“HABEAS CORPUS N.º 21.228 – PI

REL.: MIN. LAURITA VAZ

EMENTA

1. No crime de desacato, para a perfeita subsunção da conduta ao tipo, o que se perquire é se a agressão, ofensiva à honra e/ou dignidade do agente público, foi a ele dirigida em razão da função pública exercida, ou seja, busca-se a motivação, a causa da conduta reprovável, estabelecendo-se o nexo causal.

2. Na hipótese dos autos, não houve desacato ao magistrado em razão da função jurisdicional, tendo sido as ofensas a ele dirigidas em caráter pessoal, decorrentes de sua atitude como passageiro de companhia aérea, inexistindo, portanto, a subsunção da conduta descrita ao tipo insculpido no art. 331 do Código Penal, o que, evidentemente, não autoriza a persecução criminal.

3. Ordem concedida para trancar a ação penal ante a atipicidade da conduta.”

(STJ/DJU de 24/3/03, pág. 247)

No balcão da empresa TAM, determinado juiz federal despachava a sua bagagem e de sua família, e também uma arma de uso pessoal, atendendo as normas da aviação civil. Foi, então, que o cidadão A.L.M.S., que também realizava o seu embarque passou a criticá-lo dizendo que aquele comportamento seria uma “babaquice, uma bobagem, um absurdo”. Advertido pela filha do juiz desta sua condição funcional, continuou o mesmo a dizer que era uma “babaquice”.

Neste fato vislumbrou o Ministério Público crime de desacato, denunciando A.L.M.S. nas sanções do art. 331 do Código Penal.

Impetrado “habeas corpus” para o trancamento da ação penal, o Tribunal Regional denegou a ordem.

Em nova súplica perante o Superior Tribunal de Justiça, a Quinta Turma, relatora a ministra Laurita Vaz, concedeu a ordem, reconhecendo a atipicidade da conduta, por entender que as ofensas eram de caráter pessoal, não guardando nenhuma relação com a honra e a dignidade do agente público.

Consta do voto da relatora:

Exma. sra. ministra Laurita Vaz (relatora):

De início, vale frisar, a teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

Com efeito, impedir o Estado, de antemão, de exercer a função jurisdicional, coibindo-o de sequer realizar o levantamento dos elementos de prova para a verificação da verdade dos fatos, constituiu uma hipótese de extrema excepcionalidade, mormente porque a estreiteza da via do habeas corpus não permite profundas incursões na seara probatória, razão pela qual se exige uma razoável certeza das condições acima excepcionadas para o trancamento da ação penal, com demonstrações inequívocas das alegações erigidas.

Todavia, não se pode admitir que a máquina judiciária seja acionada, envolvendo um cidadão na chamada persecução criminal, acompanhada de todos os inconvenientes dela decorrentes, e sobejamente conhecidos, sem a ocorrência dos elementos indiciários mínimos para a deflagração da ação penal. É o que se conhece por justa causa.

Em casos como o presente, dois valores são postos em confronto: de um lado, o dever-poder do Estado de investigar, processar e julgar aqueles agentes eventualmente envolvidos no cometimento de crimes; de outro, proteger os cidadãos contra o infortúnio e o constrangimento provenientes de eventual persecução criminal instaurada sem fundamento.

Na hipótese em testilha, ao que se me afigura, não se justifica a ação penal, porquanto restou evidenciada a atipicidade da conduta descrita.

Com efeito, para a perfeita subsunção do tipo penal em tela (desacato) à conduta, o que se perquire é se a agressão, ofensiva à honra e/ou dignidade do agente público, foi a ele dirigida em razão da função pública exercida, ou seja, busca-se a motivação, a causa da conduta reprovável, estabelecendo-se o nexo causal, lembrando que o objeto jurídico tutelado é a administração pública, não obstante esta se materializar na pessoa do agente que a representa.

Extrai-se dos presentes autos que os fatos narrados na denúncia sucederam nas dependências do aeroporto local, na fila do chek in para embarque. O paciente, pelo que consta, manifestou-se contra um cidadão que “furava” a fila e exibia uma arma ao despachar seus pertences, sem conhecê-lo ou, muito menos, sua condição de magistrado. Depois de travar-se uma discussão por conta do episódio, acabou a autoridade envolvida desferindo um tapa na cara do ora paciente, provocando o revide e as agressões mútuas subseqüentes. Impelido pelas circunstâncias, verdadeiramente constrangedoras, o digno juiz federal buscou apoio policial para dar voz de prisão ao agressor.

Ora, é evidente que o acontecido, independentemente da possível reprovabilidade da conduta do paciente, foi motivado por razões completamente distantes da função pública exercida pelo magistrado. Mesmo considerando a segunda versão possível para os fatos, oferecida pelo acórdão, qual seja, a de que “no curso da alteração, o paciente tomara ciência da função desempenhada pelo passageiro a quem imputara as expressões tidas como ofensivas”, ainda assim, não se verifica a mudança da relação causa x conseqüência. Vale dizer: a motivação, a causa da agressão, da conduta reprovável não se relaciona com a condição funcional da vítima, inexistindo, portanto, a subsunção da conduta descrita ao tipo penal insculpido no art. 331 do Código Penal. Não houve desacato ao magistrado em razão da função jurisdicional. As ofensas foram a ele dirigidas em caráter pessoal, decorrentes da atitude como passageiro da companhia aérea, o que, evidentemente, não autoriza a persecução criminal.

Ante o exposto, CONCEDO a ordem para determinar o trancamento da ação penal.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini.

Responsabilidade Civil. Plano de Saúde. Erro em tratamento odontológico. Legitimidade passiva da empresa prestadora dos serviços de assistência à saúde. Direito de regresso.

“RECURSO ESPECIAL N.º 328.309-RJ

REL.: MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR

EMENTA: I. A empresa prestadora do plano de assistência à saúde é parte legitimada passivamente para a ação indenizatória movida por filiado em face de erro verificado em tratamento odontológico realizado por dentistas por ela credenciados, ressalvado o direito de regresso contra os profissionais responsáveis pelos danos materiais e morais causados.

II. Inexistência, na espécie, de litisconsórcio passivo necessário.

III. Cerceamento de defesa inocorrente, fundado o acórdão em prova técnica produzida nos autos, tida como satisfatória e esclarecedora, cuja desconstituição, para se considerar necessária a colheita de testemunhos, exige o reexame do quadro fático, com óbice na Súmula n.º 7 do STJ.

IV. Ausência de suficiente prequestionamento em relação a tema suscitado.

V. Recurso especial não-conhecido.”

(STJ/DJU de 17.03.03 , pág. 234)

No presente julgado posto em destaque, decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Aldir Passarinho Júnior, que a empresa prestadora de plano de assistência à saúde responde por erro em tratamento realizado por profissional por ela credenciado, assegurado o direito de regresso.

Consta do voto do Relator:

Exmo. sr. ministro Aldir Passarinho Júnior (relator): trata-se de recurso especial, aviado pela letra “a” do autorizador constitucional, onde é suscitada ofensa aos arts. 47, 249, parágrafo 2.º, 331, parágrafo 2.º, e 535 do CPC, e 1.521, III, do Código Civil.

Inicialmente, não padece o aresto a quo das omissões a ele imputadas, eis que no julgamento dos aclaratórios prestou os necessários esclarecimentos, como se viu às fls. 587/588, apenas com conclusões contrárias à pretensão da parte ré, razão pela qual rejeito a sustentada ofensa ao art. 535 do CPC.

O litisconsórcio postulado pelos réus, para que viessem a integrar a lide outros dois dentistas que também executaram o tratamento dentário, embora aceito pela autora, não chegou a ser deferido pelo juízo singular, ao inverso do que diz a petição de recurso especial.

Em tais circunstâncias, não se configura ofensa ao art. 47 do CPC, não sendo, ademais, caso de listisconsórcio passivo necessário, senão facultativo, tacitamente superado pelos atos processuais posteriores, onde a questão tornou-se praticamente esquecida das partes. Aliás, tal litisconsórcio sequer fora pedido pela Amil, mas pelo 2.º réu, com a concordância da autora.

Em segundo lugar, a responsabilidade civil da 1.ª ré, Amil, deriva, em verdade, do próprio contrato de prestação de serviços celebrado com a autora, de modo que a lide poderia, na hipótese dos autos, ter-se desenvolvido sem a presença dos demais réus no pólo passivo da demanda.

No julgamento do Resp, n.º 309.760/RJ, examinado caso em que era o Unimed parte, assim me manifestei sobre o tema, litteris:

“De efeito, a cooperativa ré tem por objeto a assistência médica, e para tanto realiza contrato com associados, regulamentando, de forma padronizada, a prestação de seus serviços, o que faz por intermédio de médicos a ela filiados, casas de saúde e laboratórios. A escolha do profissional não é exatamente livre pelo paciente. ele a tem, porém, dentre aqueles profissionais cooperativados.

Dispõe o Código de Defesa do Consumidor, que:

“Art. 3.º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2.º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 3.º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro’. Ora, se é a Unimed quem oferece o plano de assistência médica remunerado, em que estabelece e faz a cobrança de acordo com tabelas próprias, traça as condições do atendimento e de cobertura, e dá ao associado um leque determinado de profissionais cooperativados ao qual pode recorrer em caso de doença, não é possível possa eximir-se de qualquer vinculação com a qualidade do serviço, como se fosse uma alienígena. É ela fornecedora dos serviços, à luz do CDC, e o causador do dano é cooperado seu. O atendimento médico deu-se por vinculação direta da Unimed com a associada e o profissional cooperado.

Aliás, conquanto ainda não vigente à época do fato, a Lei n.º 9.656, de 03.06.98, colocou uma pá de cal sobre o assunto, precisando, ainda mais, sobre tal responsabilidade.

No julgamento do Resp n.º 164.084 – SP, já havia destacado, como relator, que:

“A prestadora de serviços de plano de saúde é responsável, concorrentemente, pela qualidade do atendimento oferecido ao contratante em hospitais e por médicos por ela credenciados, aos quais aquele teve de obrigatoriamente se socorrer sob pena de não fluir da cobertura respectiva.”

(4.ª Turma, unânime, DJU de 17/4/00)

No mesmo sentido foi, depois, a decisão da Egrégia 3.ª Turma, em acórdão de relatoria do ilustre ministro Ari Pargendler, assim ementado:

`Civil. Responsabilidade civil. Prestação de serviços médicos. Quem se comprometer a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido.”

(REsp n.º 138.059 – MG, unânime, DJU de 11.6.01).

O acórdão recebeu a seguinte ementa:

“Civil e processual. Ação de indenização. Erro médico. Cooperativa de assistência de saúde. Legitimidade passiva. CDC, arts. 3.º e 14.

I. A Cooperativa que mantém plano de assistência à saúde é parte legitimada passivamente para ação indenizatória movida por associada em face de erro médico originário de tratamento pós-cirúrgico realizado com médico cooperativado.

II. Recurso especial não conhecido.”

Verifica-se, portanto, que se o tratamento foi realizado por profissionais credenciados ou autorizados pela Amil, esta se torna responsável pelos danos causados, sem embargos, evidentemente, de se lhe reconhecer o direito de regresso contra aqueles que diretamente prestaram os serviços defeituosos.

Ainda por mais esta razão, não seria também a situação de litisconsórcio voluntário.

Com referência ao cerceamento de defesa, não me parece tenha existido.

Efetivamente, como se depreende do voto, às fls. 566 e 567, a prova foi minuciosamente apreciada pela Corte, que concluiu pela deficiência na assistência dentária prestada, inclusive baseada em perícia técnica realizada no curso da lide e demais elementos documentais constantes dos autos, não tendo maior significação a pretensão de colheita de prova oral, o que, para ser desconstituído, somente com a ampla reapreciação da matéria fática, o que encontra o óbice da Súmula n.º 7 do STJ.

Afasta-se, assim, por igual, a infringência ao art. 331 e parágrafo 2.º do CPC, anotando-se que o art. 249, parágrafo 2.º, não foi sequer objetivamente prequestionado ou ventilado nos aclaratórios da recorrente.

Ante a exposto, não conheço do recurso especial, registrando que não houve impugnação ao valor consignado a título de dano moral.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, César Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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