Penal e Processual Penal. Sentença condenatória anulada em recurso de defesa. Trânsito em julgado para acusação. Quantidade de pena que pode ser imposta na nova sentença. Prescrição.

HABEAS CORPUS N.º 30.535/PR
Rel.: Min. Félix Fischer

EMENTA

I – A sentença penal condenatória anulada não interrompe a prescrição. (Precedentes do STJ e do STF.)

II – Ressalvadas as situações excepcionais como a referente à soberania do Tribunal do Júri, quanto aos veredictos, em regra a pena estabelecida, e não impugnada pela acusação, não pode ser majorada se a sentença vem a ser anulada. (Precedentes).

III – Tendo sido o paciente condenado a seis anos e oito meses de reclusão, e sendo o intervalo de tempo entre o recebimento da denúncia e a r. sentença superior a doze anos, deve ser declarada, com fundamento no art. 109, III, e 110, § 1º, ambos do Código Penal, a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva.

Ordem concedida.

(STJ/DJU de 9/2/04)

Uma vez anulada a sentença condenatória em recurso de defesa, a penalidade que vier a ser imposta (ressalvada a soberania do júri) na nova sentença a ser proferida não poderá exceder aquela constante da sentença anulada (ne reformatio in pejus, indireta).

Vai daí que a prescrição passa a ser regulada pelo quantitativo da pena constante da sentença anulada, podendo ser decretada desde logo se, entre a última coisa interruptiva de prescrição e a fase atual do processo já houver fluído o prazo prescritivo.

Assim consta do presente acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Felix Fischer:

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Cuida-se de writ impetrado em benefício de Alceu de Jesus Pinheiro da Silva, atacando v. acórdão prolatado pela c. Terceira Câmara Criminal do e. Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, que negou provimento à apelação criminal n.º 177.387-3.

A súplica merece ser acolhida.

Na presente impetração, adoto como razões de decidir a bem lançada manifestação do douto Subprocurador-Geral da República, Dr. Alcides Martins, verbis:
“(…)

8. Assiste razão ao impetrante.

9. Alega a defesa, no bojo do remédio heróico, que o paciente vem sofrendo constrangimento ilegal pelo fato de não ter sido declarada a prescrição do direito de punir do Estado, uma vez que não pode ser considerada uma decisão anulada como causa de interrupção da prescrição.

10. Pois bem. É forçoso convir que a tese esposada tem fundamento, posto que sendo a sentença condenatória anulada é como se não existisse nenhum ato por parte do Poder Judiciário, haja vista que a referida decisão estava eivada de um vício formal que gerou a anulação do julgado.

11. Portanto, mesmo que a sentença tenha validade para os demais réus, não há que se falar em interrupção da prescrição punitiva para o ora paciente, posto que para ele o ato foi nulo, ou seja, é como se não existisse no mundo jurídico, não tendo, destarte, força para interromper o prazo prescricional.

12. Ademais, não poderia a parte ser prejudicada em função de erro cometido pelo ente estatal, que tinha o dever de punir. Se a anulação ocorreu é por que existiram motivos que macularam a decisão de primeira instância.

13. Nesse passo, imperioso trazer à colação entendimentos dos mais abalizados doutrinadores do Direito Penal, vejamos:

– Damásio E. de Jesus, na sua obra “Prescrição Penal”, assevera que “Anulada a sentença condenatória perde o efeito interruptivo. Nesse sentido: STJ, RHC 6.488, 6.ª Turma, j. 11/12/1997, DJU, 23 mar. 1998, p. 169.”

– Julio Fabrini Mirabete, in ©Manual de Direito Penal, Vol. 1ª, aduz que “A sentença anulada, por não produzir efeitos, não interrompe a prescrição.ª citando, ainda, em notas de rodapé os seguintes julgados que no sentido de sua tese: RTJ 467/446, 474/305, 479/379, 491/294, 537/364; RJTJESP 42/346, JTACrSP 27//398; RTJ 61/336, 59/794.
– Cezar Roberto Bitencourt, em sua “Tratado de direito Penal Ä Parte geral, Vol. 1, 8.ª edição. 2003. Editora Saraiva”, na mesma linha dos demais mestres afirma que “a Sentença anulada, a exemplo de outros marcos interruptivos, por não gerarem efeitos, não interrompem a prescrição, pois é como se não existissem.”

14. Corroborando com o fundamento até aqui exposto, trazemos a lúmem julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que assevera que sentença anulada não tem o condão de interromper o prazo prescricional, senão vejamos:

Ementa: “RECURSO ESPECIAL. PENAL. CONDENAÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA ANULADA. PRESCRIÇÃO. NON REFORMATIO IN PEJUS.

1. Com base no princípio da non reformatio in pejus, a pena concretizada na sentença condenatória que é anulada, por recurso exclusivo da defesa, deve ser considerada para a contagem do prazo prescricional. Precedentes do STJ e do STF.

2. A sentença condenatória anulada não interrompe a prescrição.

3. Declarada a extinção da punibilidade estatal pela prescrição da pretensão punitiva superveniente e julgado o recurso especial prejudicado.ª(Superior Tribunal de Justiça. 5.ª Turma.

RESP 304467/DE; Recurso Especial 2001/0019905-4. Mm. Laurita Vaz. Data da decisão: 13/05/2003. DJ de 16/6/2003, pág. 367).

Ementa: “PENAL. DENÚNCIA. NULIDADE. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO.

– A DENÚNCIA ANULADA NÃO SERVE COMO CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO PRESCRICIONAL. A RATIFICAÇÃO DOS SEUS TERMOS AQUI VALE A UMA NOVA DENÚNCIA, E, DO SEU RECEBIMENTO, COMEÇA FLUIR O CURSO DAQUELE PRAZO.

– SENTENÇA DECLARADA NULA NÃO SE PRESTA, TAMBÉM, PARA INTERROMPER A PRESCRIÇÃO.

– ‘HABEAS CORPUS’ DENEGADO.”

(Superior Tribunal de Justiça. 2.ª Turma. RHC 6488/GO; Recurso Ordinário em Habeas Corpus 1997/0034905-5. Min. William Patterson. Data da decisão: 11/12/1997. DJ de 23/03/1998, pág. 169).

15. O Excelso Supremo Tribunal Federal, comunga do mesmo entendimento, verbis:

EMENTA: – Direito Penal e Processual Penal. Prescricao. Júri. Sentenças anuladas. Não interrupção do prazo prescricional. Interrupção pelo acórdão que confirma a pronuncia (art. 117, III, do C. Penal) e pela sentença condenatória valida (art. 117, IV). Prescrição pela pena “in concreto” (artigos 109, V, e 110, par. 1., do C. Penal).

1. As sentenças condenatórias anuladas não produzem efeito interruptivo da prescrição.

2. Interrompem a prescrição a pronuncia e o acórdão que a confirma (art. 117, II e III, do C. Penal). Assim, também, a sentença condenatória valida (art. 117, IV).

3. Reduzida a pena, pelo acórdão impugnado, em apelação interposta apenas pelo réu, a dois anos de detenção, e de se reconhecer a extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva, se, entre a data do acórdão confirmatório da pronuncia e a única sentença condenatória valida, decorreram mais de quatro anos (artigos 109, V, e 110, par. 1., do C. Penal). 4. ©Habeas Corpusª deferido para esse fim.”
(Supremo Tribunal Federal. 1.ª Turma. HC 71630/PB. Min. Sydney Sanches. Data da decisão: 25/10/1994. DJ de 16/12/1994, pág. 34888).

16. Ultrapassada a questão da interrupção da prescrição por sentença anulada, restando clara a impossibilidade, cumpre agora tecer algumas consideração a respeito da possibilidade dessa mesma sentença anulada abalizar a próxima decisão.

17. Embora não tenha o condão de interromper o prazo prescricional, a sentença anulada, porém, em tese, transitada em julgada para condenação, tem força para vincular a futura condenação ao limite estipulado na decisão anulada, uma vez que o nosso ordenamento jurídico não admite a reformation in pejus.

18. In casu, a decisão anulada tinha condenado o ora paciente a 7 anos de reclusão, sendo este o montante máximo que ele poderia ser apenado em uma futura condenação, como de fato ocorreu, no julgado válido, ocorrido em 20 de dezembro de 2000, ao paciente foi atribuída a pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

19. Porém, o que está em causa é se o prazo prescricional, entre a denúncia e a sentença condenatória válida, deve ser contado pelo máximo da pena cominada ao crime ou pelo valor máximo que poderia ser aplicado, que no presente feito é de 7 (sete) anos.

20. O art. 109, do Código Penal, traz os prazos de prescrição para antes do trânsito em julgado da sentença, portanto se considerarmos a primeira opção supracitada (máximo da pena cominada ao crime) a prescrição ocorrerá em 20 anos, a contar da data da denúncia, contudo, adotando a segunda tese chegaremos a um prazo prescricional de 12 (doze) anos.

21. Em que pese a douta decisão do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, acostada às fls. 13/20, aduzindo que a prescrição no presente feito deve regular-se pelo máximo da pena a ele cominada, sendo o lapso prescricional de 20 anos, este signatário entende de forma diversa consoante as razões a seguir aduzidas.

22. Data máxima vênia, melhor sorte não assiste à decisão do Egrégio Tribunal, posto que consoante entendimento predominante, tanto da Jurisprudência quanto da doutrina, a nova sentença não poderá impor ao réu pena maior do que aquela aplicada na decisão anulada, haja vista que nosso ordenamento jurídico veda a reformatio in pejus, passando a pena máxima em abstrato, referida pelo art. 109, do CP, ser definitivamente delimitada em seu ponto máximo.

23. O Douto Mestre Damásio E. de Jesus, sobre o tema deixa claro que “a nova sentença não poderá aplicar pena mais grave que a imposta na anterior, uma vez proibida a reformatio in pejus indireta, a prescrição da pretensão punitiva, em seus períodos entre a consumação do crime e o recebimento da denúncia ou entre esta data e a publicação da nova sentença, deve ser regulada pelo quantum da primeira pena (da sentença anulada). Este é agora o máximo que poderá ser imposto. Lógico, então, que se aplique àqueles períodos prescricionais. Por isso, ela pode ser desde logo declarada no próprio acórdão que anulou a sentença.” (grifos nossos).

24. Nesse diapasão, imperioso citar o professor Celso Delmanto, in Código penal comentado, “Se a condenação, transitada em julgado para a acusação, vem a ser anulada, a pedido do acusado, por vício formal, há esta conseqüência: quando for renovado o processo, a nova sentença não poderá impor ao réu pena maior do que aquela que fora antes aplicada pela decisão anulada. É, alias, a regra que veda a reforma indireta para pior (reformatio in pejus), prevista no parágrafo único do art. 626, do CPP. Por isso, entende-se que, em tais casos, a pena máxima em abstrato, referida pelo art. 109, do CP, ficou definitivamente delimitada em seu ponto máximo. Assim, se já houver decorrido o prazo legal em que aquela pena prescreveria, pode-se reconhecer, desde logo e sem necessidade de renovação do processo anulado, a prescrição da pretensão punitiva (‘da ação).”

25. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se posicionar a respeito do tema, notadamente no Voto de Eminente Ministro Félix Fischer, exarado no HC n.º 9.871/SP, relator do presente feito, firmando o seu entendimento no sentido de que se a sentença foi anulada em sede de apelação criminal, não pode a nova decisão agravar a pena do réu, senão vejamos:

“A questão é bem polêmica (como se vê in “Recurso no Processo Penal”, de Ada P. Grinover, A. Magalhães Gomes Filho e A. Scarance Fernandes, RT, 1996, ps 46/48). Na doutrina existe oposição ao reconhecimento da vedação da reformatio in peius indireta (v.g., E. Espínola Filho, M. Noronha, Florêncio de Abreu e A. Pellegrini Grinover). Na jurisprudência, já predominou esta posição STJ: RHC 2.924-2/PE. Resp 727/RJ, RHC 96/SP; STF: RT 179/998 E RF 486). Todavia, como desdobramento lógico do disposto nos arts. 617 e 626, parágrafo único do CP, e com supedâneo no prncípío da economia processual, é forte, hoje, a corrente que adota a vedação da reformatio in peius indireta (STF: HC 65.224/RS, HC 67.630/SP, RTJ 60/348, 88/1018, 95/1018), conforme é sustentado por J. F. Mirabete (in ©Processo Penalª, 1977, 7.ª ed., ps. 647/648).

Ressalvadas as situações excepcionais como a referente à soberania do Tribunal do Júri, quando aos vereditos, em regra, a pena estabelecida, e não impugnada pela acusação, não pode ser majorada se a sentença vem a ser anulada em habeas corpus impetrado em favor do réu.

Neste sentido já decidiu esta Corte quando do julgamento do Eresp n.º 37.786/SP (DJ 4/8/97), de minha relatoria.”
26. E mais:

Ementa: “Recurso Especial. Direito PenaL Sentença condenatória anulada por incompetência absoluta do juízo. Aplícação do princípio “ne reformatio in pejus”.

Havendo recurso apenas da defesa em face da sentença condenatória, transitada, pois, em julgado para a acusação, é inadmissível que se imponha pena mais grave ao réu, ainda que o decreto condenatório seja anulado por incompetência absoluta do juízo, em observância ao princípio ‘ne reformatio in pejus’.

Não se admite a imposição de efeitos mais gravosos ao réu do que aqueles que subsistiriam, com trânsito em julgado, caso não recorresse. Entender-se o contrário consubstancia violação frontal à proibição da “reformatio in pejus”.

Sendo assim, a pena fixada pela sentença anulada é o parâmetro para a determinação do prazo para o exercício da pretensão punitiva estatal.

Recurso improvido.”

(Superior Tribunal de Justiça. 6.ª Turma. RESP 420905/SP; Recurso Especial 2002/0030812-9. Min. Paulo Medina. Data da decisão: 19/08/2003. DJ de 15/09/2003. P.00412).

Penal e Processual Penal. Sentença condenatória anulada em recurso de defesa. Trânsito em julgado para acusação. Quantidade de pena que pode ser imposta na nova sentença. Prescrição.

Ementa: “HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRESCRIÇÃO. NE REFORMATIO IN PEJUS. ORDEM CONCEDIDA.

1. Anulada a sentença condenatória por força de recurso exclusivo da defesa, a imposição subseqüente de resposta penal mais grave ofende obliquamente o princípio que veda a reformatio in pejus.

2.Ordem concedida.”

(Superior Tribunal de Justiça. 6.ª Turma. HC 9688 / RJ; HABEAS CORPUS 1999/0047611-5. Min. HAMILTON CARVALHIDO. Data da decisão: 10/10/2000. DJ de 18/12/2000, pág. 239).

27. Destarte, no caso em testilha, vislumbramos a prescrição da pretensão punitiva, visto que o ora paciente foi condenado, naquela sentença anulada, a pena de 7 (sete) anos de reclusão, sendo o prazo prescricional de 12 (doze) anos, ex vi art. 109, III, c/c art. 110, § 1.º, ambos do Código Penal e, como a sentença condenatória anulada perde o efeito de interromper a prescrição, o último marco interruptivo foi o recebimento da denúncia, ocorrida em 7 de julho de 1987″ (fls. 46/52).

Diante dessas considerações, concedo a ordem para extinguir, com fundamento nos arts. 109, III, e 110, § 1.º, do Código Penal, a punibilidade do paciente pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.

É o voto.