RECURSO ESPECIAL N.º 493.149 – AC

REL.: MIN. GILSON DIPP

EMENTA – I – Não obstante o Código Penal prever como forma de extinção da punibilidade, nos crimes contra os costumes, o casamento civil da vítima com terceiro, deve-se admitir, para o mesmo efeito, a figura jurídica da união estável. (Precedentes do STF e desta Corte).

II – Hipótese em que a vítima do crime de estupro, cometido mediante violência presumida, casou-se com o réu somente no âmbito religioso, restando configurada a união estável e, portanto, extinta a punibilidade.

III – Recurso desprovido.

(STJ/DJU de 22/09/2003)

Dispõe o art. 107, inciso VIII, do Código Penal:

Art. 107. Extingue-se a punibilidade:

VIII – pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração.

Não obstante os dizeres da lei, a jurisprudência das instâncias extraordinárias têm conferido o mesmo efeito do casamento à união estável da vítima com terceiro, conforme se vê desta decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Gilson Dipp com o seguinte voto condutor:

Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Acre, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado, que deu provimento ao recurso defensivo, julgando extinta a punibilidade do réu, anteriormente condenado por delito de estupro.

Consta dos autos que o recorrido foi denunciado como incurso nas penas do art. 213, c/c o art. 224, “a”, do Código Penal, porque manteve relações sexuais com uma menor de 13 anos de idade.

Finda a instrução, sobreveio sentença que condenou o réu a 6 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado.

Alegando extinta a punibilidade por se encontrar casado religiosamente com a vítima, o réu interpôs recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça do Acre, que, verificando a ausência de violência real ou grave ameaça, deu provimento ao apelo, sob o entendimento de que a união estável pode ser considerada causa extintiva da punibilidade prevista no art. 107, VIII, do Código Penal.

No presente recurso especial, o Ministério Público do Estado do Acre sustenta que o acórdão recorrido, ao equiparar o casamento civil ao concubinato para efeito de extinção da punibilidade, violou o art. 107, VIII, do Código Penal, bem como divergiu da jurisprudência de outros tribunais.

Conheço do recurso porque satisfeitos os re-quisitos de admissibilidade, não merecendo prosperar a irresignação.

O artigo 107, VIII, do Código Penal prevê a extinção da punibilidade pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI do Código Penal, desde que cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito penal ou da ação penal até 60 dias da data da celebração.

Não obstante o supracitado dispositivo prever como forma de extinção da punibilidade, o casamento da vítima com terceiro, deve-se admitir, para o mesmo efeito, a figura jurídica da união estável.

O Colendo Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n.º 79.788-1/MG, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 17/8/2001, reconhecendo extinta a punibilidade do réu na hipótese em que a vítima do crime estupro passou a viver em concubinato com terceiro.

Registro, a propósito, o seguinte julgado desta Corte, seguindo a mesma orientação, verbis:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. HABEAS-CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MENORIDADE DO RÉU À ÉPOCA DO FATO. VÍTIMA NÃO MAIOR DE 14 ANOS. CONCUBINATO.

– A dúvida sobre a questão da maioridade do paciente na época do fato deve ser interpretada pelo princípio in dubio pro reo, impondo-se dessa forma o trancamento da ação penal.

– O Colendo Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de ser possível por analogia, no caso do agente, malgrado haver praticado conjunção carnal com pessoa menor de catorze anos, formando com ela vida em comum, como causa extintiva da punibilidade (RHC n.º 79788/MG, Rel. Min. Nelson Jobim).

– Habeas-corpus concedido.” (HC 17.299/RJ, DJ de 1/4/2002, Relator Min. Vicente Leal).

Nestas condições, o acórdão recorrido mantém-se por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

Cível. Promessa de compra e venda. Devolução parcial dos valores pagos a título de preço. Compensação pelo uso do imóvel.

RECURSO ESPECIAL N.º 416.338 – RJ

REL. MIN. ARI PARGENDLER

EMENTA

CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. Devolução parcial do preço. Compensação pelo uso do imóvel. A inadimplência do promitente comprador não justifica a perda dos valores pagos a título de preço, ainda que prevista contratualmente, mas o promitente vendedor tem direito à indenização do que poderia auferir a título de locação, no período em que o imóvel esteve ocupado por aquele. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ/DJU de 2/6/03, pág. 296)

A terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Ari Pargendler decidiu que, na hipótese de inadimplência de promitente comprador, deve ocorrer a devolução parcial do preço pago. Porém, o promitente vendedor tem direito a indenização pelo que poderia receber com o aluguel do imóvel.

Consta do voto do Relator:

Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator):

Os autos dão conta de que, em 31 de agosto de 1994, as autoras prometeram vender à ré um apartamento, em construção, pelo preço de R$ 147.000,00 (cento e quarenta e sete mil reais), a ser pago parceladamente (fl. 34). Quando, concluída a construção, já imitida na posse do imóvel, a ré se revelou inadimplente e foi constituída em mora. À míngua da respectiva purgação, as autoras lhe propuseram ação ordinária, pedindo a rescisão do compromisso de compra e venda, a reintegração de posse e a aplicação da cláusula penal ajustada “ou, na pior das hipóteses, a fixação de um percentual da perda do total que foi pago, levando-se em consideração para este arbitramento o fato de que a ré vem exercendo a posse do imóvel desde 5 de julho de 1996, condicionando o depósito deste valor à desocupação do imóvel” (fl. 10). A cláusula penal previa a devolução, em seis parcelas iguais, mensais e sucessivas, de 30% (trinta por cento) do que fora pago, atualizado monetariamente, sem juros (fl. 39).

Processada a ação, a MM. Juíza de Direito, reconhecendo a inadimplência, julgou procedente o pedido de rescisão do contrato, bem assim o de reintegração de posse, a ser consumada tão logo fossem devolvidos à ré, com correção monetária, 70% dos valores pagos à conta do preço (fls. 131/138).

Sobrevieram apelações.

O recurso interposto pelas autoras pleiteou a reforma da sentença, seja para a imposição da cláusula penal contratada, seja para “a compensação entre os valores pagos pela promitente compradora com um quantum a ser arbitrado pelo período que esta última vem ocupando o imóvel” (fl. 157).

O Tribunal a quo manteve a desqualificação da cláusula penal e afastou a compensação pretendida, nos seguintes termos:

“… não merece prosperar o critério pretendido pelos apelantes (valor da locação do imóvel pelo tempo utilizado pela apelada), mormente, pela preclusão da prova, com o desfecho da instrução, considerando, também, o impulso de fl. 128.

Vê-se, portanto, que a fixação unilateral do valor da pretendida locação, em fase recursal, revela reiterada prática de abusividade negocial.

Ademais, o pedido inicial foi líquido, ainda que estribado na cogitada cláusula 4.4 e, desta forma, sua transformação em ílíquido afrontaria o parágrafo único do art. 459 do Código de Processo Civil” (fl. 245).

O recurso interposto pela ré foi provido, condenando as autoras a devolver 90% dos valores recebidos a título do preço (fls. 241 e 246/247).

Seguiram-se embargos de declaração opostos pelas autoras, nos quais se lê:

“Verifica-se às fl. 246 que o v. acórdão faz expressa referência ao art. 53 do Código de Defesa do Consumidor para asseverar que “cumpre ao juiz adequar a perda das parcelas pagas a um montante razoável, devendo ser considerado a potencialidade lesiva do inadimplemento” (sic).

Cotejando a asseveração acima transcrita com a norma contida no art. 53 do CDC e a redação da cláusula penal, se faz necessário o esclarecimento do que seria essa ‘potencialidade lesiva do inadimplemento’ (sic) quando a hipótese em exame encerra o evidente prejuízo sofrido pelas autoras de terem sido privadas do uso de bem imóvel por quase cinco anos – até o presente momento – que agora ainda se encontram obrigadas a efetuarem a devolução de 90% dos valores recebidos e corrigidos monetariamente” (fl. 253).

Os embargos de declaração foram sumariamente rejeitados (fl. 289/294), e daí recurso especial interposto pelas autoras, com base no artigo 105, inciso III, letras a e c (a petição referiu a letra b, provavelmente por erro datilográfico) da Constituição Federal, por violação do artigo 459 do Código de Processo Civil, do artigo 53 da Lei nº 8.078, de 1990 e do artigo 924 do Código Civil, e por divergência jurisprudencial (fls. 296/317).

Nesta altura, portanto, já tendo transitado em julgado as partes do acórdão que deram pela procedência dos pedidos de rescisão do contrato e de reintegração de posse no imóvel, resta por decidir qual valor, daquele recebido à conta do preço, deve ser devolvido à ré, bem assim se a respectiva restituição está sujeita à indenização pelo tempo da ocupação do imóvel.

O Superior Tribunal de Justiça tem admitido que a inadimplência do promitente comprador não autoriza a perda total dos valores pagos a título do preço, nem de montante que pareça abusivo. No EREsp n.º 59.870, Rel. Min. Barros Monteiro, a egrégia Segunda Seção considerou razoável a devolução, pelo vendedor, de 75% do que recebeu por conta do preço. Na espécie, o Tribunal a quo mandou restituir mais do que isso, de sorte que o recurso especial está bem fundado.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também valoriza a ocupação do imóvel pelo comprador inadimplente como fato que justifica a indenização do vendedor (REsp nº 73.252, SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; REsp n.º 49.993, SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

O acórdão recorrido, divergindo desses precedentes, afastou a indenização do que as vendedoras poderiam, no período de ocupação do imóvel, auferir a título de locação, seja porque o pedido inicial teria sido ilíquido, seja porque demandaria a realização de prova, já preclusa.

O pedido inicial teve, nesse particular, a seguinte redação:

“d) aplicar as penas convencionadas na cláusula 4.4 da escritura rescindenda, ou, na pior das hipóteses, fixar um percentual da perda do total que foi pago, levando-se em consideração para este arbitramento o fato de que a ré vem exercendo a posse do imóvel desde 5 de julho de 1996, condicionando o depósito deste valor à desocupação do imóvel” (fl. 10).

Evidentemente, trata-se de pedido ilíquido a respeito do qual a prova só seria exigível se não fosse notório, ou não resultasse das regras da experiência, o fato de que um apartamento localizado no bairro do Leblon, na cidade do Rio de Janeiro, tem demanda para os efeitos de locação.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para condenar as rés a devolver à autora 75% dos valores que esta pagou por conta do preço – autorizada a compensação do que a autora poderia auferir a título de aluguel do imóvel desde a respectiva imissão na posse até a efetiva desocupação, a ser apurado em liquidação de sentença por arbitramento – compensadas as custas e os honorários de advogado em razão da sucumbência recíproca.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Carlos Alberto Direito, Nancy Andrighi, Castro Filho e Pádua Ribeiro.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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