Liberdade de informação e direito de crítica

O princípio da liberdade de informação, expressamente garantido pelo art. 220 da Constituição, caracteriza uma das bases do regime político de participação pluralista e um dos pilares do Estado Democrático de Direito. A plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social não pode ser embaraçada por nenhuma lei (CF, art. 220, §1.º).

São valiosas as oportunidades em que o Supremo Tribunal Federal pode se pronunciar sobre esse princípio, bem como sobre o direito de crítica da imprensa e da sociedade. A mais recente dessas oportunidades talvez esteja consignada no acórdão abaixo transcrito (ainda não publicado):

“LIBERDADE DE INFORMAÇÃO – DIREITO DE CRÍTICA – PRERROGATIVA POLÍTICO-JURÍDICA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL – MATÉRIA JORNALÍSTICA QUE EXPÕE FATOS E VEICULA OPINIÃO EM TOM DE CRÍTICA – CIRCUNSTÂNCIA QUE EXCLUI O INTUITO DE OFENDER – AS EXCLUDENTES ANÍMICAS COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO DO ‘ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI’ – AUSÊNCIA DE ILICITUDE NO COMPORTAMENTO DO PROFISSIONAL DE IMPRENSA – INOCORRÊNCIA DE ABUSO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO – CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO REGULAR EXERCÍCIO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO – O DIREITO DE CRÍTICA, QUANDO MOTIVADO POR RAZÕES DE INTERESSE COLETIVO, NÃO SE REDUZ, EM SUA EXPRESSÃO CONCRETA, À DIMENSÃO DO ABUSO DA LIBERDADE DE IMPRENSA – A QUESTÃO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO (E DO DIREITO DE CRÍTICA NELA FUNDADO) EM FACE DAS FIGURAS PÚBLICAS OU NOTÓRIAS – JURISPRUDÊNCIA – DOUTRINA – JORNALISTA QUE FOI CONDENADO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS – INSUBSISTÊNCIA, NO CASO, DESSA CONDENAÇÃO CIVIL – IMPROCEDÊNCIA DA ‘AÇÃO INDENIZATÓRIA’ – VERBA HONORÁRIA FIXADA EM 10% (DEZ POR CENTO) SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA – RECURSO DEAGRAVO PROVIDO, EM PARTE, UNICAMENTE NO QUE SE REFERE AOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.

– A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito  de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.

– A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais.

– A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser,  deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade.

– Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou
não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade
de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Jurisprudência. Doutrina.

– O Supremo Tribunal Federal tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.

– Mostra-se incompatível com o pluralismo de, idéias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar, aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais), o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado – inclusive seus Juízes e Tribunais – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as idéias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência comparada (Corte Européia de Direitos Humanos e Tribunal Constitucional Espanhol).”

(STF – AgRg no AI 705630/SC – 2.ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – J. em 22.3.11)

A orientação da Corte que guarda a Lei das Leis revigora o pensamento de Thomas Jefferson (1743-1826), terceiro Presidente dos Estados Unidos da América: “se pudesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria em preferir a última alternativa.” Mas os abusos já cometidos contra a liberdade de informação perdem-se na noite dos tempos. Sob os mais variados pretextos – religiosos, profanos, políticos, filosóficos ou de qualquer roupagem autoritária – diferentes formas de poder conseguiram, inúmeras vezes, ao longo da história, censurar as liberdades de expressão social e individual – as quais, não se nega, podem se confundir. As Declarações de Direitos e as Cartas Políticas fundadas nos princípios elementares dos Estados Democráticos de Direito repudiam esses atentados, que comprometem o desenvolvimento humano e social.

O paradigma acima colacionado é resultado de deliberação unânime da 2.ª Turma do STF e segue a orientação mais democrática – que vem sendo solidificada no repertório jurisprudencial pátrio – sobre o papel vigilante da imprensa e do cidadão no ambiente globalizado. As atividades de investigar, de colher, de receber e de difundir informações de toda índole caracterizam-se como desdobramentos do direito à informação em um plano geral, assim como o reconhecem o art. 13 e respectivos incisos da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1970). Igualmente, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948) garantiu o direito à liberdade de investigação, de opinião e de transmissão do pensamento através de qualquer meio de comunicação (art. 4.°).

É claro que os limites de atuação do jornalismo investigativo, especialmente aquele que questiona, indaga e, posteriormente, informa a sociedade acerca das intrincadas relações de poder que existem nos bastidores da política e do relacionamento entre o particular e público podem ser, conforme o caso, difíceis de se divisar com exatidão. No entanto, na maioria das vezes é ao direito coletivo de informação que se deve ceder tutela, quando, por exemplo, constata-se que houve “tão somente a divulgação de notícias de inegável interesse público, ausente ainda evidência de má-fé ou sensacionalismo infundado”, restando a “presença de simples animus narrandi, inerente à atividade jornalística” (STJ – 5.ª T. – HC 62.390/BA – Rel. Min. Felix Fischer – DJ de 23.10.06). Em outras palavras, “a revelação de fatos de interesse da coletividade, ainda que imbuídos de críticas do jornalista, dentro de um juízo de razoabilidade, não configura sensacionalismo ou abuso do direito à livre manifestação do pensamento, mormente quando envolva ato do Poder Público de repercussão geral” (TJPR – 6.ª C. Cível – Ap. Cível 0173623-8 – Rel. Des. Airvaldo Stela Alves – DJ de 8.7.05).

Gustavo Britta Scandelari é advogado, mestre em Direito do Estado pela UFPR. gustavo@dotti.adv.br

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