HABEAS CORPUS N.º 37.408-MS

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Rel.: Min. Hélio Quaglia Barbosa

EMENTA

1. Na dosimetria da pena, a fundamentação pelo magistrado há de ser concreta e específica, com indicação dos elementos justificadores de sua conclusão.

2. Na tentativa, o quantum utilizado para diminuição da pena deve ser, por igual, fundamentada, atentando-se o juiz para o iter criminis percorrido.

3. Ordem parcialmente concedida para cassar o acórdão objurgado, anulando a sentença monocrática, a fim de que outra seja proferida observando a fundamentação adequada na dosimetria da pena, mantida a condenação do paciente.

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(STJ/DJU de 03/04/06, pág. 418)

No sentido de que na aplicação da pena não bastam a fundamentação vaga e redundante, mas, sim, a necessária vinculação concreta, decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, com o seguinte voto:

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O Exmo. Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa (Relator):

1. A ordem há de ser concedida.

2. A sentença monocrática condenou o paciente nos seguintes termos:

?A sua culpabilidade do réu foi intensa, ficando demonstrado nos autos que tinha consciência da ilicitude de sua conduta. O réu tem péssimos antecedentes e sua conduta social não é boa. Por mais que tenha declarado seu arrependimento, sua personalidade lhe prejudica, já que seus antecedentes demonstram tratar-se de pessoa com nítida vocação criminosa. Os motivos dos crimes não foram esclarecidos e não influenciarão na dosagem da pena. As conseqüências do crime não lhe prejudicam, conquanto a res furtiva não saiu da esfera de proteção e vigilância da vítima. As circunstâncias, salvo a prevista no art. 157, § 2.º, inciso II, do Código Penal, não o prejudicam. Por fim, o comportamento da vítima não contribuiu para a prática do delito e não será relevado na dosagem da pena.

Tudo isso relevado, fixo-lhe a pena base em 05 (cinco anos) de reclusão e 30 (trinta) dias-multa. Não há atenuantes genéricas a considerar. No entanto, incide sobre a pena a agravante da reincidência (f. 32), por isso, majoro a pena aplicada em 1/3 (um terço), equivalente a 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, passando a pena para 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa. Incide sobre a pena a causa de diminuição prevista no art. 14, inciso II, do Código Penal (tentativa), diminuindo a pena em 1/3 (um terço), ou seja, 02 (dois) anos e 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa, ficando a pena atenuada igual a 04 (quatro) anos e 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 27 (vinte e sete) dias-multa. Incide, ainda, sobre a pena a causa de aumento prevista no art. 157, § 2.º, inciso I, do Código Penal, em razão da qual aumento a pena antes aplicada em 1/3 (um terço), porque o emprego de arma de fogo, torna o delito mais perigoso para a vítima. Aumento a pena em 01 (um) ano e 05 (cinco) meses 03 (três) dias de reclusão e 09 (nove) dias-multa, ficando a pena aumentada equivalente a 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e 36 (trinta e seis) dias-multa. Fixo apena definitiva em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e 36 (trinta e seis) dias-multa.? (fl. 71)

3. Resta evidente a falta de fundamentação quanto às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, que levaram a elevação da pena-base em um ano.

O sentenciante limitou-se a dizer que os maus antecedentes do acusado eram péssimos, sem aduzir fatos concretos. Ainda, considerou que a conduta social não era boa, sem indicar qualquer justificativa para tanto.

No que toca à personalidade do réu, expôs ser voltada para o crime em razão dos maus antecedentes, ausente qualquer indicação consistente.

Ademais, havendo amparo, novamente, nos antecedentes do paciente, sem apontar outro elemento, verifica-se a presença de odioso bis in idem, vedado pelo ordenamento jurídico penal. Faz-se mister observar que a certidão de antecedentes juntada aos autos (fl. 59) é incompleta, como bem observado pelo ilustre representante ministerial:

?Nos itens 2 e 3, que se reportam ao mesmo caso (n.º de ordem 467), não há qualificação do réu, podendo ser um homônimo. Já os itens 1 e 4, talvez tenham sido considerados pelo magistrado como reincidência, em razão da data de distribuição na vara de execuções penais. O item 5 se refere ao presente feito. Assim, caso essa certidão tenha influenciado o magistrado na exasperação da pena inicial, não é tão evidente a presença dos maus antecedentes.?

Desse modo, não obstante o reconhecimento da existência de discricionariedade na dosimetria da reprimenda penal, relativamente à exasperação da pena-base, é imprescindível a sua fundamentação, com base em dados concretos e em eventuais circunstâncias desfavoráveis do art. 59 do Código Penal.

Sobre o tema esta Corte de Justiça já firmou entendimento:

?PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INOCORRÊNCIA. CO-AUTORIA. DOMÍNIO FUNCIONAL DO FATO. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. INOBSERVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO.

O Tribunal de origem, quando do recurso de apelação, é livre para analisar a conduta do paciente, enquadrando-a conforme melhor lhe parecer.

O acusado que na divisão de trabalho tinha o domínio funcional do fato (a saber, fuga do local do crime), é co-autor, e não mero partícipe, pois seu papel era previamente definido, importante e necessário para a realização da infração penal.

A sentença penal condenatória, no caso de concurso de agentes, deve guardar estrita consonância com as condutas de cada agente, particularizadas na denúncia.

É nula a decisão condenatória na parte em que foi fixada a pena-base acima do mínimo legal com fundamentação inadequada.

Ordem parcialmente concedida para anular a sentença no que atina a dosimetria da pena do paciente, mantendo a condenação, devendo outra ser prolatada, sem os vícios da original. (HC 30503, 6.ª Turma, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 12.12.2005. Grifei)

4. Com a razão o impetrante, também, quanto à majoração da pena referente à agravante da reincidência.

O magistrado limitou-se a dispor que a agravante incidia face a certidão de antecedentes, sem contudo designar qual o feito referido na certidão que constituiria em prova da reincidência.

Bem exposto pelo parquet federal, ?não há como verificar ademais, se a reincidência foi considerada múltipla, a fim de averiguar a correção do quantum do acréscimo, que, no caso, foi elevado (um terço). Sequer é possível avaliar se houve bis in idem entre a consideração de maus antecedentes na primeira fase (art. 59 do CP) e nessa segunda fase (agravante).

5. Outrossim, nula a dosimetria relativa ao redução da causa de diminuição legal da tentava, pois ausente a fundamentação em razão do iter criminis percorrido.

Neste sentido:

?PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS (EC 22/99) HOMICÍDIO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PENA. FUNDAMENTAÇÃO.

I – É parcialmente nula a decisão condenatória que apresenta, na dosimetria da resposta penal, fundamentação vaga e redundante, sem a necessária vinculação concreta.

II – A ordem de incidência das circunstâncias deve obedecer o disposto no art. 68 do CP.

III – O quantum utilizado na minorante da tentativa deve ser, por igual, fundamentada de acordo com as características da conatus.

Writ concedido.? (HC 9546, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ 16.08.1999. Grifei)

6. Dessarte, CONCEDO EM PARTE a ordem para cassar o acórdão objurgado, anulando a sentença monocrática, a fim de que outra seja proferida, observando a fundamentação adequada na dosimetria da pena, mantida a condenação do paciente.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.