Pena. Aplicação da atenuante de ser o agente menor de 21 anos. Irrelevância da redução da menoridade civil (art. 5º do C.C.) para 18 anos.

EMENTA

1. É circunstância que sempre atenua a pena ser o agente, na data do fato, menor de 21 (vinte e um) anos.

2. É certo que a menoridade civil cessa aos dezoito anos completos, no entanto a norma civil não alterou a norma penal, cujo significado encontra razões na imaturidade da pessoa.

3. A norma penal há de ser alterada por norma da mesma espécie. Soa estranho possa ela ser alterada por outras ordens de idéias de natureza civil, por exemplo.

4. Ordem de habeas corpus concedida a fim de que se refaça o cálculo da pena.

(STJ/DJU de 13/06/2005)

Tem-se dos autos que o paciente foi condenado a 4 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, e 20 dias-multa, pela incursão nas penas do art. 12, caput, da Lei n.º 6.368/76.

Em face de tal decisum, interpôs apelação criminal, pugnando pela absolvição ou aplicação da atenuante da menoridade, tendo em vista que à época dos fatos, ainda não completara 21 anos.

O recurso restou improvido, à unanimidade, pela Eg. Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, sob entendimento de que a condenação estaria lastreada em consistente acervo probatório e, quanto à aplicação da atenuante referente à menoridade do agente, que não seria aplicável, por já estar, na data do fato delitivo (9 de julho de 2003), em vigor o Novo Código Civil, que reduziu a idade de maioridade civil, revogando o art. 65, I, primeira parte, do Código Penal.

Irresignado, o paciente impetrou ?habeas corpus? perante do Superior Tribunal de Justiça, que, através de sua Sexta Turma, Relator o Ministro Nilson Naves, deferiu a ordem com os seguintes fundamentos:

O Exmo. Sr. Ministro Nilson Naves: Acolho o parecer ministerial, de teor seguinte (quanto aos fundamentos):

?Merece prosperar o mandamus.

É que o Tribunal estadual se recusou a aplicar a atenuante da idade inferior a vinte e um anos, por entender que, praticado o fato delituoso sob a égide do Novo Código Civil, imporia reconhecer o descabimento do preceito previsto no art. 65, I, primeira parte, do Código Penal.

Assim dispõe o art. 65, I, do Código Penal:

?Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

I – ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;?

É de se ver que a redação do dispositivo não indica qualquer relação com capacidade civil do agente, pois, se assim fosse, uma vez emancipado, segundo as modalidades previstas no antigo Código Civil, não seria possível ao acusado ser beneficiado com a atenuação em comento, o que nunca se admitiu.

O legislador penal, como se pode ver, fez uso de um critério meramente etário para adoção do benefício, sem qualquer menção à capacidade civil do agente.

Com efeito, a inteligência da norma penal é beneficiar o condenado que, por possuir pouca idade, não detém plena capacidade de discernimento; não busca, assim, proteger o civilmente incapaz.

Assim, a redução da maioridade civil tem efeitos restritos à capacidade de exercício pessoal dos atos da vida privada, sem qualquer relevância na esfera penal.

Em assim sendo, o Novo Código Civil não revogou outras normas que, especificamente, dispõem sobre temas diversos.

A adoção de benefícios de natureza penal, por outro lado, se apóia em critérios de Política Criminal vislumbrados pelo legislador que, certamente, não vê suficiente maturidade no indivíduo com idade inferior a vinte e um anos, devendo, por isso, ser tratado com alguma benevolência.

Também por isso trata com alguma brandura o septuagenário, tendo em vista que a senilidade lhe subtrai reflexos e pronta capacidade de avaliação de determinados atos.

Mas nem por isso se pode admitir que o art. 65. I, última parte, do Código Penal, foi modificado pelo Estatuto do Idoso, para reconhecer a atenuante ao maior de sessenta e cinco anos, como já tem pretendido.

Lembre-se, por derradeiro, que em matéria penal, vige o princípio da legalidade restrita, de sorte que o aplicador da lei não pode retirar do réu benefício que a Lei Penal lhe concedeu, ao argumento de que fora revogado por ato legislado que nada dispôs sobre a matéria.

É possível que em futuro muito próximo, a atenuação da pena por conta da idade inferior a vinte e um anos seja suprimida do Código Repressivo no processo penal, por exemplo, já não se exige a nomeação de curador ao réu menor de vinte e um anos, por ocasião do seu interrogatório, visto que o art. 194, do Código de Ritos, foi revogado pela Lei n.º 10.792/2003.

Até lá, todavia, se a Lei Penal prevê o benefício, não pode ser subtraído do acusado pelo Juiz.

Nessa Augusta Corte, parece que a questão ainda não foi apreciada.

Todavia, já foi enfrentada a influência da modificação da idade de alcance da maioridade civil na esfera infracional, quando analisado o limite de idade para extinção das medidas sócio-educativas aplicadas ao adolescente, tendo, essa Augusta Corte, firmado o entendimento de que o Novo Código Civil não revogou as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente a respeito do tema.

É ver como se vem posicionando esse Sodalício Superior:

O mesmo tratamento deve ser dado à questão penal.

Diante do exposto, opina-se pela concessão da ordem para que a Eg. Segunda Turma do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul proceda a novo cálculo da pena imposta ao paciente, aplicando a circunstância atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal.?

Pelo que disse, acolho o parecer ministerial. De fato, as menoridades não se confundem: a de ordem civil não há de repelir a de ordem penal. Ora, tendo o novo Cód. Civil dito que a menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, tal não implicou abolir a circunstância penal atenuante da menoridade, a saber, a de ser o agente, na data do fato, menor de 21 (vinte e um) anos. Isso se me afigura intuitivo. Servem de apoio a esse entendimento, como se disse num velhíssimo acórdão do Império, razões que se fundem no ?imperfeito desenvolvimento das faculdades intelectuais do delinqüente na ocasião do crime? (confira-se o Código anotado por Antonio Luiz Ferreira Tinoco, da publicação ?História do Direito Brasileiro?, Superior Tribunal de Justiça/Senado Federal, 2003, pág. 52). Posteriormente, idênticas razões foram subscritas, entre outras, por Costa e Silva: ?A razão do tratamento especial dispensado ao menor de 21 anos é o seu incompleto desenvolvimento físico e moral. Nesse período da vida, não tem, em regra, o indivíduo a experiência e a força de resistência necessárias. É mais sensível a influência de fatores exógenos? (?Código Penal?, vol. I, 1943, pág. 275). Também o foram por Aníbal Bruno: ?Dos 18 aos 21 anos incompletos, o Código admite a sua maturidade ainda imperfeita, para beneficiá-lo com a atenuação da pena. Reconhece a sua imputabilidade e, portanto, a sua responsabilidade penal, mas atenua a punição pelo seu estado de não-completa maturação de espírito? (?Direito Penal?, tomo III, 1967, pág. 134). Sei lá se, em dias bem atuais, pode-se, em caso tal, falar em falta de maturidade. Ocorre, porém, que temos lei, e essa é a melhor das suas exegeses.

Se a lei é revogada, ao todo ou em parte, de forma expressa ou tácita, por lei posterior, admitindo-se, também, segundo outras idéias, que também é revogada por força do costume ou desuso, a lei penal, ao que cuido, há de ser revogada por lei da mesma espécie. Soa-me estranho possa ela ser alterada por outra ordem de idéias, digamos, de natureza civil.

Voto pela concessão da ordem a fim de determinar se refaça, na origem, o cálculo da pena.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Hélio Quaglia Barbosa.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.