Penal. Dosimetria da pena. Necessidade de fundamentação concreta e vinculada.

EMENTA

I – A pena deve ser fixada com fundamentação concreta e vinculada, tal como exige o próprio princípio do livre convencimento fundamentado (arts. 157, 381 e 387 do CPP c/c o art. 93, inciso IX, segunda parte da Lex Maxima). Ela não pode ser estabelecida acima do mínimo legal com supedâneo em referências vagas e dados não explicitados (Precedentes do STF e STJ).

II – In casu, verifica-se que a r. decisão de primeiro grau apresenta em sua fundamentação incerteza denotativa ou vagueza, carecendo, na fixação da resposta penal, de fundamentação objetiva imprescindível. Não existem argumentos suficientes a justificar, no caso concreto, a fixação da pena-base em 19 (dezenove) anos de reclusão.

Ordem concedida.

(STJ/DJU de 27/03/06, pág. 308)

A dosagem da pena acima do mínimo legal exige fundamentação concreta e vinculada. Referências vagas e dados não explicitados não constituem fundamentação objetiva imprescindível.

Nesse sentido, a presente decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Félix Fischer, com voto ilustrado por diversos precedentes:

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: A irresignação prospera.

Veja-se que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal sem a devida fundamentação, conforme se constata na análise do r. decisum condenatório, in verbis:

?O acusado é primário, entretanto não possui bons antecedentes sociais, vez que ficou provado nos autos que ele, imputado, fez, inclusive, pacto com o irmão de assassinarem várias pessoas em resposta ao descontentamento com a vida, bem como represália ao assassinato do seu genitor. Ademais, há notícia nos autos, que o imputado é pessoa de alta periculosidade, sendo, dessarte, temido na cidade de Joaquim Nabuco. A motivação do crime foi fútil, o meio foi cruel e o recurso utilizado impossibilitou a defesa da vítima, porém há de ser considerado no caso sub judice que tais fatos, desfavoráveis ao acusado, já mereceu acatamento pelos Senhores Jurados corno circunstâncias qualificadoras, servindo para elevar o patamar da pena mínima, razão pela qual não serão consideradas para exasperar a fixação da pena base.

Isto posto, apreciados os critérios do Art. 59, do Código Penal,

RESOLVO:

1 – Fixar a pena base em 19 (dezenove) anos de reclusão, em relação ao crime descrito no artigo 121, parágrafo segundo, incisos II, III e IV do CPB;

2 – Condenar como de fato condeno, atendendo a decisão emanada do Conselho de Sentença, o acusado Cícero Silva dos Santos, já qualificado inicialmente, à pena de 19 (dezenove) anos de reclusão e, considerado a inexistência de circunstância atenuantes e agravantes, torno-a definitiva, em relação ao crime tipificado no artigo 121, parágrafo segundo, II, III e IV do CPB? (fls. 28/29).

Desse modo, quanto à fixação da pena privativa de liberdade, entendo que houve violação ao art. 59 do Código Penal. É que a pena, para ser fixada acima do mínimo legal, exige fundamentação concreta e vinculada. Considerações genéricas, abstrações ou dados integrantes da própria conduta tipificada não podem supedanear a elevação da reprimenda. O princípio do livre convencimento fundamentado ou da persuasão racional não o permite (art. 157, 381, 387 e 617 do CPP c/c o art. 93, inciso IX, 2.ª parte da Lex Maxima). Assim, a ausência de fundamentação indica error in procedendo.

Por análise dos autos, verifica-se que a r. decisão de primeiro grau apresenta em sua fundamentação incerteza denotativa ou vagueza, carecendo, na fixação da resposta penal, de fundamentação objetiva imprescindível. Não existem argumentos suficientes a justificar, no caso, a fixação da pena-base em 19 (dezenove) anos de reclusão. Data venia, a nulidade é manifesta, absoluta, e deve ser sanada.

É orientação do Pretório Excelso, in verbis:

?HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A SEIS MESES DE RECLUSÃO PELA PRÁTICA DE LESÃO CORPORAL. ALEGAÇÕES DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA QUANTO À MAJORAÇÃO DA PENA-BASE E DE FALTA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE O BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA REPRIMENDA (CP, ART. 77). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

A fixação da pena-base acima de seu mínimo legal deve apoiar-se em elementos concretos, objetivamente demonstrados, que justifiquem a exasperação, não se mostrando suficiente, para tal fim, a simples referência ao texto genérico da lei (CP, art. 59).

Neste panorama e não sendo possível aferir, nem mesmo a partir de uma análise global da motivação, os elementos considerados pelo julgador quando da majoração do castigo, é de se deferir a ordem de habeas corpus, fixando-se a pena em seu mínimo legal, eis que os elementos dos autos autorizam que se tome, desde logo, esta medida.

Penal. Dosimetria da pena. Necessidade de fundamentação concreta e vinculada.

Não tendo ocorrido provocação formal da autoridade coatora, a respeito da concessão do sursis (CP, art. 77), não pode o Supremo Tribunal Federal apreciar a questão, pena de indevida supressão de instância.

Habeas corpus parcialmente deferido.?

(STF, HC 85033/MS, 1.ª Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 27/05/2005).

??Habeas corpus?. Falta de fundamentação para a fixação da pena acima do mínimo. ?Habeas corpus? concedido em parte para que, mantida a conclusão condenatória, voltem os autos da ação penal à primeira instância, a fim de que, fundamentadamente, se fixe a pena a ser aplicada ao paciente.?

(STF – HC 82796/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 13/06/2003).

?Individualização da pena: motivação: inidoneidade. Não se prestam a motivar a exacerbação da pena-base nem circunstâncias elementares do tipo, nem a opinião do Juiz sobre o desvalor em abstrato da figura penal.?

(STF – HC 79949/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 04/08/2000).

?HABEAS CORPUS – RÉU PRIMÁRIO – PENA-BASE ESTIPULADA EM LIMITE SUPERIOR AO MÍNIMO LEGAL -NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO – CONCESSÃO DO SURSIS – PERÍODO DE PROVA FIXADO ACIMA DO MÍNIMO PREVISTO EM LEI -IMPRESCINDIBILIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO DECISÓRIO – PEDIDO DEFERIDO. – Nenhum condenado tem direito público subjetivo à estipulação da pena-base em seu grau mínimo. É lícito ao magistrado sentenciante, desde que o faça em ato decisório adequadamente motivado, proceder a uma especial exacerbação da pena-base. Impõe-se, para esse efeito, que a decisão judicial encontre suporte em elementos fáticos concretizadores das circunstâncias judiciais abstratamente referidas pelo art. 59 do C.P., sob pena de o ato de condenação transformar-se numa inaceitável e arbitrária manifestação de vontade do magistrado aplicador da lei. Precedentes. – Cumpre ao órgão judiciário sentenciante, sempre que fixar o período de prova do sursis acima do mínimo legal, proceder a uma necessária e adequada fundamentação desse ato decisório, sob pena de injusta coação ao status libertatis do condenado (RTJ 135/686). Jurisprudência e doutrina?

(HC 71697/GO, 1.ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 16/08/1996).

E ainda: STF, HC 69419/MS, 1.ª Turma, Rel. Min. Sepulveda Pertence, DJU de 28/08/92, p. 13.455; STF, HC 70250/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 03/09/93, p. 17.744; STF, HC 69141/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 28/08/92, p. 13.453; STF – HC 69334/PE, 1.ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 04/09/92 etc.

Na mesma linha tem decidido esta Corte:

?PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. LEI N.º 8.072/90. DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO.

I – A Lei n.º 8.072/90, em seu art. 2.º, § 1.º, não é inconstitucional. (Plenário do Pretório Excelso).

II – Os crimes hediondos, e os a eles assemelhados, excetuando-se os de tortura, estão sujeitos, em sede de execução da pena privativa de liberdade, ao disposto no art. 2.º § 1.º da Lei n.º 8.072/90, sendo, portanto, vedada a progressão do regime prisional de cumprimento de pena. (Precedentes).

III – A pena deve ser fixada com fundamentação concreta e vinculada, tal como exige o próprio princípio do livre convencimento fundamentado (arts. 157, 381 e 387 do CPP c/c o art. 93, inciso IX, segunda parte da Lex Maxima). Ela não pode ser estabelecida acima do mínimo legal com supedâneo em referências vagas e dados não explicitados (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).

Writ parcialmente concedido, com extensão ex officio ao có-réu.?

(HC 45602/SE, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJU de 14/11/2005).

?CRIMINAL. RHC. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL CONSIDERADAS NEGATIVAMENTE. AUSÊNCIA DE ANÁLISE CONCRETA. RECURSO PROVIDO.

I. Reputa-se ilegal a sentença na parte em que fixa o quantum da pena-base sem apreciação detida das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. II. Não obstante reconhecer-se que há certa discricionariedade na dosimetria da pena, relativamente à exasperação da pena-base, tem-se como indispensável a sua fundamentação, com base em dados concretos e em eventuais circunstâncias desfavoráveis do art. 59 do Código Penal.

III. Deve ser cassado o acórdão atacado, bem como a sentença proferida pela Juíza monocrática, apenas na parte relativa à dosimetria da pena, a fim de que outra seja proferida, com nova e adequada fundamentação no que diz respeito à pena-base e ao regime de cumprimento.

IV. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.?

(RHC 18098/RJ, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17/10/2005).

?PROCESSUAL PENAL. PENAL. HABEAS CORPUS. PENA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DOSIMETRIA. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA. PRISÃO PARA APELAR. PERICULUM LIBERTATIS. MOTIVOS CONCRETOS. INEXISTÊNCIA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

Carece de fundamentação o acréscimo imposto à pena-base quando não efetuado o necessário detalhamento das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal.

A exigência judicial de ser a ré recolhida à prisão para manejar recurso de apelação deve, necessariamente, ser calcada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5.º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado deve apontar os elementos concretos ensejadores da medida.

A manutenção da paciente no cárcere durante todo o trâmite processual não lhe retira o direito de recorrer em liberdade, porquanto tal situação fática não tem o condão de convolar-se em motivo cautelar.

Se a paciente ostenta primariedade e bons antecedentes, e, por outro lado, não havendo indicação judicial a demonstrar o periculum libertatis, apontando a sentença primeva e o acórdão, tão-somente, textos legais impeditivos e a gravidade in abstrato do delito, não há como subsistir o decisum prisional.

Ordem concedida para, conservando-se as condenações nos seus exatos termos, anular a dosagem da pena aplicada ao crime tipificado no artigo 16 da Lei 10.826/03 e revogar a prisão provisória decretada na sentença.?

(HC 40978/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJU de 03/10/2005).

?PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. FIXAÇÃO DA PENA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. NULIDADE CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE DADOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O juiz deve observar a necessidade e adequação da pena para a reprovação do crime, examinando minuciosamente os elementos constantes dos autos para fixá-la de forma justa e fundamentada.

2. A fixação do quantum da pena a partir de uma fundamentação vaga e deficiente nulifica a sentença no tocante à dosimetria da pena.

3. Malgrado a anulação parcial da sentença não afete a validade do édito condenatório, não tornando inócua a interrupção do lapso prescricional, os autos não trazem dados suficientes sobre o início do cumprimento da pena, cabendo, portanto, ao juiz de primeiro grau, observado o novo quantum da reprimenda, examinar eventual ocorrência da prescrição.

4. Ordem parcialmente concedida.?

(HC 39321/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 1/7/2005).

Ante o exposto, concedo a ordem para anular a r. decisão condenatória, unicamente quanto à dosimetria da pena, a fim de que outra seja proferida com nova e motivada fixação da reprimenda, mantida, no mais, a condenação, devendo, ainda, o Juízo de 1.º grau, quando da fixação da nova pena, levar em consideração que em respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, inquéritos e processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes para exacerbação da pena-base (nessa linha, os seguintes precedentes: STF HC 68465/DF, 1.ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 21.02.92, p. 2694; STF HC 72041/RJ, 2.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 08.09.95, p. 28356; HC 25122/SP, 5.ª Turma, DJU de 19/12/2003; REsp 443779/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 09/06/2003; HC 20245/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU de 07/10/2002; REsp 278187/TO, 6.ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 27/08/2001).

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.