Penal. Atentado violento ao pudor. Violência presumida. Crime hediondo. Regime integralmente fechado. Majorante do art. 9º da Lei nº 8.072/90 – Descabimento.

EMENTA

– A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples, ou seja, mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticados mediante violência presumida, são considerados hediondos, devendo as suas respectivas penas serem cumpridas em regime integralmente fechado, por aplicação do disposto no artigo 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90.

– E na linha do pensamento predominante no Supremo Tribunal Federal, afirmou, majoritariamente, o entendimento de que a Lei n.º 9.455/97, que admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, não revogou o art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, que prevê o regime fechado integral para os chamados crimes hediondos.

– É firme o posicionamento desta Corte, em consonância com a jurisprudência do STF, no sentido da compatibilidade da norma do art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90 com a Constituição Federal.

Na hipótese de crime contra os costumes praticado contra não maior de 14 anos, com violência presumida, não incide a causa de aumento de pena prevista no art. 9.º da Lei n.º 8.072/90, pois o fundamento dessa causa é a violência contra criança, e esta, em sua modalidade ficta, já constitui elemento constitutivo do tipo, sendo inadmissível um bis in idem.

– Precedentes do STJ.

Habeas-corpus concedido em parte.?

(STJ/DJU de 07/04/03, pág. 340

Dispõe o art. 9.º da Lei n.º 8.072/05:

Art. 9.º – As penas fixadas no art. 6.º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3.º, 158, § 2.º, 159, caput e seus § 1.º e 3.º, 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitando o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.

Entende o Superior Tribunal de Justiça, com apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que essa majorante do art. 9.º somente se aplica ao estupro e ao atentado violento ao pudor cometidos mediante violência ficta, quando resultar para a vítima de tais crimes hediondos lesão corporal grave, ou morte.

Consta do voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal (Relator): Examinando-se o contexto dos autos, tem-se, primeiramente, que a pretensão de ver afastada a natureza hedionda do delito de atentado violento ao pudor, não merecer prosperar.

Com efeito, de acordo com o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples, ou seja, mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticados mediante violência presumida, são considerados hediondos, devendo as suas respectivas penas serem cumpridas em regime integralmente fechado, por aplicação do disposto no artigo 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90. A propósito do tema, vejamos os seguintes precedentes desta Corte, verbis:

?HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DELITOS HEDIONDOS. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA INTEGRALMENTE FECHADO.

1. Seguindo a linha de decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, os delitos de estupro e atentado violento ao pudor nas formas simples e qualificada, vale dizer, mesmo que deles não resulte morte ou lesão corporal grave, ainda que praticados mediante violência presumida, constituem crimes hediondos, a teor do que dispõe o artigo 1.º, incisos V e VI, combinado com o artigo 2.º, parágrafo 1.º, da Lei n.º 8.072/90, impondo-se o desconto das penas corporais correspondentes no regime integralmente fechado.

2. Recurso especial conhecido e provido.? (REsp 436.841/DF, Sexta Turma, rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 11/11/2002)

?PENAL. CRIME HEDIONDO. ESTUPRO. REGIME PRISIONAL. PROGRESSÃO. DESCABIMENTO. LEI 8.072/90, ART. 2.º, § 1.º.

(…)

Acerca dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, o Excelso Pretório proclamou que os referidos delitos, nas suas formas simples, o que inclui a violência presumida, das quais não resulte lesão corporal de natureza grave ou morte, são considerados hediondos (HC n.º 81.288-1/SC, Rel. Min. Carlos Veloso).

(…)

Recurso conhecido e provido.? (REsp 443.542/SC, Quinta Turma, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 11/11/2002)

?CRIMINAL. RESP. ROUBO E ESTUPRO. DELITO HEDIONDO. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO DE CUMPRIMENTO DA PENA. LEI N.º 8.072/90. VEDAÇÃO LEGAL À PROGRESSÃO. RECURSO PROVIDO.

O estupro e o atentado violento ao pudor, ainda que cometidos em sua forma simples e mesmo com violência presumida, são considerados crimes hediondos. Precedente do STF.

A condenação por delito elencado ou equiparado a hediondo pela Lei n.º 8.072/90, deve ser cumprida em regime integralmente fechado, vedada a progressão.

Recurso provido para determinar o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena.? (REsp 444.1697GO, Quinta Turma, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 21/10/2002)

?PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO. CRIME HEDIONDO. REGIME PRISIONAL INTEGRALMENTE FECHADO. DIREITO ADQUIRIDO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. LEI 8.072/90 e 9.455/97.

I – Consoante a mais recente orientação jurisprudencial, constitui-se o crime de estupro, ainda que perpetrado em sua forma simples e com violência presumida, em crime hediondo, submetendo-se o condenado a tal delito ao cumprimento de pena sob o regime integralmente fechado, a teor do disposto na Lei 8.072/90.

(…)

Writ parcialmente conhecido e nessa extensão denegado.? (HC 22.041/SC, Quinta Turma, rel. Min. Felix Fischer, DJ 07/10/2002).

Ademais, a nossa jurisprudência, alinhada ao pensamento predominante no Supremo Tribunal Federal, afirmou, majoritariamente, o entendimento de que a Lei n.º 9.455/97, que admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, não revogou o art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, que prevê o regime fechado integral para os chamados crimes hediondos, conforme se pode denotar da leitura dos seguintes precedentes, verbis:

?PENAL. CRIME HEDIONDO. SUBSTITUIÇÃO DE PENA E PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. IMPOSSIBILIDADE.

(…)

3. A Lei 9.455, de 1997 não revoga, por extensão, o art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90. Esta impede a progressão nos denominados crimes hediondos relativos ao terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, etc. Já aquela, consagra o benefício apenas (unicamente) para o delito de tortura. Não se pode pretender, na hipótese, a revogação por via oblíqua, porque (1) a nova lei não é incompatível com a anterior e dela difere apenas por questão de política criminal, no tocante ao regime prisional de um dos vários crimes qualificados como hediondos. Ademais, (2) a matéria versada na Lei 8.072/90 não foi disciplinada de modo diverso a dar azo ao entendimento de sua revogação.

4. Neste sentido, inclusive, a jurisprudência do STF que, em sessão plenária (25.03.98), no julgamento do HC 76.371, concluiu que a Lei 9.455/97 (Lei de Tortura), quanto à execução da pena, não derroga a Lei 8.072790.

5. Recurso conhecido e provido.? (REsp 440.817/RS, Sexta Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 21/10/2002)

?PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. REGIME PRISIONAL INTEGRALMENTE FECHADO. LEI 9.455/97 E LEI 8.072/90. REVOGAÇÃO.

(…)

II- A Lei n.º 9.455/97, que admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, não revogou o art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, que continua a regular o regime prisional dos demais crimes hediondos.

Ordem denegada.? (HC 21.268/SP, Quinta Turma, rel. Min. Felix Fischer, DJ 07/10/2002)

Outrossim, deve-se ressaltar que é firme o posicionamento desta Corte, em consonância com a jurisprudência do STF, no sentido da compatibilidade da norma do art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90 com a Constituição Federal. A propósito, vejamos os seguintes precedentes, verbis:

?PENAL. CRIME HEDIONDO. ESTUPRO. REGIME PRISIONAL. PROGRESSÃO. DESCABIMENTO. LEI 8.072/90, ART. 2.º, §1.º.

Nos chamados crimes hediondos, o regime previsto é o fechado, descabendo progressão.

Preceito legal declarado compatível com a atual Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal (HC 69.603). Fixando as instâncias comuns que o cumprimento da pena dar-se-á em regime fechado, não é concebível que seja apenas inicialmente, mas, sim, atendo-se ao preceito de lei, integralmente.

(…)

Recurso desprovido.? Resp 401.947/MG, Quinta Turma, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 02/12/2002)

?PROCESSUAL PENAL. PENA-BASE. INDEVIDA EXASPERAÇÃO. CORREÇÃO DA MÁCULA. REVISÃO CRIMINAL. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. IMPOSSIBILIDADE.

(…)

2. A Lei n.º 8.072/90, art. 2.º, § 1.º, impõe nos denominados crimes hediondos o regime fechado, vedada a progressão. A norma foi declarada compatível com a Constituição Federal no julgamento do HC n.º 69.603.

(…)

5. Recurso conhecido em parte, apenas para afastar a possibilidade de progressão de regime.? (REsp 260.069/AC, Sexta Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 07/10/2002)

Por fim, pretende o impetrante seja excluído da condenação o acréscimo previsto no art. 9.º da Lei 8072/90.

Com efeito, merece prosperar a irresignação do impetrante.

Tenho afirmado, com apoio na jurisprudência deste Tribunal, que na hipótese de crime contra os costumes praticado contra não maior de 14 anos, com violência presumida, não incide a causa de aumento de pena prevista no art. 9.º da Lei n.º 8.072/90, pois o fundamento dessa causa é a violência contra criança, e esta, em sua modalidade ficta, já constitui elemento constitutivo do tipo, sendo inadmissível um bis in idem. Assim, a majorante só é aplicável quando ocorrer violência real, lesão corporal ou morte, sendo a vítima criança não maior de 14 anos.

No mesmo sentido, merecem consulta os seguintes precedentes: RESP 31.008 – SP, Rel. Min. Assis Toledo, in DJ de 19.04.1993; e RESP 31.607 – SP, Rel. Min. Costa Lima, in DJ de 03.05.1993.

Isto posto, concedo em parte a ordem de habeas-corpus, tão somente para excluir o aumento de pena previsto no art. 9.º da Lei 8072/90.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Fontes de Alencar.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.