Habeas corpus. Tentativa de roubo circunstanciado…

HABEAS CORPUS N.º 112.639 – RS
REL.: MIN. OG FERNANDES
EMENTA

1. Pretensão de absolvição do paciente ao argumento de que sua conduta se restringiu aos preparatórios do roubo, não havendo falar em tentativa.

2. Matéria que esbarra na impossibilidade de se proceder, na via eleita do habeas corpus, ao revolvimento das provas já examinadas pelas instâncias ordinárias.

3. O Tribunal de origem, de forma fundamentada, concluiu, na espécie, ter o paciente dado início, juntamente com os demais corréus, aos atos executórios do crime de roubo, que somente não se consumou em razão da pronta intervenção policial.

4. A jurisprudência desta Corte tem proclamado que inquéritos ou ações penais em andamento não podem ser levados em conta para efeito de fixação da pena-base acima do mínimo, em respeito ao princípio da presunção de inocência.

5. Segundo entendimento pacífico deste Tribunal, ainda que se trate de roubo duplamente circunstanciado, a fixação do respectivo coeficiente de aumento exige fundamentação concreta, não bastando a alusão à quantidade de majorantes.

6. Ordem parcialmente concedida para, reduzido, de ofício, o coeficiente de aumento do roubo circunstanciado a 1/3 (um terço), estabelecer as penas a que foi condenado o paciente, na ação penal aqui tratada, em 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a serem cumpridos inicialmente no regime fechado, e pagamento de 5 (cinco) dias-multa.

(STJ/DJe de 28/9/2009)

Segue a conclusão do voto do Relator:

TENTATIVA. QUANTUM DE DIMINUIÇÃO.

Tendo sido o agente preso em flagrante antes mesmo de adentrar residência da vítima, fica claro que recém havia iniciado o iter riminis do delito de furto, razão pela qual a mitigação em decorrência do reconhecimento da tentativa deve se dar em patamar máximo.

Desta forma, entendo caracterizada a tentativa no caso em apreço, não e podendo falar em prática de meros atos preparatórios, mas sim em atos de execução.

O Professor Guilherme de Souza Nucci, em seu Manual de Direito Penal, ão Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2.ª ed., p. 303, embora reconheça o prestígio da teoria objetivo-formal, afirma que (…) qualquer teoria, à luz do caso concreto, pode ganhar contornos diferenciados, pois tudo depende das provas produzidas nos autos do inquérito (antes do oferecimento da denúncia ou queixa, voltando-se à formação da convicção do órgão acusatório) ou do processo (antes da sentença, tendo por fim a formação da convicção do julgador).

Afirma, noutro passo, a impetração que:

(…) decisão proferida pela Oitava Câmara Criminal do TJRS não aplicou corretamente o artigo 59 do CP ao fixar a pena-base pela prática do delito de roubo tentado descrito na denúncia, tampouco apresentou qualquer motivação idônea para fixar o regime fechado para o início de cumprimento da pena carcerária, deixando de aplicar o art. 33, § 2.º, “b”, do CP, acabando por contrariar a legislação penal vigente. Além disso, o decisum apresenta fundamentos manifestamente contrários às provas dos autos, ferindo os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e necessidade. (fl. 7)

Enfatiza, ademais, que:

“o paciente é primário e de bons antecedentes, tanto é verdade que o Ministério Público reconheceu esta condição na fl. 97, e o magistrado utilizou esse fundamento (primariedade) quando concedeu a liberdade na fl. 101, e mais, existem no processo, além das informações policiais da vida pregressa do paciente das fls. 75/76, outras certidões cartorárias, fls. 113, 336, as quais atestam a primariedade do paciente, comprovando, assim, que o acórdão se afastou contundentemente das informações dos autos, merecendo, portanto, correção” (fl. 9).

Veja-se o trecho do acórdão que cuida da aplicação da pena:

Fixação das penas em relação ao crime de roubo tentado.

A culpabilidade dos réus revela-se elevada, na medida em que possuíam total conhecimento da ilicitude do ato que praticavam. Vale registrar, neste tópico, o grau acentuado de reprovação deste vetor, tendo em conta o agir extremamente organizado de que se valiam os acusados, porquanto planejaram de forma detalhada o ilícito, estudando previamente a cena do crime.

Acerca da conduta social dos réus, nada há capaz de desaboná-la.

Quanto aos antecedentes, os acusados Éder (fl. 328), André (fl. 330), Paulo Cézar (fl. 331) e Luciano (fl. 333) são tecnicamente primários, porquanto à época do cometimento do fato, 4 de julho de 2001, não registravam outras condenações, o mesmo ocorrendo com Martilene.

Em relação à personalidade, Éder (fl. 328), André (fl. 330), Paulo Cezar (fl. 331) e Luciano (fl. 333), revelam estes tendências a cometimento de ilícitos penais, uma vez que todos registram envolvimentos em outros feitos, como se vê das mencionadas certidões.

Ainda neste ponto, de consignar que restou reconhecido que os citados réus cometeram outros assaltos a agências bancárias, bem assim que pretendiam continuar a delinquir, tendo em vista que já planejavam assalto a outro banco, denotando faziam do crime um meio de subsistência. Acresça-se que em um dos citados assaltos houve morte de um vigia e, mesmo assim, não se intimidaram, continuando na senda criminosa.

Já em relação à Martilene, sua personalidade também se revela desajustada, valorando-se negativamente tal vetor, uma vez que também tinha plena ciência da ilicitude do ato e, na medida do possível, auxiliava seu companheiro no escopo delitivo, atendendo a telefonemas e repassando àquele recados, contribuindo, de forma ativa, com este agir, na organização da empreitada criminosa em comento.

Os motivos revelam-se os naturais à espécie delitiva, destacando-se o lucro fácil neste tocante.

As circunstâncias do crime não favorecem os réus, tendo em vista que lograram escolher, para o cometimento do crime, horário previamente estudado, no qual a agência bancária estaria cheia de clientes, com especial movimento junto ao caixa eletrônico, o que dificultaria, por certo, a atuação dos seguranças do banco e, ainda, facilitaria a escolha de eventual refém.

Quanto às consequências do crime e comportamento da vítima, nada digno de nota, inclusive porque os policiais lograram deter os acusados quando ainda estavam na calçada.

Assim, relativamente aos acusados Éder, André, Paulo Cezar e Luciano, despontando negativamente os vetores da culpabilidade, esta em alto elevado, personalidade e circunstâncias, fixo a pena-base em 06 anos e 06 meses de reclusão.

Realmente, no tocante à personalidade, apontada pelo Tribunal como negativa, tem-se que, para esse fim, considerou-se a existência de processo criminal ainda em curso, consoante se vê da própria certidão indicada no acórdão atacado (fl. 331 dos autos originários).

Contudo, conforme reiterada jurisprudência desta Corte, inquéritos ou ações penais em andamento não podem ser levados em conta para efeito de fixação da pena-base acima do mínimo, em respeito ao princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E RECEPTAÇÃO. NECESSIDADE DE CORRETA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES. DOSIMETRIA DA REPRIMENDA. CONSIDERAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES E PERSONALIDADE DESAJUSTADA COM BASE EM PROCESSOS EM ANDAMENTO E ATOS INFRACIONAIS. ORDEM CONCEDIDA.

1 – As decisões judiciais devem ser cuidadosamente fundamentadas, principalmente na dosimetria da pena, em que se concede ao Juiz um maior arbítrio, de modo que se permita às partes o exame do exercício de tal poder.

2 – Inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem maus antecedentes, má conduta social nem personalidade desajustada, porquanto ainda não se tem contra o réu um título executivo penal definitivo.

3 – Os atos infracionais praticados durante a adolescência do acusado não podem ser considerados como geradores de antecedentes, nem de personalidade desajustada.

4 – Se a maior parte das circunstâncias judiciais foram analisadas em favor do réu e o quantitativo da pena não ultrapassa quatro anos, não se tratando de réu reincidente, desde que o crime tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça justifica-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

5 – Ordem concedida para anular parcialmente à decisão, no que se refere a dosimetria da punição e para o réu Fábio Júnio reconhecer a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade.

(HC n.º 81.866/DF, Relatora a Desembargadora Convocada JANE SILVA, DJU de 15/10/2007)

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. VALORAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES, PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL. PROCESSOS EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. WRIT CONCEDIDO DE OFÍCIO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/2006. PREENCHIMENTO DOS SEUS REQUISITOS. APLICAÇÃO RETROATIVA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. ART. 44 DO CP.

1. A existência de processos em andamento não se mostra adequada à caracterização de maus antecedentes, tampouco para a valoração da personalidade e conduta social do agente.

(…)

(HC 94744/MG, Relator p/ Acórdão Ministro PAULO GALLOTTI, DJe 3/8/2009)

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 171, º 3.º, DO CP. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO. PERSONALIDADE VOLTADA PARA PRÁTICA CRIMINOSA. PROCESSOS EM CURSO. NÃO CONFIGURAÇÃO. REDUÇÃO DA REPRIMENDA OPERADA POR ESTA CORTE. ADVENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. I
– Em respeito ao princípio da presunção de inocência, inquéritos e processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes para exacerbação da pena-base (Precedentes). Da mesma forma, não podem ser tomados como elementos negativos da personalidade do agente (Precedentes).

(…)

(REsp 930376/RS, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJe 3/8/2009)

No mais, a pena-base foi fixada com razoável fundamentação, atendendo aos ditames do art. 59, c/c o art. 68, ambos do Código Penal, sendo valoradas a culpabilidade e as circunstâncias do crime, ambas, como visto, desfavoráveis ao agente, dado o grau de organização e planejamento do crime e a forma de sua execução.

De outra parte, consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, reconhecidas as ditas circunstâncias judiciais desfavoráveis, previstas no art. 59 do Estatuto Repressivo, é cabível a imposição regime prisional mais gravoso ao réu, a teor do disposto no art. 33, § 3.º, do referido diploma.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL PARA O CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA CORPORAL. IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL: 2 ANOS E 6 MESES DE RECLUSÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS SUBJETIVOS. ORDEM DENEGADA.

1. Fixada a pena-base acima do mínimo legal, em razão da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, pormenorizadamente individualizadas, não há qualquer ilegalidade ou abuso na fixação de regime mais gravoso para o início do cumprimento da reprimenda.

2. In casu, a exasperação da pena-base e a conseqüente imposição do regime semiaberto foram devidamente fundamentada pelo Magistrado sentenciante, que levou em consideração não somente o fato de o paciente responder mais dois processos criminais, mas também foram elencadas outras circunstâncias judiciais desfavoráveis, tais como a culpabilidade do réu; sua conduta social reprovável; sua personalidade desvirtuada; e as circunstâncias do crime.

3. (…)

4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer do MPF.” (HC n.º 84.543/MS, Relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU 8/10/2007)
HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO (SEMI-ABERTO) DIANTE DO QUANTUM DA PENA INFLIGIDA. LEGALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 59 E 33, § 2.º, DO CÓDIGO PENAL.

1. A instância ordinária, examinando as circunstâncias judiciais do caso concreto, as considerou desfavoráveis ao réu, razão pela qual, fundamentadamente, fixou a pena-base acima do mínimo legal. E, valendo-se da interpretação conjunta dos arts. 59 e 33, § 2.º, ambos do Código Penal, sem qualquer ilegalidade, impôs regime prisional mais gravoso. Precedentes desta Corte Superior.

2. Ordem denegada”. (HC n.º 55.367/SP, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJU de 4/12/2006)

HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. ALEGAÇÃO DE CRIME CULPOSO E NÃO DOLOSO. MATÉRIA DE PROVA. VIA INADEQUADA. REGIME SEMI-ABERTO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRÁTICA DE OUTRO CRIME. LATROCÍNIO. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. DEFICIÊNCIA DE DEFESA. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO (SÚMULA 523 DO STF). ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO. OFENDIDO. PREVISÃO DO ART. 268 DO CPP.

(…)

Em regra, o regime tem direta ligação com o quantum da pena, porém, diante de aspectos do caso, tais como, circunstâncias desfavoráveis, o Juiz pode fixar um regime mais gravoso do que o normal para o cumprimento da pena.

(…)

Ordem denegada. (HC 77967/SP, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 6/10/2008)

Verifico, ao fim, a existência de constrangimento ilegal a ser sanado de ofício.

Com efeito, vê-se que o aumento, na terceira etapa de aplicação da pena, foi estabelecido em metade com base unicamente no número de majorantes do roubo, o que vai de encontro à jurisprudência desta Corte.

Confiram-se estes precedentes:

1. (…)

2. (…)

3. Em se tratando de roubo com a presença de mais de uma causa de aumento, a majoração da pena acima do mínimo legal (um terço) requer devida fundamentação, com referência a circunstâncias concretas que justifiquem um acréscimo mais expressivo, não sendo suficiente a simples menção ao número de causas de aumento de pena presentes no caso em análise. (HC-68.641/SP, Relatora Ministra Maria Thereza, DJe de 26/5/08)

1. (…)

2. A presença de duas majorantes no crime de roubo (emprego de arma de fogo e concurso de agentes) não é causa obrigatória de majoração da punição em percentual acima do mínimo previsto, a menos que seja constatada a existência de circunstâncias que indiquem a necessidade da exasperação, o que não se deu na espécie. (HC-114.298/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 28/10/08)

Dito isso, a pena deve ser redimensionada, o que faço desde já.

Por persistirem, como observado, duas circunstâncias desfavoráveis culpabilidade e circunstâncias do crime , fixo a pena-base em 5 (cinco) anos de reclusão e 12 (doze) dias-multa.

Por conta da majorante de concurso de agentes e emprego de arma de fogo, elevo as penas em 1/3 (um terço), perfazendo 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, que, reduzidos em 2/3 (dois terços) pela tentativa, resultam em 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 5 (cinco) dias-multa.

Acrescidos 2 (dois) anos de reclusão, pela condenação pelo crime formação de quadrilha, tem-se a reprimenda final de 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e 5 (cinco) dias-multa.

Diante do exposto, concedo parcialmente o habeas corpus para, reduzido, de ofício, o coeficiente de aumento do roubo circunstanciado a 1/3 (um terço), estabelecer as penas a que foi condenado o paciente na ação penal aqui tratada em 4 (anos), 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a serem cumpridos inicialmente no regime fechado, e pagamento de 5 (cinco) dias-multa.

É como voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.