Penal. Estelionato. ?Cola eletrônica?. Atipicidade da conduta.

EMENTA:

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Inquérito 1145 (no qual fiquei vencido), reconheceu que a conduta designada ?cola eletrônica? é penalmente atípica. O que impõe o trancamento, no ponto, da ação penal contra o paciente.

Prosseguimento da ação penal, quanto a acusações de outra natureza.

Ordem parcialmente concedida.

(STF/DJU de 13/04/07)

A denominada ?cola eletrônica?, procedimento pelo qual o agente vende gabaritos do vestibular aos vestibulandos através de transmissão por um aparelho microreceptor eletrônico, considerado pelo Ministério Público como crime de estelionato, constitui conduta atípica, conforme decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do inquérito n.º 1.145, agora reiterado pela decisão da Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Brito:

O Senhor Ministro Carlos Ayres Britto (Relator)

Nos termos da sentença condenatória, o ora paciente seria o líder de quadrilha que, por mais de 18 anos, teria fraudado exames de vestibulares de mais de 32 instituições de Ensino Superior. Fraude que se materializava mediante a venda de gabaritos, transmitidos aos alunos por um ?aparelho microrreceptor eletrônico? (fls. 140).

8. Pois bem, em que pese meu pessoal posicionamento quanto à franca tipicidade da conduta designada por cola eletrônica (posicionamento que defendi no voto proferido no julgamento do Inquérito 1145 e que farei anexar a este acórdão), o fato é que o Plenário deste Supremo Tribunal Federal, no mencionado julgamento do Inquérito 1145, deu pela atipicidade da conduta em causa. Pelo que, em atendimento à orientação majoritária desta Casa, devo conceder em parte a presente ordem, de sorte a trancar a ação penal contra o paciente pelo crime de estelionato.

9. Por outro ângulo de visada, deixo de conhecer da presente ação de habeas corpus, no que toca aos demais fatos imputados a Jorge Nascimento Dutra. É que o Superior Tribunal de Justiça não foi previamente provocado a se manifestar sobre a alegada inexistência dos crimes de extorsão, contra a ordem tributária, de lavagem de dinheiro e de porte ilegal de arma de fogo. Daí que o antecipado conhecimento de tais questões, por essa corte de justiça, implicaria indevida supressão de instância.

10. Explico: a leitura da peça de impetração, dirigida ao STJ (fls. 87/119), e do acórdão proferido pela Corte impetrada (fls. 70/86) demonstra que as alegações agora trazidas, no sentido da inexistência dos demais crimes imputados ao paciente, não foram apresentadas ao órgão tido como coator. Órgão que foi provocado exclusivamente sobre a atipicidade da ?cola eletrônica? e sobre eventual incompetência do Juízo Federal do Acre para processamento da ação penal em relação aos demais delitos (alegação não repetida perante este Supremo Tribunal Federal fls. 117/118). O que impede a atuação per saltum deste Supremo Tribunal Federal, nos termos de reiterada jurisprudência.

11. Acresce que o prosseguimento da ação penal quanto aos demais delitos imputados ao paciente também me impede de conceder a ordem no que se refere ao crime de quadrilha. Explico: muito embora deva ser reconhecida a atipicidade da praticidade da cola eletrônica, os outros fatos narrados na denúncia justificam, em princípio, o prosseguimento do feito também no que atine à formação de quadrilha ou bando.

12. Por esse modo de ver as coisas, o reconhecimento da atipicidade da conduta nomeada ?cola eletrônica? não tem o efeito ? buscado na impetração ? de gerar o trancamento integral da ação penal a que responde o paciente.

13. Neste sentido, a segunda manifestação ministerial pública, da lavra do Subprocurador-Geral da Dr. Cláudio Fonteles, in verbis:

?Ora, tais infrações, se processualmente conexas à apuração do crime de cola eletrônica, dele destacam-se em comportamentos autônomos, tanto assim é que a apenação fixada obedeceu ao parâmetro do concurso material de infrações?.

14. Por tudo quanto posto, conheço em parte do hábeas corpus e, nessa parte, concedo a ordem requestada e determino o trancamento da ação penal contra o paciente, unicamente quanto ao crime de estelionato a ele imputado (Processo n.º 2004.30.00.001204-0 3.ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Acre).

15. O presente voto, se acolhido, deverá ser comunicado ao Juízo Federal de primeira instância e ao E. TRF/1.ª Região.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.