Penal e Processual penal. Prescrição da pretensão Punitiva. Sentença condenatória anulada em recurso da defesa. Quantitativo de pena da sentença anulada que passa a definir o prazo prescricional.

RECURSO ESPECIALN.º 432.133 – MG

REL.: MIN. PAULO MEDINA

EMENTA – Julga-se prejudicado o mérito do recurso especial, se verificada a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, tomando-se a pena fixada em concreto, mesmo em havendo a anulação da sentença condenatória pelo tribunal de segundo grau de jurisdição, em face do princípio “ne reformatio in pejus”.

Extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, prejudicado o mérito do recurso especial.

(STJ/DJU de 4/8/03, pág. 455)

Ao lado da proibição da “reformatio in pejus direta”, a jurisprudência concebeu, com base no parágrafo único do art. 626 do Código de Processo Penal, referentes à revisão criminal, a vedação da “reformatio in pejus indireta” pela qual se o infrator é condenado a determinada pena e a sentença vem a ser anulada em recurso da defesa (com trânsito em julgado para acusação), na nova decisão que vier a ser proferida a pena não poderá ser superior àquela da sentença anulada.

Trata-se de jurisprudência tranqüila nas instâncias extraordinárias.

Pois bem.

Em razão desse entendimento, por uma questão de lógica e de bom senso, consideram os Tribunais que o quantitativo de pena da sentença anulada, que não pode ser excedido, é que vai determinar o prazo prescrito.

É o que consta da presente decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Paulo Medina com o seguinte voto condutor:

O Exm.º Sr. Ministro Paulo Medina (Relator):

Conheço do recurso, porque presentes os requisitos genéricos e específicos de admissibilidade.

Suscito, de ofício, a preliminar de extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva.

A sentença condenatória fora proferida em 10 de Novembro de 2000, não havendo recurso da acusação, sendo anulado o processo pelo Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, desde o oferecimento da denúncia, para que o Ministério Público se manifeste sobre a aplicação do art. 89 da Lei n.º 9099/95, fundamentando a sua posição.

Verifica-se a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, considerando-se o limite imposto na sentença penal anulada, em face do princípio “ne reformatio in pejus”, a saber, pena de 6 (seis) meses de detenção.

Nesse sentido:

Ementa: HABEAS CORPUS. ROUBO CONTRA EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA RATIONE PERSONAE. NULIDADE ABSOLUTA. NE REFORMATIO IN PEJUS. PRESCRIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Compete à Justiça Federal o processo e julgamento dos crimes cometidos em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de qualquer de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, na qual se inclui, por induvidoso, a Caixa Econômica Federal.

2. A violação da competência ratione personae dá ensejo à nulidade absoluta do feito.

3. Em não se podendo ultrapassar o limite imposto na sentença penal anulada, em face do princípio ne reformatio in pejus, é de se declarar a prescrição da pretensão punitiva quando satisfeito o lapso temporal extintivo.

4. Ordem concedida para declarar a nulidade do processo, desde a denúncia, e a conseqüente prescrição da pretensão punitiva.

STJ – HC 23352/SP – DJ: 10/02/2003 – p. 236 – Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO

Ementa: HABEAS CORPUS. REFORMATIO IN PEJUS. PRESCRICAO.

I. ANULADA A SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE TRANSITARA EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO, NÃO SE PODE IMPOR AO RÉU, EM NOVA SENTENÇA, PENA MAIS GRAVE QUE A ANTERIOR. JURISPRUDÊNCIA DO STF.

II. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO, A VISTA DO APENAMENTO MÁXIMO QUE, EM TAIS CIRCUNSTÂNCIAS, O PACIENTE PODERIA SOFRER.

STF – RHC 62669/RJ – Relator Min. FRANCISCO REZEK – DJ: 24/05/85 – p. 7979

Segundo o art. 109, VI, do Código Penal, o prazo prescricional para a pena de 6 (seis) meses é de 2 (dois) anos, já exaurido.

Anulada a denúncia, que havia interrompido a prescrição, inicia-se o prazo prescricional da data da consumação do crime (CP, art. 111, I), no caso, 23/03/2000, esgotado, portanto, o lapso previsto no art. 109, VI, do Código Penal.

Posto isso, conheço do recurso e, de ofício, declaro extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, restando prejudicado o julgamento do mérito do recurso.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Fontes de Alencar, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti.

Leasing. Variação cambial. Onerosidade excessiva. Distribuição dos efeitos.

RECURSO ESPECIALN.º 432.599/ SP

REL. P/ ACÓRDÃO: MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR

EMENTA – A brusca alteração da política cambial do governo, elevando o valor das prestações mensais dos contratos de longa duração, como o leasing, constitui fato superveniente que deve ser ponderado pelo juiz para modificar o contrato e repartir entre os contratantes os efeitos do fato novo. Com isso, nem se mantém a cláusula da variação cambial em sua inteireza, porque seria muito gravoso ao arrendatário, nem se a substitui por outro índice interno de correção, porque oneraria demasiadamente o arrendador que obteve recurso externo, mas se permite a atualização pela variação cambial, cuja diferença é cobrável do arrendatário por metade.

Não examinados os temas relacionados com a prova de aplicação de recursos oriundos do exterior e com a eventual operação de hedge.

Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.

(STJ/DJU de 1/9/03, pág. 292)

F.N., ajuizou contra ABN AMRO Arrendamento Mercantil S/A, ora recorrente, ação ordinária com o fito de obter a revisão da cláusula do contrato de leasing firmado entre as partes, a qual prevê o reajustamento das prestações pela variação cambial, para que seja aplicada, em seu lugar, a variação do INPC. O pedido foi julgado procedente em ambos os graus de jurisdição, advindo, então, recurso especial, fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em que a empresa arrendadora alega dissídio pretoriano, bem como violação dos arts. 28, § 4.º, da Lei 9.069/95; 6.º da Lei 8.880/94; 115, 135 e 1.080 do Código Civil e 6.º, V, do Código de Defesa do Consumidor.

A recorrente sustenta, em síntese, que a pactuação estaria dentro dos parâmetros legais e que, no caso, não haveria “onerosidade” imposta a uma só das partes, tampouco vantagem excessiva em seu favor, uma vez que os recursos foram captados no exterior, estando, por isso, também sujeita às conseqüências da variação cambial.

Contra-arrazoado o recurso, veio a ser provido, em parte, para distribuir entre as partes os ônus da brusca alteração da política cambial, através da atualização das prestações pela variação cambial, cuja diferença é cobrável do arrendatário por metade.

É o que contém o voto vencedor do Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

Sr. Presidente, conheço parcialmente do recurso e, nessa parte, dou-lhe provimento nos termos do precedente desta Quarta Turma, que entendeu aplicável ao caso a correção cambial, mas que dessa aplicação haveria de se deduzir a metade, em razão da onerosidade excessiva que recaiu sobre os dois contratantes, o banco e o arrendatário.

Reproduzo a fundamentação constante no REsp 401.021/ES:

“Sr. Presidente, a 3.ª Turma tem examinado essas questões – havendo uma certa divergência quanto às soluções encontradas – e proferido diversos julgamentos em sentido diverso desse que V. Exa. está propondo.

Pondero que, naquele momento, havia a garantia oficial de que a taxa de câmbio tinha estabilidade. Em função disso, as pessoas estavam sendo levadas a contratar em dólar. A mudança da política governamental, alterando a taxa, colheu de surpresa o mercado, muito mais o leigo do que propriamente a instituição financeira que atua e tem conhecimento das peculiaridades e dos riscos desse mercado. Daí por que o fato novo, que consistiu na mudança da taxa de câmbio, deve influir na interpretação do contrato, e não me parece justo que as conseqüências caiam por inteiro sobre uma das partes, nem sobre o banco financiador, nem sobre o financiado.

Na doutrina, existe uma teoria que explica situação como essa, a sustentar que, diante de fato novo que atinge a todos – uma força maior proveniente de alteração da política governamental, por exemplo -, deve-se repartir entre os contratantes os ônus dessa incidência, da qual não podem fugir. Por isso, penso que é mais razoável e mais justo, diante da novidade do desequilíbrio da balança e da brusca elevação da taxa cambial, onerando excessivamente a prestação, que se deva repartir meio a meio o custo dessa mudança.

Nesse ponto, estou acompanhando o voto que proferiu na 3.ª Turma o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento nesses termos, data venia” (sessão de 03.12.2002).

“Sr. Presidente, não estou examinando, porque não foi proposto, o tema relacionado com a existência da prova da obtenção dos recursos no exterior. E também não estou examinando a questão de ter sido ou não realizado um contrato de hedge para proteção do banco que trouxe o recurso do exterior, porque, se estivessem presentes essas duas situações, votaria de modo diverso. Gostaria, ainda, de fazer a seguinte ressalva: embora seja inerente ao contrato de leasing com recursos no exterior, que esses recursos tenham vindo do exterior, não é inerente ao contrato de leasing que ele seja feito com recursos externos, ou seja, é possível um contrato de leasing atrelado a qualquer índice, inclusive à variação cambial. Se houver a captação de recurso no exterior, muito bem. Se não houver, a correção deve ser por índice interno. E isso é facilmente comprovável, porque o Banco Central dispõe desses dados.

São estas duas ressalvas que gostaria de fazer: 1) é indispensável a comprovação da aplicação de recursos obtidos no exterior; 2) havendo hedge, nesse caso não seria de se deferir a correção cambial, porque significaria obter o banco, dos dois lados, a mesma vantagem. No mais, mantenho o meu entendimento” (sessão de 17.12.2002).

Decisão por maioria, votando com o Relator os Ministros Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escccola da Magistratura.