Leasing Cambial. Cláusula contratual excessivamente onerosa para o consumidor. Desconsideração.

“RECURSO ESPECIAL N.º 302.183-RJ

REL.: MIN. ARI PARGENDLER

EMENTA: Leasing Cambial. Desconsideração de cláusula contratual, ao fundamento de que se revelou excessivamente onerosa para o consumidor. Ressalva do ponto de vista pessoal do relator. Recurso especial não conhecido.”

(STJ/DJU de 5/8/02, pág. 329)

O m.m. juiz de Direito julgou a ação procedente “para determinar a revisão do contrato de arrendamento mercantil celebrado entre as partes e instrumentalizado pelo documento de fls. 11/13, devendo ser recalculadas todas as trinta e seis prestações previstas no pacto, adotando-se o índice de variação do INPC, considerando-se todos os pagamentos das prestações efetuadas pelo Autor e os depósitos feitos nesta lide, incidindo a taxa de juros usualmente aplicada pelo réu em contratos como o ora examinado” (fls. 98).

A Egrégia Décima Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, manteve a sentença, nos termos do acórdão assim ementado:

“Ação originária. Modificação de contrato de leasing. Teoria da lesão. Preliminares de nulidade da sentença. Nada impede que o autor, ao pedir a modificação do critério de correção das parcelas do contrato, requeira o depósito incidental das prestações vincendas, para que, depois, sendo acolhido e pedido, sobre elas incita o novo indexador. Não se trata, propriamente, de uma ação consignatória, pelo que não há que se falar em inépcia da inicial, por acumulação indevida e diversidade de ritos. Também se rejeita a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, já que não pretendeu o autor consignar as prestações, para se alforriar da obrigação. No mérito, impõe-se a revisão do contrato, em nome da teoria da lesão (inciso V do art. 6.º DO CDC), já que rompeu, profundamente a base econômica do contrato. Rejeição das preliminares e desprovimento do recurso” (fls. 182).

Oposto embargos de declaração, foram rejeitados.

Interposto recurso especial, por C. Leasing S/A Arrendamento Mercantil, com base no artigo 105, inciso III, letra “a”, da Constituição Federal, por violação ao artigo 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil e ao artigo 6.º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor (fls. 212/232), não foi conhecido, conforme decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Ari Pargendler, com o seguinte voto condutor.

Exmo. sr. ministro Ari Pargendler (relator):

A Turma julgou caso análogo no qual proferi voto-vista, de que destaco os seguintes trechos:

“A desvalorização do real em relação ao dólar, em face da cláusula de indexação, acarreta, sim, onerosidade excessiva para o devedor, mas, salvo melhor juízo, não traz qualquer benefício ao credor, que apenas repassa para o financiador externo os reais adicionalmente necessários para pagar os dólares originariamente contratados.

É preciso que isso fique claro: não se pode suprimir a cláusula de variação cambial em relação ao consumidor, sem transferir os respectivos efeitos para o arrendador, que é, no particular, intermediário de recursos externos.

Quid, tendo em vista o artigo 6.º da Lei n.º 8.880, de 1994, a cujo teor `É nula de pleno direito a contratação de reajustes vinculados à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas físicas e domiciliadas no País, com base em captações de recursos provenientes do exterior’?

A aplicação da cláusula de reajuste vinculado à variação cambial parece ser de rigor, quando não se tratar de uma relação de consumo.

Presente a relação de consumo – e tendo em vista o artigo 6.º, inciso, V, acima transcrito, que autoriza a revisão de cláusulas contratuais que se revelem excessivamente onerosas em razão de fatos supervenientes – pergunta-se:

O risco próprio da cláusula de indexação cambial não excluiria a aplicação dessa norma legal? Se a despeito da natureza da cláusula, o consumidor está protegido, qual a medida da onerosidade excessiva?

O dimensionamento dessas questões exige que se esboce a conjuntura macroeconômica e como era percebida.

As partes contavam com a estabilidade do real durante o prazo contratual. A longo prazo, sabia-se – a despeito da posição pública do governo – que ela não subsistiria, porque comprometia nossa balança comercial. O papel governamental era esse mesmo, porque qualquer dúvida, a propósito, comprometeria irremediavelmente a política econômica, toda atrelada à chamada âncora – o vocábulo diz tudo – cambial.

A probabilidade de mudanças nesse âmbito, portanto, fazia parte do cenário, mas as partes quiseram, ambas, acreditar que teriam tempo de fazer um bom negócio. Cada qual, por isso, tem uma parcela de (ir)responsabilidade pela onerosidade que dele resultou, e nad<%-2>a mais razoável que a suportem. Tal é o regime legal, que protege o consumidor da onerosidade superveniente não pode ser afastada sem grave lesão à outra parte, impõe-se uma solução de eqüidade.

O acórdão recorrido, data venia, errou ao aliviar o consumidor daquela parcela de onerosidade que poderia suportar, não excessiva, lesando gravemente o arrendador ao imputar-lhe integralmente os efeitos do fato superveniente.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, dando-lhe provimento, em parte, para que as suportadas concorrentemente pelas partes, à razão de metade – ambas condenada ao pagamento de honorários de advogado à base de dez por cento do montante da respectiva sucumbência” (Resp n.º 268.661. RJ).

Fiquei vencido naquele julgamento, tal qual se lê na ementa do respectivo acórdão, Relatora e eminente ministra Nancy Andrighi, in verbis:

“Revisão de contrato – Arrendamento mercantil (leasing) – Relação de consumo – Indexação em moeda estrangeira (dólar) – Crise cambial de janeiro de 1999 – Plano real. Aplicabilidade do art. 6, inciso V do CDC – Onerosidade excessiva caracterizada. Boa-fé objetiva do consumidor e direito de informação. Necessidade de prova da captação de recurso financeiro proveniente do exterior.

– O preceito insculpido no inciso V do artigo 6.º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor.

– A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas.

– A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à media que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos riscos da variação cambial, pela prestação do consumidor indexada em dólar americano.

– É ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (art. 6.º, III, e 10, `caput’, 31 e 52 do CDC).

– Incumbe à arrendadora se desincumbir do ônus da prova de captação de recursos provenientes de empréstimo em moeda estrangeira, quando impugnada a validade de cláusula de correção pela variação cambial. Esta prova deve acompanhar a contestação (art. 297 e 396 do CPC), uma vez que os negócios jurídicos entre a instituição financeira e o banco estrangeiro são alheios ao consumidor, que não possui meios de averiguar as operações mercantis daquela, sob pena de violar o art. 6.º da Lei n.º 8.880/94″ (julgado na sessão do dia 16/8/01).Por isso, ressalvando entendimento pessoal, voto no sentido de não-conhecer do recurso especial.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho.

Processual penal. Habeas corpus. Julgamento que independe da prévia intimação das partes.

EDCL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 10.029 – CE

REL.: MIN. VICENTE LEAL

EMENTA – – Segundo o pensamento jurisprudencial consolidado (Súmula 413/STF), o julgamento do habeas-corpus independe de prévia intimação das partes ou de publicação de pauta, em face da celeridade do seu rito e da relevância da pretensão deduzida, que é a garantia do direito de liberdade.

– Constitui-se liberalidade do relator a intimação das partes para sustentação oral em habeas-corpus, não havendo cerceamento de defesa a falta de apreciação da petição do advogado para preferência.

Embargos de declarações rejeitados.”

(STJ/DJU de 16/9/02, pág. 233)

Conforme se vê desta decisão posta em destaque, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Vicente Leal, o julgamento do habeas-corpus independe de intimação das partes, através de prévia publicação da pauta. Portanto, os advogados que tiverem interesse em fazer sustentação oral devem acompanhar junto ao gabinete do juiz, informando-se quanto ao dia em que súplica será levada a julgamento.

Consta do voto do relator:

Voto

Exmo. sr. ministro Vicente Leal (relator): A questão emoldurada nos presentes embargos envolvem a nulidade do julgamento do habeas-corpus, por falta de análise do pedido de preferência e inclusão para dia de julgamento, para assegurar-lhe oportunidade de sustentação oral.

A questão não requer maiores considerações, já sendo matéria debatida no âmbito desta Corte.

Com efeito, a análise do pedido para que fosse o feito julgado na sessão seguinte não pode ser consignada de outra forma, senão como mera liberalidade do relator, haja vista que as disposições legais acerca do trâmite, sequer entra em pauta (CPP, art. 664; RISTJ, arts. 91 e 202).

Outro não é o teor da Súmula n.º 431 do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“O julgamento da petição de habeas-corpus independe de sua inclusão em pauta.”

Assevere-se, por fundamental, que esta colenda Corte já se manifestou em outras ocasiões acerca do tema tendo consignado que, efetivamente, não constitui cerceamento de defesa a falta de prévia comunicação ao advogado que manifesta o desejo de sustentar oralmente em julgamento de habeas-corpus, em virtude de sua natureza especial, que dispensa, inclusão em pauta (EDHC 4.754/RJ; RHC 4.053/RS; HC 14.270/SP).

Acrescenta-se, ainda, que para que se aplique o dispositivo que rege a garantia do direito de defesa, no caso em tela – que não é de nulidade absoluta – faz-se necessária a demonstração inequívoca da ocorrência de prejuízo, o que se mostra impossível, haja vista que não há garantia que outra seria a decisão do habeas corpus em virtude da argumentação oral.

Não vejo, portanto, como censurar o acórdão embargado, não havendo nenhuma omissão que possa ser suprida pela via destes embargos.

Isto posto, rejeito os embargos de declaração.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Fontes de Alencar.

a) Processual Penal. Recurso em Sentido Estrito. Mandado de Segurança para assegurar-lhe efeito suspensivo. Inadmissibilidade; b) Prisão em flagrante. Crime hediondo. Liberdade provisória. Possibilidade.

“HABEAS CORPUS N.º 21.223-SP

REL.: MIN. FERNANDO GONÇALVES

EMENTA: 1 – Recusa o entendimento pretoriano dominante o manejo do mandado de segurança para emprestar efeito suspensivo a recurso em sentido estrito.

2 – O fato de tratar-se de crime hediondo, isoladamente, não é impeditivo da liberdade provisória, haja vista princípios constitucionais regentes da matéria (liberdade provisória, presunção da inocência, etc.). Faz-se mister, então, que, ao lado da configuração idealizada pela Lei n.º 8.072/90, seja demonstrada também a necessidade da prisão. A manutenção da prisão em flagrante só se justifica quando presentes os requisitos ensejadores da preventiva, nos moldes do art. 310, parágrafo único do CPP.

– Habeas corpus concedido.”

(STJ/DJU de 9/9/02, pág. 247)

Na linha de diversos precedentes decidiu o Superior Tribunal de Justiça através de sua 6.ª Turma, relator o ministro Fernando Gonçalves, dois temas importantes.

O primeiro deles, no sentido de que descabe mandado de segurança manejado pelo Ministério Público para conferir efeito suspensivo a Recurso em Sentido Estrito contra concessão de liberdade provisória.

O segundo, em que se proclama mais uma vez que a liberdade provisória pode ser concedida nos caos de flagrante por crime hediondo.

Infelizmente os juízes das instâncias ordinárias têm sido arredios a esse avanço da jurisprudência das instâncias extraordinárias, negando sistematicamente o benefício ante a vedação da Lei n.º 8.072/90, esquecidos, porém, de que acima da legalidade estrita estão as exigências da ordem jurídica e as garantias constitucionais em decorrência das quais ninguém pode permanecer preso se não estiverem presentes os requisitos da prisão cautelar (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e asseguramento da aplicação da lei penal).

VOTO

Exmo sr. ministro Fernando Gonçalves (relator):

De início, consoante já consignado, por ocasião do deferimento da liminar, o entendimento pretoriano se orienta no sentido de não admitir o manejo do mandado de segurança para emprestar efeito suspensivo a recurso em sentido estrito.

A propósito:

“Penal. Habeas corpus. Mandado de segurança. Efeito suspensivo. Recurso em sentido estrito. Liberdade provisória.

Incabível, no caso, o mandado de segurança, conforme pacífica orientação desta Corte, para conferir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto contra decisão concessiva de liberdade provisória. Writ concedido.”(HC n.º 20.939/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 1/7/2002)

“Processual penal. Recurso em sentido estrito. Mandado de segurança para conferir efeito suspensivo. Ministério Público. Ilegitimidade ativa.

– O recurso em sentido estrito, recurso previsto no art. 581 do Código de Processo Penal não tem efeito suspensivo, salvo nas hipóteses previstas no art. 584 do mesmo Diploma, entre as quais não se encontra a decisão concessiva de liberdade provisória.

– O Ministério Público, segundo a melhor orientação jurisprudencial, não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança para conferir efeito suspensivo ao mencionado recurso, desprovido dessa qualidade.

– Recurso não conhecido.” (ROMS n.º 12.795/MG, rel. min. Vicente Leal, DJ de 1/7/2002)

“Processual penal. Liminar em mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público atribuindo efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto contra decisão concessiva de liberdade provisória.

1 – O deferimento da liminar em mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público para atribuir efeito suspensivo a recurso no sentido estrito e interposto contra decisão concessiva de liberdade segundo entendimento pretoriano, empresta a este recurso uma amplitude e um efeito que a lei não lhe reconhece, inclusive dando margem à interpretação analógica, com o uso de “remédio constitucional voltado em primeira sede para tutelar direitos não amparados por habeas corpus que tiveram sua nascente na violação da liberdade mediata”.

2. Habeas corpus concedido.” (HC 6.562/RJ, rel. min. Fernando Gonçalves, DJ de 2/2/98)

Como se não bastasse, a autoridade apontada como coatora, ao deferir a liminar, louva-se, única e exclusivamente, na hediondez do delito.

A esse respeito, a jurisprudência desta Corte vem atenuando o rigor da Lei n.º 8.072/90 no tocante à impossibilidade de concessão de liberdade provisória, haja vista os princípios constitucionais regentes da matéria (liberdade provisória, presunção de inocência e obrigatoriedade de fundamentação das decisões). Assim, ante o único fato da configuração de crime hediondo ou afim, sem qualquer outra demonstração de real necessidade, nem tampouco da presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, injustificável se apresenta a prisão (art. 310, parágrafo único do CPP).

Nesse sentido, verbis:

“Penal. Prisão. Liberdade provisória. Sentença de Pronúncia. Fundamentação. Crime hediondo.

– As circunstâncias de que a prisão foi decretada na sentença de pronúncia e o fato de que se cuida de crime classificado como hediondo, não impedem, por si só, a liberdade provisória.

– Demonstrado que a decisão da custódia carece de fundamentação válida e substanciosa, e não justificada, suficientemente, a sua necessidade, merece prosperar o pedido.

– Habeas corpus concedido.” (HC n.º 5.247/RJ, rel. min. William Patterson, DJ de 4.8.97)

Ante o exposto, concedo a ordem.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Fontes de Alencar e Vicente Leal.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.