Pena. Crime hediondo. Progressão de regime.

Na edição do dia 3 de julho do corrente ano, publicamos decisão da lavra do min. Marco Aurélio, afastando, através de liminar, a cláusula limitativa da progressão de regime.

Nessa mesma linha, surge, agora, decisão do min. Paulo Gallotti, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Decisão

Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Anderson Montanholi, apontada como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Paraná que denegou o writ ali manejado.

Narra a impetração que o paciente cumpre pena de 12 anos de reclusão, a ser descontada integralmente em regime fechado, por força de sentença proferida no autos da Ação Penal n.º 93/02, da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Paranavaí, no Paraná, sem fazer menção ao delito a que ele foi condenado.

Impetrado habeas corpus perante o Tribunal de origem com o propósito de ver assegurado o direito do paciente à progressão de regime prisional, a ordem foi denegada, guardando o acórdão a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS N.º 47.688-PR

Relator: Ministro Paulo Galotti

?HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. PROGRESSIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE INOCORRENTE. LEI DA TORTURA. DERROGAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO SOMENTE AO CRIME DE TORTURA.

1. Não ofende ao princípio da individualização da pena o fato de o legislador ter vedado a progressividade no regime de cumprimento da pena, impondo-o de forma integralmente fechada.

2. A Lei n.º 9.455/97 aplica-se exclusivamente ao crime de tortura, não se aplicando aos demais crimes hediondos.

Precedentes do STJ e do STF.

3. Ordem denegada.?(fl. 13)

Reiterando as razões apresentadas no Tribunal de origem, requer a impetração, inclusive liminarmente, que seja afastado o óbice à progressão de regime previsto no artigo 2.º § 1.º, da Lei n.º 8.072/90.

Muito embora viesse proferindo decisões negando liminarmente seguimento aos pedidos de habeas corpus em que se postula, exclusivamente, o reconhecimento do direito à progressão de regime aos condenados pela prática de delitos hediondos, com base no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal dizendo da constitucionalidade do dispositivo que a veda, tenho que deva rever essa compreensão.

Isto porque, recentemente, vários ministros da Corte Suprema vêm concedendo medidas liminares para assegurar o direito à progressão de regime àqueles que cumprem pena pela prática de delitos considerados hediondos, determinando-se, ainda, o sobrestamento dos respectivos feitos até o julgamento final, naquela Corte, do HC n.º 82.959, no qual se reabriu a discussão acerca da constitucionalidade do artigo 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90 (MC no HC n.º 85.808/DF, relator o ministro Sepulveda Pertence, DJU de 4/5/2005; HC n.º 84.770/SP, relator o ministro Cezar Peluso, DJU de 12/4/2005; MC no HC n.º 85.677/SP, relator o ministro Gilmar Mendes, DJU de 4/4/2005; MC no HC n.º 85.589/DF, relator o ministro Eros Grau, DJU de 15/3/2005; MC no HC n.º 85.440/SP, relator o ministro Carlos Britto, DJU de 16/2/2005; HC n.º 85.465/MG, relator o ministro Marco Aurélio, DJU de 15/2/2005).

É verdade que outra parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal, na linha do entendimento de que os crimes hediondos não permitem a progressão de regime, continuam negando pedidos semelhantes levados à sua apreciação (MC no HC n.º 85.700/DF, relator o ministro Carlos Velloso, Dju de 13/4/2005; MC no HC n.º 85.692/RJ, relator o ministro Celso de Mello, DJU de 5/4/2005; HC n.º 85.640/DF, relatora a ministra Ellen Gracie, DJU de 22/3/2005; MC no HC n.º 85.596/RS, relator o ministro Barbosa, DJU de 18/3/2005).

Frente a esse quadro, levando em conta que cabe ao Supremo Tribunal Federal a última palavra em habeas corpus denegado no Superior Tribunal de Justiça, não tenho como razoável admitir que os pacientes condenados pela prática de crimes hediondos, diante de decisões desta Corte recusando a progressão de regime prisional, sejam obrigados a bater às portas da Corte Suprema, e lá participar de um sorteio sobre o reconhecimento de um direito.

Sim, porque, como visto, se o writ que lá se impetrar for distribuído a um daqueles primeiros seis ministros, a ordem será concedida liminarmente e sobrestado o andamento da ação.

Se distribuído a um dos outros quatro, serão negadas a cautelar e o próprio habeas corpus.

Essa constatação, penso, leva à conclusão de não ser razoável que as coisas assim se passem, principalmente em se cuidando de liberdade.

Sendo da alçada do Supremo Tribunal Federal dar a última palavra sobre a constitucionalidade de ato normativo e estando o tema relativo ao artigo 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/1990 em exame no HC n.º 82.959, no qual, dos seis votos proferidos, quatro reconhecem o direito à progressão, não tenho como adequado que se possa continuar a negar seguimento a esses pedidos e/ou a denegar a ordem neles postulada.

Assim, defiro a medida liminar para, afastado o óbice, reconhecer o direito do paciente à progressão de regime, com a verificação, no Juízo de origem ou no da Execução, da presença dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos pela legislação de regência.

Dê-se ciência ao Tribunal de Justiça do Paraná e ao Juízo de Direito da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Paranavaí, naquele Estado.

Após, sem manifestação do Ministério Público Federal, devem os autos, sobrestados, aguardar o desfecho do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, do mencionado HC n.º 82.959.

Publique-se.

Ministro Paulo Galloti, relator.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.