoráveis do que o cúmulo material??.

(Júlio Fabbrini Mirabete -Código Penal Interpretado – Atlas 2000).

?O aumento de pena pelo cúmulo jurídico, no concurso de penas (concurso formal, crime continuado, aberratio ictus com duplicidade de resultado), deve operar-se depois de fixada a pena para cada crime concorrente, como se não houvesse concurso. Somente depois desse cálculo múltiplo é que se pode saber qual a pena única em concreto a ser aumentada?. (Nelson Hungria – citado na obra Aplicação da pena, de Gilberto Ferreira, Forense 1997).

?No concurso formal é necessário realizar juízos da culpabilidade, distintos em relação a cada uma das infrações penais, e, em muitos casos concretos, é exatamente a variação da culpabilidade que possibilitará identificar a infração mais grave.? (Ney Moura Teles Direito Penal II – Atlas 1998).

Como já transcrito nas razões do apelante, trata-e de entendimento esposado também por Ada Pelegrini Grinover e outros autores, tendo inclusive, nesse sentido, manifestação jurisprudencial, reconhecendo a necessidade de fixação da pena de cada crime.

?Nas hipóteses de concurso formal, crime continuado ou aberratio ictus, sob pena de anulação do decisório, o respectivo aumento deve operar-se depois de fixado o quantum da pena reservada a cada crime concorrente, tal como se não houvesse o concurso. Permite-se, assim, verificar se a pena, acrescida pelo crime continuado ou concurso formal, não excede a soma das penas dos crimes-membros, bem como se para este eventualmente incindível a prescrição (Código Penal, artigo 119)? (JTJ 161/284-5). No mesmo sentido, TJSP: RT 616/290).

Como visto, nos termos do artigo 119 do Código Penal, em que no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, somente a sua aplicação de forma individuada poderá dar ensejo à apreciação da ocorrência da prescrição. A Súmula 497 do STF aplica-se ao concurso formal e assim dispõe: ?Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação??, e é nesse sentido que a doutrina firma seu entendimento, conforme extraímos das lições de Mirabete ao interpretar o artigo retrocitado sobre a prescrição no concurso de crimes.

?Diante do disposto no artigo, no caso de concurso de crimes, e extinção da punibilidade, inclusive quanto à prescrição da pretensão punitiva com base na pena em abstrato, incide sobre a pena de cada um, isoladamente. Assim, no concurso não há que se fazer o cálculo sobre a soma das penas aplicáveis, mas com base em cada crime, isoladamente. O mesmo deve ser dito com relação ao concurso formal e ao crime continuado, devendo-se calcular o prazo da prescrição de cada delito??.

Aplicando-se a mesma regra, no caso de se tratar de prescrição da pretensão punitiva calculada de acordo com a pena aplicada, da qual não recorreu a acusação ou depois de improvido seu recurso, no caso de concurso material, calcula-se o prazo de cada crime concorrente. No caso de concurso formal e de crime continuado, segundo se tem decidido, o cálculo deve ser efetuado sobre a pena fixada originalmente, desprezando-se o acréscimo do concurso ideal e da continuidade delitiva??.

Na verdade, o magistrado, ao sentenciar nessas hipóteses, deveria fixar a pena para cada um dos crimes componentes e, posteriormente, verificar qual a pena mais grave, promovendo o acréscimo devido. Assim deveria fazê-lo para os fins dos arts. 70, parágrafo único, 71, parágrafo único, última parte, e 199, todos do Código Penal. De outra forma, torna-se impossível o reconhecimento da prescrição dos crimes menos graves, que ensejam o aumento de pena nos limites legais.??

Destarte, como exautivamente afirmado anteriormente, o critério adotado pelo julgado a quo tornou-se prejudicial ao réu, posto que se tornou impossível a verificação de possível prescrição do delito tipificado no artigo 253, ensejador do aumento pelo concurso formal, tornando, por conseguinte, a sentença eivada de vício e passível de anulação? (fls. 254/257).

Ante o exposto, dou provimento ao apelo para, anulada a sentença, determinar que outra seja proferida, corrigindo-se a dosimetria de acordo com o que ora decidido, retornando os autos, para tal feito, à Vara de origem.

É o voto.

Decisão unânime da 4.ª Turma do TRF da 1.ª Região.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.