Habeas corpus. Tentativa de furto…

Habeas corpus. Tentativa de furto. Princípio da insignificância. Réu reincidente. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida.

HABEAS CORPUS N.º 132.492 – MS
Rel.: Min. Celso Limongi (Des. Conv. do TJ/SP)

1. A reincidência e os maus antecedentes não impedem a aplicação do princípio da insignificância.

2. O pequeno valor do bem subtraído é insuficiente para caracterizar o fato típico previsto no artigo 155 do Código Penal.

3. Constrangimento ilegal caracterizado.

4. Ordem concedida.
(STJ/DJe de 8/9/2009)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, Relator o Ministro Celso Limongi, que a reincidência e os maus antecedentes não impedem a aplicação do princípio da insignificância.

A reincidência e os maus antecedentes dizem respeito com a pessoa do infrator, enquanto que o pequeníssimo valor da coisa é pertinente ao objeto material do delito.

Votaram com o Relator Celso Limongi os Ministros Haroldo Rodrigues (Des. Conv. do TJ/CE), Nilson Naves, Maria Thereza de Assis Moura e Og Fernandes.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador

Convocado do TJ/SP) (Relator): O paciente foi denunciado e condenado, porque no dia 09 de janeiro de 2008, no interior de um coletivo, teria tentado subtrair uma carteira de cor marrom pertencente a Tadanobu Jyoboji. Como a polícia fora acionada, o paciente jogou a carteira no chão. A esposa do ofendido apontou o paciente como o autor do furto. No interior da carteira havia a importância de vinte e dois reais e documentos pessoais da vítima. O paciente apresentou documentos falsos aos policiais, com dois nomes diferentes. Os policiais desconfiaram e após muita insistência o paciente forneceu seu verdadeiro nome.

Oferecida a denúncia, foi ela julgada procedente e o paciente foi condenado a sete meses de reclusão e ao pagamento de catorze dias-multa, pela tentativa de furto; e a dois anos e seis meses de reclusão e cinquenta dias-multa, pelo uso de documento falso. As penas privativas de liberdade foram substituídas pela restritiva de direitos, na modalidade de prestação de serviços à comunidade.

A r. sentença, no que tange às teses da defesa, assim se pronunciou:

“A tese da Defesa de que deve ser afastada a qualificadora prevista no inciso II do § 4.º do art. 155 do Código Penal deve ser acolhida.

Por outro lado, não deve ser acolhida a alegação de que os objetos alvejados na subtração são de valor ínfimo, eis que o acusado, conforme se verifica da certidão de antecedentes criminais de f. 159-164, possui personalidade voltada para a prática de crimes contra o patrimônio, o que inviabiliza a aplicação da insignificância.

Não foi alegada nem se vislumbra alguma das excludentes de ilicitude.

Por tais razões, a condenação do réu Raimundo de Moraes Pinto como incurso no delito de furto, na forma tentada é medida que se impõe”.

A eminente relatora do recurso de apelação interposto pelo paciente deixou assentado, com relação ao pedido de aplicação do princípio da insignificância que:

“Quanto à aplicação do princípio da insignificância para o delito de uso de documento falso, importante salientar que a vítima, em tais casos, é o Estado, cuja fé pública é violada, trata-se, portanto, de crime formal, não se exigindo, para sua consumação, lesividade a outrem.

Assim, não há falar na aplicação do princípio da insignificância.

………………………………………………….

Quanto à aplicabilidade do princípio da insignificância para o delito na forma tentada, verifico, a f. 24, que o total dos bens que o apelante tentou furtar totaliza R$ 40,00, e, mediante o auto de entrega a f. 25, tais objetos foram restituídos à vítima.

Ademais, filio-me ao pensamento que, se o recorrente ostentar inúmeros antecedentes criminais em crimes contra o patrimônio, tenho que, em tais casos, demonstrada a reiteração delitiva, não deve ser aplicada a atenuante do crime de bagatela.

Dessa forma, nego provimento ao recurso”.

O pequeno valor do objeto subtraído pelo réu – e recuperado pela vítima – permite a aplicação à espécie do princípio da insignificância, como pretende o impetrante.

De fato, o ofendido possuía na carteira apenas a importância de quarenta reais, valor ínfimo e insuficiente para caracterizar o fato típico previsto no artigo 155 do Código Penal.

Em primeiro lugar, a carteira foi devolvida ao ofendido e, ainda que assim não fosse, não teria ele suportado prejuízo significativo, porquanto quarenta reais representa pouco mais que dez por cento do salário mínimo.

Em suma, a conduta do réu não teve nenhuma repercussão social ou econômica a justificar a decisão condenatória, ainda que se considere que a pena aplicada foi de sete meses de reclusão e multa, substituída a primeira pela prestação de serviços à comunidade.

Anote-se, por outro lado, que a os antecedentes criminais ostentados pelo paciente não se erigem em óbice à aplicação do princípio da insignificância, conforme entendimento desta E. Corte.

Confira-se:

CRIMINAL. HC. FURTO. TENTATIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. RES FURTIVA DE VALOR ÍNFIMO. BEM DEVOLVIDO À VÍTIMA. CONDIÇÕES PESSOAIS DO RÉU QUE NÃO IMPEDEM A APLICAÇÃO DO INSTITUTO. POSSIBILIDADE DE HAVER MAIORES VALORES NO INTERIOR DO BEM SUBTRAÍDO. CIRCUNSTÂNCIA ABSTRATA. ORDEM CONCEDIDA.

1- A verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar em consideração a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado.

2- Evidenciado que o bem subtraído possui importância reduzida, uma vez que o valor subtraído soma em média 3% do salário mínimo, além da res furtiva ter sido devolvida à vítima, inexiste repercussão social ou econômica, sendo inconveniente se movimentar o Poder Judiciário para solucionar tal lide. Precedentes.

3- As circunstâncias de caráter pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não devem impedir a aplicação do princípio da insignificância, pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal.

4- A possibilidade de haver outros valores patrimoniais significativos no interior da bolsinha furtada é circunstância abstrata, que não pode ser levada em consideração para afastar a aplicação do mencionado princípio, em especial em casos como o dos autos, onde o bem foi restituído à vítima.

5- Ordem concedida, para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, cassando-se o acórdão impugnado e restabelecendo-se a decisão monocrática que rejeitou a denúncia oferecida pelo órgão ministerial, sob o fundamento de ser aplicável à espécie o princípio da insignificância.

(Habeas corpus n.º 82833/RJ, relatora Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), j. em 4/10/2007).
E:

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS. 02 CARTELAS DE PILHAS E 05 CD´S, ESTIMADOS EM MENOS DE R$ 50,00. PENA DE 02 ANOS E 05 MESES DE RECLUSÃO. ANTECEDENTES CRIMINAIS DESFAVORÁVEIS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.

2. No caso em apreço, o valor total dos bens furtados pelo recorrente, além de ser ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio da vítima, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância. Precedentes.

3. Firme é o posicionamento desta Corte Superior quanto à possibilidade de incidência do princípio da insignificância, mesmo diante da existência de antecedentes criminais desfavoráveis ao acusado. Precedentes.

4. Ordem concedida, para, aplicando o princípio da insignificância, absolver o ora paciente, com fulcro no art. 386, inciso III do Código de Processo Penal, nos termos do parecer ministerial.

(Habeas corpus n.º 110384/DF, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 24/11/2008).

Assim, caracterizado o constrangimento ilegal, a ordem deve ser concedida,para cancelar a condenação relativa ao crime de tentativa de furto, aplicado à espécie o princípio da insignificância, mantida a condenação, no tocante ao crime de uso de documento falso.

Em face do exposto, concedo a ordem, para absolver o paciente da acusação de tentativa de furto, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, reconhecido o princípio da insignificância, mantida a condenação, no que tange ao delito de uso de documento falso.

Como voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magitratura.