Penal. Estelionato previdenciário. Crime permanente. Prescrição. Dies a quo. Suspensão administrativa do benefício. INSS deixa de ser induzido em erro.

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APELAÇÃO CRIMINAL N.º 2004.51.01.514331-7
REL.: DES.ª FEDERAL LILIANE RORIZ
EMENTA

1. O egrégio Superior Tribunal de Justiça considera como termo inicial do prazo prescricional, nos crimes de estelionato previdenciário em que se afere a conduta do beneficiário, a data da cessação do pagamento do benefício, sem esclarecer, no entanto, se esta cessação seria em sede administrativa ou judicial.

2. A ação tipificada no crime de estelionato é a obtenção de vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro (mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento).

3. Com a suspensão do pagamento do benefício indevido, a Autarquia Previdenciária deixou de ser mantida em erro, cessando, com isso, a circunstância de permanência do delito, sendo este, portanto, o termo inicial do prazo prescricional (art. 111, inciso III, do Código Penal).

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4. O fato de o referido benefício ter sido reativado por liminar judicial, concedida em sede de mandado de segurança – possibilitando ao acusado auferir outras parcelas da aposentadoria indevida -, poderia configurar, ao menos em tese, na prática de novo delito de estelionato, onde quem seria induzido a erro não mais seria a autarquia previdenciária, mas o próprio Poder Judiciário.

5. Apelação do réu provida.

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(TRF da 2.ª Região, julgado em 7 de julho de 2009)

Decidiu a Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso do réu para declarar extinta a sua punibilidade, em razão da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do voto da Relatora.

Observou o Tribunal que a ação tipificada no crime de estelionato é a obtenção de vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro (mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento).

Assim, com a suspensão do pagamento do benefício indevido, a Autarquia Previdenciária deixou de ser mantida em erro, cessando, com isso, a circunstância de permanência do delito, sendo este, portanto, o termo inicial do prazo prescricional (art. 111, inciso III, do Código Penal).

Consta do voto da Relatora:

Como relatado, trata-se de apelação contra sentença que julgou procedente o pedido contido na denúncia para condenar o acusado HÉLIO FERREIRA MENDES como incurso nas sanções do art. 171, § 3º, do CP, fixando-lhe a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.

Inicialmente, impõe-se a análise da alegada prescrição.

O egrégio Superior Tribunal de Justiça considera como termo inicial do prazo prescricional, nos crimes de estelionato previdenciário em que se afere a conduta do beneficiário, a data da cessação do pagamento do benefício, sem esclarecer, no entanto, se esta cessação seria em sede administrativa ou judicial, como se afere dos acórdãos a seguir:

“CRIMINAL. RESP. ESTELIONATO CONTRA O INSS. CRIME PERMANENTE. TERMO INICIAL PARA A CONTAGEM DO LAPSO PRESCRICIONAL. CESSAÇÃO DO RECEBIMENTO DAS PRESTAÇÕES INDEVIDAS. PRESCRIÇÃO INCORRETAMENTE DECRETADA EM PRIMEIRO GRAU E CONFIRMADA EM SEGUNDO GRAU. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

O estelionato praticado contra a Previdência Social é crime permanente, iniciando-se a contagem para o prazo prescricional com a supressão do recebimento do benefício indevido e, não, do recebimento da primeira parcela da prestação previdenciária, como entendeu o acórdão recorrido.

Prescrição incorretamente decretada em primeiro grau e confirmada em segundo grau de jurisdição.

Irresignação que merece ser provida, para determinar o prosseguimento do processo instaurado contra os recorridos.

Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do relator”.

(STJ – RESP 644271/PE. Processo: 200400154216. 5.a Turma. DJ Data: 9/2/2005 Página: 216. Rel. GILSON DIPP).

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. CRIME PERMANENTE. O DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO LAPSO PRESCRICIONAL. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. INEXISTÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ESTATAL PELA PRESCRIÇÃO SUPERVENIENTE DECLARADA DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO.

1. O Superior Tribunal de Justiça, em várias oportunidades, tem-se pronunciado acerca da controvérsia sobre o momento da consumação do crime de estelionato contra a Previdência Social, com a prática de fraude para obtenção de benefício previdenciário de forma sucessiva e periódica, reconhecendo a natureza permanente da ação delituosa.

2. Destarte, o dies a quo do prazo prescricional retroativo se dá com a cessação do recebimento do benefício previdenciário (art. 111, inciso III, do CP). Inexistência da prescrição retroativa.

3. Contudo, verifica-se a extinção da punibilidade estatal quanto ao crime imputado aos ora Recorridos pela prescrição da pretensão punitiva superveniente, visto que já transcorrido o lapso prescricional de 8 (oito) anos, contado do último marco interruptivo, a publicação da sentença condenatória.

4. Declaração da extinção da punibilidade pela prescrição intercorrente, julgado prejudicado o recurso”.

(STJ – RESP 347432/SP. Processo: 200100999115. 5.ª Turma. DJ Data: 30/6/2003 Página: 285. Rel. LAURITA VAZ).
“PENAL. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. (ART. 171, § 3º, DO CP). CRIME PERMANENTE. CONTAGEM DO LAPSO PRESCRICIONAL A PARTIR DA CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO RETROATIVA NÃO CONFIGURADA.

A prática da fraude para obtenção de benefício previdenciário de forma sucessiva, com recebimento de prestações periódicas, indica a natureza permanente de ação delituosa, devendo o termo inicial do prazo prescricional retroativo contar-se da cessação da permanência, ou seja, da data da interrupção do recebimento das prestações (art. 111, III, do CP).

Recurso conhecido, mas desprovido”.

(STJ – RESP 463299/GO. Processo: 200201072669. 5.a Turma. DJ Data: 23/06/2003 Página: 419. Rel. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA).
“RHC. ESTELIONATO. PREVIDÊNCIA SOCIAL. PRESTAÇÕES SUCESSIVAS. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE.

O crime de estelionato praticado contra a Previdência Social, com percepção sucessiva de prestações indevidas, é permanente. Desse modo, a contagem do prazo prescricional inicia-se a partir da cessação do recebimento do benefício indevido e não do pagamento da primeira parcela da prestação previdenciária.
Recurso improvido”.
(STJ – RHC 13359/PB. Processo: 200201185679. 6.a Turma. DJ Data: 2/6/2003 Página: 353. Rel. PAULO MEDINA) (grifamos).
A ação tipificada no crime de estelionato, no entanto, é a obtenção de vantagem ilícita (para si ou para outrem), em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro (mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento), conforme se depreende da leitura do art. 171, caput, do Código Penal:

“Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa” (grifos nossos).

Ora, a cessação do pagamento do benefício ocorre na data em que a autarquia previdenciária chega à conclusão de que houve concessão indevida do benefício, após ter verificado que os vínculos empregatícios apresentados pelo segurado eram fictícios.

Assim, tem-se que, com a suspensão do pagamento do benefício indevido, a Autarquia Previdenciária deixou de ser mantida em erro, cessando, com isso, a circunstância de permanência do delito, sendo este, portanto, o termo inicial do prazo prescricional (art. 111, inciso III, do Código Penal).

O fato de o referido benefício ter sido reativado por liminar judicial, concedida em sede de mandado de segurança – possibilitando ao acusado auferir outras parcelas da aposentadoria indevida -, poderia configurar, ao menos em tese, na prática de novo delito de estelionato, onde quem seria induzido a erro não mais seria a autarquia previdenciária, mas o próprio Poder Judiciário.

Como a suspensão do pagamento do benefício ocorreu em 15/11/1998 (fl. 94), sendo a denúncia recebida em 08/05/2007 (fls. 149), houve o decurso do prazo prescricional superior a 8 (oito) anos, sendo necessário o reconhecimento da prescrição, nos termos do art. 109, inciso V, do Código Penal.

Conforme preleciona EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI, in Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 5.a. Edição, pág 716 e 723:

“(…) A chamada prescrição da pretensão punitiva verifica-se antes do trânsito em julgado da sentença final condenatória e acarreta a perda, pelo Estado, da pretensão de obter uma decisão acerca do crime que imputa a alguém. Por tal motivo, não implica responsabilidade ou culpabilidade para o acusado, não reflete nos seus antecedentes e nem marca futura reincidência (…).

(…) Aplicada a pena e não tendo havido recurso da acusação, a pena privativa de liberdade não pode mais ser alterada para prejudicar o sentenciado, tornando-se base para o cálculo da prescrição mesmo que não tenha transitado em julgado para defesa (…).

(…) Conseqüentemente, uma vez individualizada a resposta penal na sentença, e em não havendo recurso da acusação, a partir da data de sua publicação começa a contar o prazo prescricional intercorrente, com cálculo que se faz sobre essa pena concretizada.

Ocorre, pois, a prescrição da pretensão punitiva ou prescrição intercorrente, mesmo quando inexiste trânsito em julgado para a defesa ou de julgamento de eventual recurso interposto pelo réu”.

Extinta, portanto, a punibilidade do réu pelo advento da prescrição da pretensão punitiva, extintos se tornam também, em decorrência desta, os demais efeitos da sentença condenatória, razão pela qual resta prejudicado o exame do mérito do presente recurso.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do réu, para declarar extinta a sua punibilidade em razão da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.

É como voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.