Penal. Embriaguez ao volante (art. 306 daLei n.º 9.503/97). Crime de perigo concreto.

RECURSO ESPECIAL N.º 608.078/RS

Rel.: Min. Felix Fischer

EMENTA

I – O delito de embriaguez ao volante previsto no art. 306 da Lei n.º 9.503/97, por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da demonstração da potencialidade lesiva. In casu, em momento algum restou claro em que consistiu o perigo, razão pela qual impõe-se a absolvição do réu-recorrente (Precedente).

II – A análise de matéria que importa em reexame de prova não pode ser objeto de apelo extremo, em face da vedação contida na Súmula 7 – STJ (Precedente).

Recurso desprovido.

(STJ/DJU de 16/8/04)

O tipo do art. 306 da Lei n.º 9.503/97 (embriaguez ao volante) é crime de perigo concreto e não de perigo abstrato, consoante se vê desta decisão da Quinta Turma do STJ, relator o ministro Félix Fischer como seguinte voto condutor:

O exmo. sr. ministro Felix Fischer: A controvérsia gira em torno da natureza do delito de embriaguez ao volante (art. 306 da Lei n.º 9.503/97). se seria de perigo concreto ou de perigo abstrato.

O tipo enfocado diz: “Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substâncias de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.”

Em primeiro lugar, cumpre anotar que a lei diz “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”, ou seja, para a configuração do crime de embriaguez ao volante não basta que o condutor esteja sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, é necessário que com o seu comportamento exponha a perigo real a incolumidade de outrem. Impõe-se demonstrar que o agente com a sua conduta trouxe perigo concreto a outrem (nesta linha: Heleno Cláudio Fragoso, in Revista de Direito Penal, n.º 13/14, págs. 144/145; Vicento Greco Filho, in “Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, vol. 01, 7.ª ed., RT, págs. 1087 e segts; Ruy Carlos de Barros Monteiro, in ” Crimes de Trânsito”, Ed. Juarez de Oliveira, 1999, págs. 200 e segts; Luiz Flávio Gomes, in “Estudos de Direito Penal e Processual Penal”, RT, p. 35).

Dessa forma, ao contrário dos delitos de perigo abstrato ou presumido, nos crimes de perigo concreto ou real a adequação típica exige a demonstração de perigo. Conclui-se, portanto, que delito de embriaguez ao volante previsto no art. 306 da Lei n.º 9.503/97, por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da evidenciação da potencialidade lesiva. Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB). PERIGO CONCRETO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO DANO POTENCIAL.

A simples transcrição de ementas dos acórdãos paradigmas, sem que se evidencie a similitude das situações, não se presta à demonstração do dissídio jurisprudencial, para fins de conhecimento do recurso.

O crime de embriaguez ao volante, definido no art. 306 do CTB, é de perigo concreto, necessitando, para sua caracterização, da demonstração do dano potencial o que, in casu, segundo a r. sentença e o v.acórdão ora recorrido, não aconteceu.

Recurso não-conhecido.”

(REsp 566867/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 31/05/2004).

“PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CRIME DE PERIGO CONCRETO. DEMONSTRAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA. INOCORRÊNCIA.

O delito de embriaguez ao volante previsto no art. 306 da Lei n.º 9.503/97, por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da demonstração da potencialidade lesiva. In casu, em momento algum restou claro em que consistiu o perigo, razão pela qual impõe-se a absolvição do réu-recorrente.

Recurso provido, absolvendo-se o réu-recorrente.”

(REsp 515526/SP, 5.ª Turma, DJU de 19/12/2003).

In casu, o e. Tribunal a quo adotando como razões de decidir os argumentos trazidos pelo MM. magistrado sentenciante, entendeu que em momento algum restou demonstrado em que consistiu o perigo à incolumidade pública, razão pela qual impõe-se a absolvição do réu-recorrente. Confira-se, aliás, oportunamente, o seguinte excerto do r. decisum condenatório:

“A materialidade encontra-se comprovada através dos exames juntados às fls. 75 e 76, atestando que o réu estava com 20 dg (vinte decigramas de álcool etílico por litro de sangue).

O réu nega a imputação que lhe é feita, relatando que descia a Estrada do Forte para dobrar a direita, na Avenida Brasília e o outro veículo passou-lhe pela direita, acabando por colidir contra o pára-lama do veículo do acusado. O acidente ocorreu num cruzamento e no local tem sinaleira. A sinaleira estava verde para ambos e o denunciado iria dobrar à direita e o outro veículo teria que seguir pela sua esquerda.

O conjunto probatório consiste na versão apresentada pelo acusado, por Eliel Antunes, que pilotava o outro veículo envolvido no acidente e que ajuizou ação cível contra o réu, e por três testemunhas, todos agentes da EPTC, que não presenciaram o acidente.

Por evidente que a versão apresentada por Eliel Antunes é divergente da versão de Juarez Pessi.

Eliel Antunes Carneiro, às fls. 118 a 120, diz que ajuizou ação cível contra o acusado, tendo prestado seu depoimento como informante. Na oportunidade, relata que o réu trancou a sua frente, pois o acusado estava na esquerda para dobrar à direita e o informante seguiria reto. Quando a sinaleira abriu, o acusado entrou e Eliel informa que já estava imprimindo uma velocidade para seguir, cerca de 60 a 65 Km/h. O denunciado não sinalizou. Foi até o Palácio da Polícia, mas as demais pessoas não foram.

As testemunhas inquiridas, Jorge Antônio Silveira da Silva, João Carlos de Souza Ferraz e Jorge Roberto Rasquinha, todos agentes de fiscalização de trânsito, da EPTC, não presenciaram o acidente, chegando após o fato ter ocorrido, pois foram chamados pelo telefone de emergência.

Conforme exposto acima, há nos autos apenas a versão do réu e de Eliel Antunes, envolvido no acidente, pois pilotava o veículo VW Santana, também pela Avenida do Forte. Ambos estavam no cruzamento. Um iria seguir reto e o outro infletir para a direita. O próprio Eliel informa que desenvolvia urna velocidade em torno de 60 a 65 Km/h, pois a sinaleira abriu quando ele estava chegando próximo a ela. No entanto, não há provas dos danos suportados em ambos os veículos, não foi feita constatação de danos nos veículos, nem tampouco levantamento do local ou testemunhas que tenham presenciado a colisão. Nem mesmo as pessoas que estavam com Eliel, em número de três, foram inquiridas. Aliás, Eliel informa que elas nem foram junto quando o réu foi conduzido ao Palácio da Polícia.

Para a caracterização do tipo penal do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, necessária a prova de ter o acusado colocado em risco a incolumidade pública, o que não restou demonstrado nos autos.

Conforme cita Arnaldo Rizzardo, in Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, ed. RT, l998p. 767 e 768: “Sobre o assunto, se está em via pública, e dirigindo normalmente, entende a doutrina que não se tipifica o delito. Nesta linha Damásio E. de Jesus, observando que não há o crime do art. 306, podendo ocorrer infração administrativa se ficar apurada a presença de álcool ou substância análoga em quantidade superior a seis decigramas por litro de sangue”.

Desta forma, não restando provado que o réu tenha colocado em risco a incolumidade pública, pois não demonstrado que tenha agido com culpa no evento, em qualquer de suas modalidades, deve o mesmo ser absolvido, pois, em sede de Direito Penal, a dúvida beneficia o réu.

Diante do exposto, julgo improcedente a ação penal para absolver Juarez Pessi, por inexistirem provas suficientes a uma condenação, com fulcro no artigo 386, VI do Código de Processo Penal” (fls.127/129).

Portanto, da forma como está posta a quaestio nos autos, qualquer decisão contrária ensejaria o vedado reexame do material fático-probatório ex vi da Súmula 07/STJ.

Ante o exposto, voto pelo desprovimento do recurso.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.