RECURSO ESPECIAL N.º 491.212/RS

Rel.: Min. José Arnaldo da Fonseca

EMENTA

Para a configuração do delito de desobediência, imprescindível se faz a cumulação de três requisitos, quais sejam, desatendimento de uma ordem, que essa ordem seja legal e que emane de funcionário público.

Não há norma jurídica que determine que a conduta mencionada no art. 330 do CP somente possa ser praticada por particular.

Recurso provido.

(STJ/DJU de 10/11/03, pág. 205)

É conhecida a controvérsia reinante na jurisprudência quanto a possibilidade do funcionário público ser sujeito ativo do crime de desobediência (art. 330 do CP), elencado entre os crimes praticados por particulares contra a administração.

Nesta decisão posta em destaque, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, pela possibilidade desse delito ser cometido por funcionário público.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro José Arnaldo Da Fonseca (Relator):

Adoto, como razões de decidir, as fundamentações do parecer do Parquet Federal, da lavra do il. Subprocurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles, atualmente na chefia do Ministério Público Federal, verbis (fls. 130/5):

“O tema debatido está em se saber se o crime de desobediência pode ou não cometido por funcionário público.

O acórdão impugnado entende que o nominado delito não pode ser cometido por funcionário público, enquanto que o paradigma trazido a colação (HC 12008) compreende que o funcionário público que deixa de cumprir ordem judicial pode ser sujeito ativo do delito em comento.

Pacífico é nessa Egrégia Superior Corte de Justiça o entendimento jurisprudencial no sentido de que o trancamento da ação penal, por ser medida excepcional, “somente cabe nas hipóteses em que se demonstrar, na luz da evidência, primus ictus oculi, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade” (In: HC 17121/ES, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 04/02/02, p. 00566)

(…)

Como assentado no decisum “Para a configuração do delito de desobediência, imprescindível se faz a cumulação de três requisitos, quais sejam, desatendimento de uma ordem, que essa ordem seja legal, e que emane de funcionários públicos”. A propósito:

“1. Consoante entendimento sufragado na jurisprudência desta Corte Federal Superior, o trancamento da ação penal na via angusta do habeas corpus, medida excepcional que é, somente cabe nas hipóteses em que se demonstrar, na luz da evidência, primus ictus oculi, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

2. Para a configuração do delito de desobediência, imprescindível se faz a cumulação de três requisitos, quais sejam, desatendimento de uma ordem, que essa ordem seja legal, e que emane de funcionário público.

3. Em inexistindo recalcitrância do acusado ao cumprimento de ordem legal, não há falar em crime de desobediência.

4. Inerente ao princípio constitucional da ampla defesa está a prerrogativa de o acusado não produzir prova contra si, que compreende, induvidosamente, o direito de permanecer em silêncio,seja na fase inquisitorial, seja na judicial.

5. Ordem concedida para trancar a ação penal.”

(HC 17121/ES, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 04/02/02)

À vista do exposto, dou provimento ao recurso.

Responsabilidade Civil. Ação Civil “Ex Delicto”. Legitimidade excepcional do Ministério Público.

RECURSO ESPECIAL N.º 475.010/SP

Rel.: Min. Franciulli Netto

EMENTA

Quanto ao alegado dissídio jurisprudencial, denota-se que o precedente colacionado, julgado pela egrégia Primeira Turma deste Tribunal, à evidência diverge do entendimento esposado no v. decisum recorrido. Com efeito, enquanto a Corte de origem entendeu que o artigo 68 do CPP não foi revogado pela Constituição Federal, o julgado apontado como paradigma concluiu pela revogação.

A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, na assentada de 01/07/2003, pacificou o entendimento segundo o qual, “apesar da Constituição Federal de 1988 ter afastado, dentre as atribuições funcionais do Ministério Público, a defesa dos hipossuficientes, incumbindo-a às Defensorias Públicas (art. 134), o Supremo Tribunal Federal consignou pela inconstitucionalidade progressiva do CPP, art. 68, concluindo que ‘enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista’ (RE n.º 135.328-7/SP, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01/08/94)” (EREsp n.º 232.279/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 04/08/2003).

Dessa forma, como não foi implementada Defensoria Pública no Estado de São Paulo, o Ministério Público tem legitimidade para, naquela Unidade da Federação, promover ação civil por danos decorrentes de crime, como substituto processual dos necessitados.

Recurso especial não provido.

(STF/DJU de 02/02/2004, pág. 313)

Enquanto não organizadas as defensorias públicas, permanece legitimado o Ministério Público, nos termos do art. 68 do Código de Processo Penal, para propor a ação de ressarcimento em favor de vítima pobre. É o que consta deste acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal da Justiça, Relator o Ministro Franciulli Netto.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Franciulli Netto (Relator):

Cinge-se a controvérsia à legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação de reparação ex delicto, na qualidade de substituto processual de pessoa reconhecidamente necessitada.

Entendeu o egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo que, na hipótese dos autos, a atuação do Parquet como substituto processual é legítima e que o artigo 128 da Constituição Federal não revogou o artigo 68 do Código de Processo Civil.

Aponta a Fazenda do Estado de São Paulo divergência jurisprudencial com julgado desta Corte (REsp n. 26.806/SP, da relatoria do Ministro Garcia Vieira, in DJ de 01.02.93) no sentido de que “o art. 68 do CPP que conferia ao MP legitimação para propor ação civil de reparação de dano, quando o titular fosse pobre, sofreu revogação pelo CPC, da Lei 4.215/63 e foi suplantado pela CF”.

Quanto ao alegado dissídio jurisprudencial, portanto, denota-se que o precedente colacionado, julgado pela egrégia Primeira Turma deste Tribunal, à evidência diverge do entendimento esposado no v. decisum recorrido, razão pela qual deve ser conhecido o recurso pela alínea “c” .

No mérito, o recurso não merece prosperar.

Com efeito, a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, na assentada de 01.07.2003, pacificou o entendimento segundo o qual, “apesar da Constituição Federal de 1988 ter afastado, dentre as atribuições funcionais do Ministério Público, a defesa dos hipossuficientes, incumbindo-a às Defensorias Públicas (art. 134), o Supremo Tribunal Federal consignou pela inconstitucionalidade progressiva do CPP, art. 68, concluindo que ‘enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista’ (RE n.º 135.328-7/SP, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01/08/94)” (EREsp n. 232.279/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 04.08.2003).

Dessa forma, como não foi implementada Defensoria Pública no Estado de São Paulo, o Ministério Público tem legitimidade para, naquela Unidade da Federação, promover ação civil por danos decorrentes de crime, como substituto processual dos necessitados.

Nessa linha de raciocínio, confiram-se os seguintes julgados desta Corte Superior de Justiça: REsp n.º 232.279/SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 08.03.2000; REsp n.º 12.817/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 01.08.2000; REsp n.º 112.138/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 03.04.2000; REsp n.º 200.695/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 28.06.99; e REsp n.º 180.890/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 03.01.98.

A título de ilustração, cumpre, ainda, transcrever a ementa do acórdão do RE n.º 135.328-SP, no qual o Pleno do Excelso Pretório, em julgamento levado a efeito em 29.06.94, esposou referido entendimento:

“LEGITIMIDADE – AÇÃO “EX DELICTO” – MINISTÉRIO PÚBLICO – DEFENSORIA PÚBLICA – ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – CARTA DA REPÚBLICA DE 1988.

A teor do disposto no artigo 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5.º, LXXIV, da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da Constituição Federal).

INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA – VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE – ASSISTÊNCIA JURÍDICA E JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS – SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento” (RE n.º 135.328-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, in DJ de 20.04.2001).

Pelo que precede, nego provimento ao recursal especial.

É como voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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