Habeas Corpus. Tráfico de entorpecentes. Direito de apelar em liberdade. Ordem concedida.

EMENTA

1. Não se mostra razoável negar ao paciente o direito de apelar em liberdade, se assim permaneceu por vários meses no curso da ação penal, em virtude do relaxamento da prisão em flagrante por excesso de prazo, sem que se extraia da sentença que tenha causado embaraços ao bom andamento do processo ou se envolvido em outra prática delituosa.

2. Habeas corpus concedido para assegurar ao paciente o direito de apelar em liberdade.

(STJ/DJU de 22/8/05, pág. 346)

Mesmo nos crimes hediondos, ou assemelhados, pode o condenado que respondeu o processo em liberdade, apelar sem necessidade de se recolher à prisão. É o que consta da presente decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Paulo Gallotti.

Consta do voto do relator:

O Senhor Ministro Paulo Gallotti (Relator): O writ deve ser concedido.

Extrai-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante, mas teve sua custódia relaxada pelo magistrado de primeiro grau em vista do reconhecimento da existência de excesso de prazo, permanecendo, então, desde fevereiro de 2002, portanto há um ano e meio, em liberdade mediante o compromisso de comparecimento mensal em juízo.

Contudo, por ocasião da sentença condenatória, foi determinada sua custódia cautelar aos seguintes fundamentos, verbis:

?A despeito do quanto gizado no art. 594 do CPP, a não mais subsistir a causa a determinar sua liberdade durante a instrução processual, inadmissível o direito de apelar em liberdade (Lei n.º 6.368/76, art. 35). Isso porque tal delito, além de gravíssimo e equiparado a hediondo pela Carta Maior de 1988, intranqüiliza a sociedade, por seus efeitos nefastos a destruir a família e o próprio homem, motivo pelo qual a garantia de ordem pública determina seu recolhimento cautelar (CPP, art. 312).

Expeça-se mandado de prisão em virtude dessa sentença penal condenatória.? (fl. 196 -apenso II)

A prisão processual, tem proclamado com insistência a doutrina e a jurisprudência, está associada indelevelmente à idéia de necessidade, vale dizer, que se deixe evidenciado que se mostra necessária, processualmente falando, a segregação do réu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, cuja prolação, por si só, não faz certa a expedição de mandado de prisão.

Ora, a circunstância de ter o paciente permanecido em liberdade por vários meses, sem que se colha da sentença que tenha causado embaraços ao bom andamento do processo ou se envolvido em outra prática delituosa, está a revelar a desnecessidade de sua custódia, não obstante o disposto no artigo 35 da Lei n.º 6.368/76, não se mostrando razoável negar-lhe o direito de apelar em liberdade.

Vejam-se os precedentes:

A – ?CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. CUSTÓDIA RESTABELECIDA NA PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. CUSTÓDIA BASEADA EM MERAS CONJECTURAS E PROBABILIDADES. PRISÃO REVOGADA POR EXCESSO DE PRAZO. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE PARTE DA INSTRUÇÃO SEM CRIAR OBSTÁCULO AO ANDAMENTO DO FEITO. NECESSIDADE DA MEDIDA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM CONCEDIDA.

Exige-se concreta motivação do decreto de prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante.

Juízos de mera probabilidade não podem servir de motivação à

custódia para a conveniência da instrução criminal.

Não pode deixar de ser considerada a circunstância de o paciente ter permanecido solto desde a concessão de habeas corpus pelo Tribunal a quo, assim permanecendo por quase 3 meses até a sentença de pronúncia, que restabeleceu a custódia preventiva, não havendo notícias de que tenha causado qualquer obstáculo ao regular andamento do feito.

Tratando-se de réu que permaneceu solto durante parte da instrução, sem suscitar embaraços ao trâmite processual, e diante da inexistência de suficiente fundamentação quanto à necessidade da custódia, deve ser reconhecido o seu direito de aguardar em liberdade o julgamento pelo Tribunal do Júri.

Ordem concedida para revogar a prisão cautelar efetivada contra David Florindo de Freitas, determinando a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem fixadas pelo Julgador monocrático, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia.?

(HC n.º 18.421/MG, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de 16/9/2002)

B – ?HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. APELO EM LIBERDADE. RÉU QUE RESPONDEU SOLTO AO PROCESSO DA AÇÃO PENAL. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO AO FUNDAMENTO DA HEDIONDEZ DO DELITO E DA PRESUNÇÃO DE FUGA. CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A toda evidência, a fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação, não raramente, com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.

3. Tendo o acusado respondido ao processo solto, a circunstância do delito em apuração se tratar daqueles rotulados de hediondo, por si só, não lhe obsta o direito de aguardar, em liberdade, o julgamento do apelo interposto, sendo inaceitável, ademais, para a imposição da custódia cautelar, a mera presunção de que o réu empreenderá fuga do distrito da culpa.

4. Ordem concedida.?

(HC n.º 26.407/RJ, Relator o Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJU de 4/8/2003)

A 3.ª Seção, que compreende a 5.ª e a 6.ª Turma deste Tribunal, por maioria de votos, no julgamento do HC n.º 17.208//CE, DJU de 18/2/2002, para o qual fui designado relator, assentou idêntica compreensão:

?PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 594 DO CPP. RÉUS QUE PERMANECERAM SOLTOS DURANTE TODO O TRANSCORRER DA AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO CONDICIONADO AO RECOLHIMENTO À PRISÃO EM VIRTUDE DE ANTECEDENTES TIDOS COMO NEGATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DA MEDIDA.

1. Em princípio, o réu que esteve em liberdade durante o transcorrer da ação penal tem o direito de aguardar solto o julgamento do recurso que interponha contra a sentença que o condenou.

2. A prisão cautelar, de natureza processual, só pode ser decretada em se mostrando a absoluta necessidade de sua adoção.

3. Ordem de habeas corpus concedida.

Assim, não sendo suficiente a motivação genérica indicada para impor a segregação, mostra-se evidente o constrangimento a que se encontra submetido o paciente.

Diante do exposto, concedo o habeas corpus para assegurar a Fábio Rogério Viana o direito de apelar em liberdade.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Paulo Medina, Fontes de Alencar e Hamilton Carvalhido.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.