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Para o STF, como o prévio exaurimento da via administrativa é elemento do tipo, o “trânsito em julgado” naquele âmbito consuma o crime tributário. E, se o crime é consumado concomitantemente com o momento em que a decisão administrativa se torna definitiva, o tempo do crime é por ela determinado – o que gera evidentes reflexos na contagem do prescricional. Cita-se, como representativo dessa orientação, o seguinte julgado:

Habeas corpus. Penal. Crime contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90). Trancamento da ação penal. Prescrição da pretensão punitiva. Não-ocorrência. Constrangimento ilegal não-configurado. Precedentes.

1.  A verificação de eventual ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, considerado o crime imputado ao paciente, esbarra na questão decidida por esta Suprema Corte no HC nº 81.611/DF, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido de que, enquanto não efetivado o lançamento definitivo do débito tributário, não há justa causa para a ação penal, ficando, porém, suspenso o curso do prazo prescricional.

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2. Considera-se termo inicial, para fins de contagem do prazo prescricional, a data do julgamento definitivo sobre eventual supressão ou redução de tributo devido.

3. Não-ocorrência da prescrição da pretensão punitiva no caso concreto.

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4. Habeas corpus denegado.”

(STF – HC 94096 – 1ª T. – Rel. Min. Menezes Direito – DJe de 12.2.09)

N o t a s

Essa decisão (cuja ementa bem esclarece as razões da íntegra do julgamento) instaura uma ficção jurídica na contagem dos prazos prescricionais para os crimes tributários materiais, já que, em verdade, eles não se consumam no âmbito administrativo, porque os pressupostos de punibilidade não têm qualquer influência na consumação do crime e tampouco nos marcos iniciais e interruptivos da prescrição. Conforme GARCÍA PÉREZ, em análise desse problema, “el tiempo del delito, también a los efectos de la prescripción, se ha de situar en el momento relevante para los restantes presupuestos del delito, el de la infracción de la norma“(GARCÍA PÉREZ, Octavio. La punibilidad en el Derecho Penal. Pamplona: Aranzadi, 1997, p. 398. Itálicos não originais). Não é diferente a determinação do Código Penal, quanto estatui o início do prazo prescricional no “dia em que o crime se consumou” (CP, art. 111, I) e não no dia em que a condição de punibilidade se realizou (ou em que se preencheu a condição de ação ou outro pressuposto da punibilidade): inexiste, pois, suporte legal à consideração de que é a condição de punibilidade que consuma o crime.

O exaurimento da via administrativa apenas confirmará se é possível cogitar do elemento objetivo normativo “tributo”, cumprindo, com isso, a finalidade de conferir à eventual pretensão condenatória criminal o mínimo de plausibilidade. Trata-se de uma decisão cujos efeitos retroagem à data em que o delito foi praticado, conferindo-lhe aparência típica. Havendo essa confirmação no âmbito administrativo, será possível admitir a materialidade, em tese, da sonegação fiscal; nunca, porém, em data diversa daquela em que a sonegação de fato ocorreu. A data da declaração (por meio da decisão administrativa definitiva) que confirma a presença – em grau indiciário – do(s) elemento(s) normativo(s) do tipo objetivo do crime tributário não se confunde com a data em que realmente se deu, no mundo dos fatos, a conduta humana em discussão.

E o precedente jurisprudencial não equivale à lei em sentido formal, razão pela qual não lhe cabe dispor sobre matéria de que somente a norma penal em sentido estrito pode cuidar – especialmente quando se trata de inovação em prejuízo do réu. A violação ao princípio da legalidade (CF, art. 5º, XXXIX; CP, art. 1º) é flagrante: dá-se vida, por meio de decisão judicial, a uma fantasia jurídica que dissimula a realidade, profanando o espaço reservado ao legislador – tudo em nome de algum ideal utilitarista ou algo que o valha e em abono da inércia do aparato fiscalizatório da Administração Pública. Por falar em inércia, lembre-se que o fundamento da prescrição é o da necessidade e o da utilidade da pena criminal, condições que, pelo lapso do tempo, apagam-se, neutralizando, com elas, a lembrança do fato delituoso e, via de consequência, o próprio interesse da sociedade em sua repressão.

É como se o Judiciário visasse compensar uma posição jurisprudencial favorável ao contribuinte (exigência de prévio exaurimento da via administrativa – Súmula Vinculante 24) com outra favorável ao Fisco (a prescrição penal apenas iniciará com o término do processo fiscal). Ocorre que a ciência criminal há tempos divulga que toda interpretação legal, em matéria criminal, desenvolve-se favor rei, sendo a proteção do indivíduo contra o poder punitivo estatal uma das funções do Direito Penal. Apoiar raciocínio contrário a essa proposição, máxime quando não suportada em lei, é chancelar uma repressão estatal ilegítima.