Penal e processual penal…

Penal e processual penal. Recurso especial. Furto qualificado. Rompimento de obstáculo. Laudo pericial. Peritos com curso superior. Habilitação técnica. Dispensável. Aplicação analógica da majorante do roubo com concurso de agentes. Impossibilidade.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.009.207 RS

Rel.: Ministro Felix Fischer

EMENTA

I – O art. 159, § 1.º, do CPP exige que o exame pericial, não havendo peritos oficiais, seja realizado por duas pessoas idôneas e portadoras de diploma de curso superior, não sendo obrigatório a habilitação técnica no fato em exame.

II – A qualificadora do § 4.º do art. 155 do CP não se confunde, em seus efeitos, com a majorante do § 2.º do art. 157 do CP (Precedentes).

III – A analogia pressupõe, para o seu uso, uma lacuna involuntária (art. 4.º da LICC).

Recurso provido.
(STJ?DJe de 6/10/08)

Pela sua Quinta Turma, o Superior Tribunal de Justiça à unanimidade de votos, Relator o Ministro Félix Fischer decidiu que a qualificadora do parágrafo 4.º do artigo 155 do Código Penal não se confunde, em seus efeitos, com a majorante do parágrafo 2.º do art. 157 do Código Penal pois, a analogia pressupõe, para o seu uso, uma lacuna involuntária.

Ademais, o exame pericial, não havendo mais peritos oficiais, deve ser realizado por duas pessoas idôneas e portadoras de diploma de curso superior, não sendo obrigatória a habilitação técnica.

Votaram com o Relator os Ministros Arnaldo Esteves de Lima. Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: No presente recurso especial, alega-se, inicialmente, violação ao artigo 155, § 4.º, inciso I, do CP, uma vez que o e. Tribunal a quo não aplicou a qualificadora do rompimento de obstáculo ao delito de furto, sob o argumento que a perícia seria nula porquanto realizada por peritos não qualificados, embora com curso superior. Sustenta-se que os policiais civis que realizaram a perícia são bacharéis em direito e que os atos por eles praticados são dotados de fé pública, razão pela qual não se pode presumir sua inidoneidade. Aduz-se, ainda, que o laudo pericial foi realizado nos termos do art. 159, § 1.º, do CPP, devendo ser reconhecido o rompimento de obstáculo atestado no referido documento.

Ademais, afirma-se infringência ao artigo 155, § 4.º, inciso IV, do CP, a par de divergência jurisprudencial, porquanto ao furto qualificado pelo concurso de agentes não se aplicaria
analogicamente a pena do furto simples em conjunto com a majorante do art. 157, § 2.º, inciso II, do CP.

Inicialmente, verifico que merece reforço o v. acórdão recorrido no ponto que analisou a nulidade da perícia realizada. Com efeito, o § 1.º do art. 159 do CPP exige expressamente que em caso de impossibilidade do laudo ser realizado por peritos oficiais, que o seja por duas pessoas idôneas, que tenha nível superior de ensino, preferencialmente, com habilitação técnica no fato em exame. Eis o texto legal:

“Art. 159. Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois peritos oficiais. (Redação dada pela Lei n.º 8.862, de 28.3.1994) § 1.º Não havendo peritos oficiais, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior , escolhidas, de preferência, entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame. (Redação dada pela Lei n.º 8.862, de 28/3/1994) § 2.º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.” (grifei).

Fernando da Costa Tourinho Filho, in “Código de Processo Penal Comentado”, vol. I, 8.ª ed, Saraiva, 2004, pp. 473/474, assevera que “na falta de peritos oficiais, o Código se contentava, antes da Lei n.º 8.862/94, com a nomeação de duas pessoas idôneas, de preferência com habilitação técnica. Houve alteração. Agora, na ausência de peritos oficiais, cumpre à autoridade nomear duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior , escolhidas, de preferência , as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame.” (grifei).

Eugênio Pacelli de Oliveira, in “Curso de Processo Penal”, 3.ª ed, Del Rey, 2004, p. 418, ressalta que “apenas quando e onde não houver peritos oficiais é que deverá o juiz nomear duas pessoas, portadoras de diploma de curso superior , de idoneidade reconhecida, e com o conhecimento técnico especificado para a matéria, para a elaboração do trabalho (art. 159, § 1.º)” (grifei).

Julio Fabbrini Mirabete, in “Processo Penal”, 10.ª ed, Atlas, 1999, p. 267/268, entende que “Não havendo peritos oficiais, “o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, escolhidas, de preferência , entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame” (art. 159, § 1.º, do CPP, com a redação da Lei n.º 8.862, de 28/3/94). Quando a lei exige a habilitação técnica, requer que os nomeados sejam pessoas aptas, diante de suas profissões, atividades ou experiências, a prestarem as informações e conclusões necessárias à comprovação do fato punível e de suas circunstâncias, na esfera de sua especialidade. Referindo-se a lei à “preferência” para os que têm habilitação técnica, na impede que, na ausência de profissionais legalmente habilitados, sejam nomeadas pessoas sem esse preparo técnico.
Entretanto, só na impossibilidade de serem escolhidos os que tenhas tais habilitações técnicas é que o exame deve ser feito por outras pessoas, obrigatoriamente portadoras de diploma de curso superior. Caso contrário, a perícia padece de nulidade.” (grifei).

In casu, observa-se que o v. acórdão (fl. 205 e verso), apesar de reconhecer que os peritos possuem curso superior, considerou nula a perícia realizada uma vez que, na qualidade de policiais civis, seriam inidôneos à elaboração do laudo pericial.

Cumpre ressaltar que, consoante interpretação literal do disposto no art. 159, § 1.º, do CPP, a qualificação técnica não é requisito obrigatório para os peritos na realização do exame pericial. Na hipótese, o simples fato de os peritos serem policiais civis não os desqualifica à elaboração do laudo pericial, se restaram preenchidos os requisitos legais, quais sejam, idoneidade e curso superior.

Nesse sentido, o seguinte precedente:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 155, CAPUT, DO CP. LAUDO PERICIAL. PERITOS COM CURSO SUPERIOR. HABILITAÇÃO TÉCNICA. DISPENSÁVEL. PENA AQUÉM DO MÍNIMO. ATENUANTES.

I – O art. 159, § 1.º, do CPP exige que o exame pericial, não havendo peritos oficiais, seja realizado por duas pessoas idôneas e portadoras de diploma de curso superior, não sendo obrigatório a habilitação técnica no fato em exame.

II – A pena privativa de liberdade não pode ser fixada abaixo do mínimo legal com supedâneo em meras atenuantes. (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ/Súmula n.º 231 – STJ).

Recurso provido.”

(REsp 890.514/RS, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJU 29/6/2007).

Concernente ao segundo tópico, mais uma vez assiste razão ao recorrente.

É bem de ver que o emprego da analogia in casu, pelo e. Tribunal a quo olvidou acerca do disposto no art. 4.º da LICC (que seria até despiciendo porquanto regra fulcral em sede de teoria geral do direito). Não se pode, juridicamente, por analogia, substituir uma qualificadora por uma majorante, por entender que o sistema deva ser diferente.

Dentro do sistema europeu-continental ou romano-germânico, não encontra respaldo jurídico a transformação do legalmente previsto unicamente com base em considerações de lege ferenda. Muito menos, com recurso à analogia como se esta pudesse revogar expresso texto legal.

A respeito do tema, destaco os seguintes precedentes:

“DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA RELATIVA AO ROUBO AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O Colegiado de origem, ao dar provimento parcial ao apelo defensivo, entendeu que a pena aplicável ao crime de furto qualificado pelo concurso de agentes deve ser a do furto simples acrescida dos percentuais estipulados para o delito de roubo praticado por duas ou mais pessoas.

2. Com efeito, verifica-se que o aresto combatido terminou por malferir o parágrafo 4.º do art. 155, do Código Penal, ao aplicar, por analogia, com base nos princípios da proporcionalidade e isonomia, a causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2.º, inciso II, do Código Penal.

3. Assim, há que ser reconhecida a negativa de vigor do art.

155, § 4.º, inciso IV, do CP, e a conseqüente prolação de julgamento contra legem pelo Colegiado Estadual, por ter aplicado a agravante de concurso de agentes do crime de roubo à espécie.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(AgRg no REsp 923.837/RS, 6.ª Turma, Relª. Minª. Jane Silva, Desembargadora Convocada do TJ/MG, DJU de 5/5/2008).

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 155, § 4.º, INCISOS I E IV, DO CÓDIGO PENAL. TENTATIVA. INOCORRÊNCIA. PENA AQUÉM DO MÍNIMO. INAPLICABILIDADE. SÚMULA 231/STJ. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA MAJORANTE DO ROUBO COM CONCURSO DE AGENTES. IMPOSSIBILIDADE.

I – O delito de furto se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da res subtraída, pouco importando que a posse seja ou não mansa e pacífica.

II – Para que o agente se torne possuidor, é prescindível que a res saia da esfera de vigilância da vítima, bastando que cesse a clandestinidade (Precedentes do STJ e do c. Pretório Excelso).

III – “A jurisprudência do STF (cf. RE 102.490, 17/9/87, Moreira; HC 74.376, 1.ª T., Moreira, DJ 7/3/97; HC 89.653, 1.ª T., 6/3/07, Levandowski, DJ 23/3/07), dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada “esfera de vigilância da vítima” e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da “res furtiva”, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata” (cf. HC 89958/SP, 1.ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 27/04/2007).

IV – A pena privativa de liberdade não pode ser fixada abaixo do mínimo legal com supedâneo em meras atenuantes (Precedentes e Súmula n.º 231 – STJ).

V – A qualificadora do § 4.º do art. 155 do CP não se confunde, em seus efeitos, com a majorante do § 2º do art. 157 do CP.

Recurso especial provido.

(REsp 932.031/RS, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJU de 14/4/2008).

“PENAL. PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE PESSOAS. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA PARA O ROUBO. NÃO ADMISSÍVEL. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231/STJ. RECURSO PROVIDO.

Havendo previsão normativa de qualificação do crime de furto praticado em concurso de pessoas (CP, artigo 155, § 4.º, IV), não se revela possível a aplicação, por analogia, da norma do artigo 157, § 2.º, II, que trata da causa de aumento de pena no crime de roubo praticado em concurso de pessoas.

De acordo com a Súmula n.º 231 do STJ não se tem admitido a redução da pena aquém do mínimo legal em face de circunstância atenuante.

Recurso especial provido.

(REsp 916.977/RS, 6.ª Turma, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, Juiz Convocado do TRF 1.ª Região, DJU de 5/11/2007).

Diante do exposto, dou provimento ao recurso, para determinar que o e. Tribunal a quo proceda a nova dosimetria da pena do recorrido, aplicando a reprimenda do furto qualificado, na forma do art. 155, § 4.º, incisos I e IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.

É o voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.