Penal. Crime hediondo. Possibilidade da substituição da pena.

EMENTA

I. Hipótese em que o paciente foi condenado à pena de 3 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática de delito de tráfico de entorpecentes.

II. O pleno do STF, por maioria de votos, em sessão realizada em 23/02/2006, deferiu o pedido formulado no habeas corpus n.º 82.959/SP e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1.º do artigo 2.º da Lei n.º 8.072/90, que trata da obrigatoriedade do cumprimento de pena em regime integralmente fechado para os condenados pela prática de crime hediondo.

III. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a substituição de pena privativa por pena restritiva de direito, por não mais existir óbice à aplicação o disposto no art. 44 do Código Penal ao apenados pela prática de crime hediondo, desde que preenchidos os requisitos previstos no referido dispositivo legal.

IV. A incompatibilidade entre a aplicação de pena restritiva de direitos, trazida ao Código Penal pela Lei n.º 9.714/98 e o crime de tráfico de entorpecentes não mais subsiste após a declaração de inconstitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90.

V. Deve ser reconhecido o direito do paciente ao pleito de substituição da reprimenda privativa de liberdade por pena restrita de direitos, bem como da progressão de regime prisional, cabendo ao Juízo competente a verificação da presença dos requisitos exigidos por lei.

VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

(STJ/DJU de 11/9/06, pág. 336)

Com base em precedente, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Gilson Dipp, decidiu pelo cabimento, nos crimes hediondos, da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator):

Trata-se de habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que desproveu a apelação interposta em favor de BRONE RAPHAEL DE MORAES BERNARDES, visando à substituição de pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

Infere-se dos autos que o paciente foi condenado à reprimenda de 3 (três) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, como incurso no delito previsto no art. 12, caput, da Lei n.º 6.368/76.

Inconformada com o édito condenatório, a defesa interpôs apelação perante o Tribunal a quo, buscando a substituição da pena de reclusão por pena restritiva de direitos, ou, subsidiariamente, a concessão da forma progressiva de cumprimento da reprimenda.

A Corte estadual, por unanimidade, desproveu o recurso, nos termos do acórdão de fls. 58/67.

Daí o presente writ, visando à substituição da pena privativa de liberdade, por restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal, alegando-se, para tanto, que a negativa de substituição lastreou-se, exclusivamente, no caráter hediondo do crime.

Alega-se, ainda, que após a declaração da inconstitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, pelo Supremo Tribunal Federal, não persiste qualquer óbice à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal.

Subsidiariamente, pugna-se pela concessão do benefício da progressão de regime prisional.

A irresignação merece prosperar.

Na sessão de julgamento do dia 23 de fevereiro do corrente, o Pleno do STF, por maioria, deferiu o pedido formulado no habeas corpus n.º 82.959/SP e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1.º do artigo 2.º da Lei n.º 8.072/90, que trata da obrigatoriedade do cumprimento de pena em regime integralmente fechado para os condenados pela prática de crime hediondo. De acordo com o Informativo/STF n.º 417, de 20 de fevereiro a 3 de março de 2006:

?Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1.º do mesmo diploma legal v. Informativos 315, 334 e 372. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5.º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei 8.072/90, art. 5.º). Considerou-se, ademais, ter havido derrogação tácita do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/90 pela Lei 9.455/97, que dispõe sobre os crimes de tortura, haja vista ser norma mais benéfica, já que permite, pelo

§ 7.º do seu art. 1.º, a progressividade do regime de cumprimento da pena. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, já que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão. HC 82959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 23.02.2006.?

Dessa forma, a Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça entendeu ser possível a substituição de pena privativa por pena restritiva de direitos, por não mais existir óbice à aplicação o disposto no art. 44 do Código Penal ao apenados pela prática de crime hediondo, desde que preenchidos os requisitos previstos no referido dispositivo legal.

Com efeito, a incompatibilidade entre a aplicação de pena restritiva de direitos, trazida ao Código Penal pela Lei n.º 9.714/98, e o crime de tráfico de entorpecentes não mais subsiste após a declaração de inconstitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90.

Oportuno trazer à colação os recentes julgados desta Quinta Turma:

?HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. QUESTIONAMENTO QUANTO À MATERIALIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2.º, § 1.º, DA LEI N.º 8.072/90, PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. POR CONSEQÜÊNCIA, RESTA SUPERADO O ÚNICO ÓBICE QUANTO À POSSIBILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA NOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.

1. Vislumbrada pela instância ordinária a existência de indícios suficientes da autoria criminosa, para a instauração da ação penal, o exame da pretensão ora deduzia implicaria, para afastar o substrato fático em que se ampara a acusação, na dilação probatória dos autos, o que, como é sabido, não é possível na estreita e célere via do habeas corpus.

2. O Pretório Excelso, em sua composição plenária, no julgamento do HC n.º 82.959/SP, em 23 de fevereiro de 2006, declarou, em sede de controle difuso, inconstitucional o óbice contido na Lei dos Crimes Hediondos que veda a possibilidade de progressão do regime prisional aos condenados pela prática dos delitos nela elencados.

3. Tal entendimento, firmou-se na interpretação sistêmica dos princípios constitucionais da individualização, da isonomia e da humanidade da pena.

4. Afastou-se, assim, a proibição legal quanto à impossibilidade de progressão carcerária aos condenados pela prática de crimes hediondos e equiparados, tendo sido, todavia, ressalvado pelo Supremo Tribunal Federal, no mencionado precedente, que caberá ao juízo da execução penal analisar os pedidos de progressão considerando o comportamento de cada condenado.

5. Por conseqüência, resta superado o único óbice à concessão do benefício da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos nos crimes hediondos e equiparados, o qual residia no caráter especial dos rigores do regime integralmente fechado. Assim, com a declaração da inconstitucionalidade do art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, inexiste, agora, qualquer empecilho quanto à concessão do indigitado benefício, desde que acusado atenda, como na hipótese ocorre, os requisitos previstos no art. 44, do Código Penal.

6. Precedentes do STJ e do STJ.

7. Ordem parcialmente concedida para afastar o óbice legal contido no dispositivo da sentença condenatória que negava ao paciente o direito à eventual progressão carcerária e restabelecer os termos da condenação que autorizava ao paciente a possibilidade da substituição da perna privativa de liberdade? (HC n.º 49.318/MG, Quinta Vaz, Relatora Min. Laurita Vaz, DJ de 03/04/2006).

?PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTE (MACONHA 4,3G). CONDENAÇÃO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. SUBSTITUIÇÃO AFASTADA PELO TRIBUNAL A QUO EM SEDE DE APELAÇÃO. PRETENSÃO DE CONFERIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. NÃOCONHECIMENTO DA IMPETRAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO E, CONSEQÜENTEMENTE, DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. O habeas corpus não é via adequada para se atribuir efeito suspensivo a recurso especial, pretensão que deve ser formulada em sede de medida cautelar, admissível em casos excepcionalíssimos, quando presentes a plausibilidade jurídica do pedido e o risco de lesão grave ou de difícil reparação.

2. Impetração não conhecida, embora a execução da decisão proferida pelo Tribunal a quo, afastando a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, com base na Lei dos Crimes Hediondos, implique a imediata prisão da paciente.

3. Contudo, o pressuposto do habeas corpus é a ameaça ou a privação da liberdade de locomoção do paciente decorrente de ato ilegal ou praticado com abuso de poder, sendo certo que ?Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal? (C.P.P., art. 654, § 2.º).

4. Declarada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de 23/2/2006 (HC 82.959/SP), a inconstitucionalidade incidental do art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime nos casos de crimes hediondos e a eles equiparados, afastando o óbice à execução progressiva da pena, não mais subsiste o fundamento para impedir a substituição da reprimenda corporal, quando atendidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.

5. Ordem concedida de ofício, para restabelecer a substituição da pena aplicada à paciente pelo Juízo processante? (HC n.º 45.389/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 24/04/2006).

Dessa forma, diante da nova orientação jurisprudencial do Pretório Excelso, ao qual cabe, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, reconheço o direito do paciente ao pleito de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, bem como da progressão de regime prisional, cabendo ao Juízo competente a verificação da presença dos requisitos exigidos por lei.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Laurita Vaz e Félix Fischer.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.