?Habeas Corpus?. Recurso. Dispensa da capacidade postulatória.

EMENTA

Versando o processo sobre a ação constitucional de habeas corpus, tem-se a possibilidade de acompanhamento pelo leigo, que pode interpor recurso, sem a exigência de apelação mostrar-se subscrita por profissional da advocacia. Precedentes: Habeas Corpus n.º 73.455-2/DF, Segunda Turma, relator ministro Francisco Rezek, Diário da Justiça de 7 de março de 1997, e Recurso Ordinário em Habeas Corpus n.º 60.421-8/ES, Segunda Turma, relator ministro Moreira Alves, Revista Trimestral de Jurisprudência 108/117-20. O enfoque é linear, alcançando o recurso de juizado especial proferida por força de habeas corpus.?

(STF/DJU de 26/11/04)

Pode o leigo interpor recurso ordinário de ?habeas corpus?, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, relator o ministro Marco Aurélio, apoiado em precedente da Corte.

Consta do voto do Relator:

O senhor ministro Marco Aurélio (relator). Reitero o que tive oportunidade de assentar ao deferir a medida acauteladora:

Abandone-se o rigor técnico formal quando em jogo a liberdade de ir e vir e adentrada a via do habeas corpus. O órgão judicante há de ter os olhos voltados à envergadura dessa ação constitucional, no que o objeto visado é dos mais nobres a preservação da liberdade de ir e vir em face de ato havido como à margem da ordem jurídica em vigor. Daí a irrelevância do fato de a inicial não se mostrar clara no tocante ao pedido. O raciocínio nela desenvolvido direciona, a mais não poder, ao incorformismo quanto à exigência de o recurso interposto no processo revelador de habeas corpus estar subscrito por profissional da advocacia.

No mais, é certo que o recurso ordinário constitucional para o Supremo Tribunal Federal tem como premissa a decisão em habeas corpus, denegatória, formalizada por tribunal que possua qualificação de superior. Ocorre que esta Corte, interpretando a mesma Constituição, em que pese aos parâmetros respectivos ligados à competência, entendeu cumprir-lhe o julgamento de habeas ajuizado contra pronunciamento de turma recursal de juizado especial. Então, há de construir-se, observando-se o preceito regedor do recurso ordinário de forma teleológica, de modo a viabilizar-se o cabimento de ordinário sempre que denegada ordem em habeas corpus ou mandado de segurança. Esse enfoque mostra-se até mesmo harmônico com o Pacto de São José da Costa Rica, no que, mediante o artigo 7.º, prevê o direito do acusado a crivo revisional. A cláusula, em boa hora subscrita pelo Brasil, deve ser tomada com largueza, abandonando-se a mesquinharia interpretativa. Segue-se que o juízo primeiro de admissibilidade olvidou a circunstância de o recurso haver sido interposto em processo revelador de habeas corpus contra decisão em que refutada a argumentação do paciente. Ora, a toda evidência prossegue-se no campo da impetração e surge incongruente concluir-se que, na formalização inicial, dispensável é a presença do profissional da advocacia, mas que, não acolhido o pleito formulado, a revisão do que deliberado somente possa acontecer se houver a interposição de recurso por advogado. Processado o ordinário e ultrapassada a barreira do conhecimento sem se cogitar sequer da possibilidade de concessão de habeas de ofício, o órgão revisor julgará o merecimento, ou não, do que assentado na origem, julgará o próprio habeas corpus, muito embora o fazendo na via recursal, presente a óptica inicialmente implementada.

Vale frisar a impossibilidade de se interpretar a Lei n.º 9.099/95 de modo a tornar linear a atuação de profissional da advocacia, em grau recursal, ainda que se trate de submissão do que decidido no habeas a tribunal. Prevalece o sistema voltado a viabilizar, à exaustão, os pronunciamentos judiciais na ação constitucional, pouco importando esteja o processo em primeira ou segunda instância.

Para efeito de documentação, reproduzo, neste voto, não só as ementas citadas, como também o artigo 7.º do Pacto de São José da Costa Rica, mais precisamente o item 6, transcritos no parecer da Subprocuradora-Geral da República Dra. Delza Curvello Rocha:

12. Nesse sentido, o seguinte precedente:

?EMENTA: HABEAS CORPUS. Inépcia da denúncia. Preclusão. Recurso ordinário. Seguimento negado. Procuração para o advogado: falta. Ordem concedida.

I Alegação de inépcia da denúncia. Questão preclusa ante a existência de sentença condenatória. Precedentes do STF.

II Quem tem legitimação para propor habeas corpus tem também legitimação para dele recorrer. Nas hipóteses de denegação do writ no tribunal de origem, aceita-se a interposição, pelo impetrante – independentemente de habilitação legal ou de representação -, de recurso ordinário constitucional. Tal entendimento se aplica ao impetrante que é bacharel em Direito, sob pena do fracionamento da isonomia em detrimento de quem optou pelos serviços de um advogado.

Ordem parcialmente concedida para determinar o processamento e a subida do recurso ordinário interposto? (HC n.º 73455-3/DF, relator min. Francisco Rezek, DJ de 07/03/1997).

13. E nesse mesmo decisum, o Pretório Excelso destacou parte do voto do eminente ministro Moreira Alves, RHC 60.421/ES, publicado na RTJ 108/117-20, cujo texto pedimos vênia para reproduzi-lo:

?1. Se qualquer pessoa, independente de mandado, pode impetrar habeas corpus em favor de outrem, como o permite o caput do artigo 654 do CPP, não há qualquer razão para que se exija que esse mesmo impetrante só possa recorrer da decisão que indeferiu o habeas corpus se obtiver procuração do paciente. Quem tem legitimidade para propor ação, tem, também, legitimação para recorrer. Improcedente, pois, a preliminar de não-conhecimento levantada no parecer do Ministério Público local?.

14. Finalmente, conforme asseverou o r. despacho que concedeu a liminar, nos presentes autos, o Pacto de San José de Costa Rica, em seu art. 7.º, que dispõe sobre o direito à liberdade pessoal, estabelece que:

?6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juízo ou tribunal competente, a fim de que se decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer de um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa?.

Concedo a ordem, para que seja processado o recurso ordinário.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola de Magistratura.