AgRg no HABEAS CORPUS N.º 42.978/SP

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Rel.: Min. Fernando Gonçalves

EMENTA

PROCESSUAL. COMPETÊNCIA. HABEAS CORPUS. ATO COATOR. JURISDIÇÃO TRABALHISTA. AT. 114, INCISO IV, DA CF/88.

1 – Se o ato atacado, ou seja, a prisão civil, por infidelidade de depósito, em sede de execução, decorre da jurisdição trabalhista, até porque a penhora descumprida, gênese primeira de toda a controvérsia, foi decretada por um juiz do trabalho, não há como fugir da novel regra de competência do art. 114, inciso IV, da Constituição Federal, determinando que o habeas corpus deve ser processado e julgado pela Justiça Trabalhista. Precedente da Corte Especial.

2 – Agravo regimental não provido.

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(STJ/DJU de 06/06/05, pág. 329)

Decidiu a 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Fernando Gonçalves, que, de acordo com a letra do art. 114, inciso IV, da Constituição Federal, na redação da EC 40, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ?habeas corpus? quando o ato questionado envolver matéria sujeita a sua jurisdição.

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Consta do voto do relator:

Exmo. Sr. Ministro Fernando Gonçalves (Relator):

Não há nada a retificar na decisão em análise, porquanto, como visto, está muito bem claro e expresso que o ato atacado, ou seja, a prisão civil, por infidelidade de depósito, em sede de execução, decorre da jurisdição trabalhista, até porque a penhora descumprida, gênese primeira de toda a controvérsia, foi decretada por um juiz do trabalho e, portanto, não há como fugir da novel regra de competência do art. 114, inciso IV, da Constituição Federal:

?Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;?

Assim é a conclusão de José Affonso Dallegrave Neto, no seu trabalho intitulado Primeiras Linhas sobre a Nova Competência da Justiça do Trabalho Fixada pela Reforma do Judiciário (EC n.º 45/2004), publicado in NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, editora LTR, 1.ª edição, 2.ª tiragem, março de 2005:

?As três garantias individuais arroladas no inciso IV do art. 114 são chamadas pela doutrina de remédios constitucionais no sentido de meios postos à disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a intervenção das autoridades competentes, visando sanar as ilegalidades e abusos de poder em detrimento de direitos e interesses individuais, sendo que, alguns desses remédios provocam a atividade jurisdicional sendo, então, alcunhados de ações constitucionais.

O mandado de segurança previsto no art. 5.º, LXIX, se presta a proteger direito líquido e certo, quando o responsável pela ilegalidade ou pelo abuso de poder for autoridade pública ou agente no exercício de atribuições do Poder Público. É cabível por exclusão ao habeas corpus e habeas data, o que vale dizer que somente se interpõe o writ quando o direito não estiver amparado por tais remédios.

O habeas corpus encontra-se previsto no art. 5.º, LXVIII, da CF, servindo para proteger a liberdade de locomoção de todo aquele que sofre ou se ache ameaçado em seu direito de ir e vir, decorrente de ato ilegal ou abuso de poder.

Finalmente, a terceira garantia apontada é o habeas data contemplado no art. 5.º, LXXII, da CF. Trata-se de remédio constitucional que se presta para proteger a intimidade do indivíduo em relação ao conhecimento de informações relativas a sua pessoa, constantes dos registros ou banco de dados públicos ou mesmo para retificar tais dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.

Observa-se pela atenta leitura do novo art. 114, IV, da CF, que a competência da Justiça do Trabalho para apreciar esses três remédios constitucionais se limita a coibir apenas e tão-somente atos que envolvam matéria sujeita à sua jurisdição.

Assim, o mandado de segurança no processo de trabalho é cabível, por exemplo, contra ato do juiz que determina a penhora em dinheiro em execução provisória, nos casos em que o impetrante (executado) nomeou outros bens para constrição (OJ-SDI-II n.º 62) ou mesmo para cassar liminar concedida em ação civil pública (OJ-SDI-II n.º 58).

Quanto ao habeas data vislumbra-se o seu cabimento na Justiça do Trabalho contra informação errônea constante, por exemplo, nos cadastros do MTE que deverá ser notificado na qualidade de impetrado para informar dados da pessoa de determinado fazendeiro em relação à autuação em crime de trabalho forçado. Também é possível vislumbrar a interposição de habeas data na Justiça do Trabalho na hipótese de notificar a Vara ou Tribunal do Trabalho para informar o depoimento de testemunha ou decisão que envolveu ou fez menção à intimidade de terceiro em ação que apura, por exemplo, dano moral decorrente de assédio sexual, transitada em segredo de justiça.

Finalmente, o habeas corpus é cabível apenas contra ato que determina prisão civil de depositário tido por infiel, mas que, por exemplo, deixou de assinar o termo de compromisso no auto de penhora e que, por isso, é acolhida a pretensão do remédio constitucional (OJ-SDI-II n.º 89). Registre-se que nos demais casos em que possa ocorrer prisão proveniente de um processo trabalhista, a competência será sempre da Justiça Federal, vez que, inevitavelmente, a prisão será decorrente da prática de crime, fator que afasta a competência da Justiça do Trabalho que não detém competência para matéria criminal. São, pois, os casos da prisão por desobediência (art. 330, CP), prisão por desacato (art. 331, CP), prisão por falso testemunho ou falsa perícia (art. 342, CP). Nessas situações, havendo flagrante, poderá ocorrer a detenção do suposto autor para lavrar o respectivo auto pela autoridade que tenha atribuição para tanto. Em seguida, o auto deverá ser encaminhado ao Juiz Federal que remeterá ao Ministério Público para oferecimento da denúncia, se for o caso.

Consigne-se, ainda, o curioso caso em que o advogado ou qualquer cidadão podem dar ?voz de prisão? ao magistrado trabalhista, quando do flagrante abuso de autoridade ocorrido, por exemplo, em audiência. Nessa situação, aplicar-se-á a regra do art. 301 do Código de Processo Penal. Eventual prisão do juiz trabalhista diante da incidência de tal crime, poderá ser atacada por habeas corpus interposto não na Justiça do Trabalho, mas na Justiça Federal Comum.

Como se vê a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para esses três remédios constitucionais (habeas corpus, habeas data e mandado de segurança) encontra-se limitada aos atos de sua jurisdição. Tal opção normativa veio ratificar uma tendência jurisprudencial.

Acertou o constituinte derivado-reformador ao pacificar o tema sob a ótica constitucional, vez que, imaginar o contrário, levando tais questões para a órbita da Justiça Federal, implicaria inadmissível cisão da jurisdição trabalhista com graves prejuízos à celeridade processual tão necessária à tutela das garantias individuais.? (fls. 208/210)

Nesse mesmo sentido, o recente pronunciamento da Corte Especial, na assentada de 04 de maio de 2005, ao acolher questão de ordem suscitada pelo Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator do HC 43.120/SP:

?Já decidiu a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça que é da sua competência processar e julgar habeas corpus contra ameaça ou coação ilegal advinda de Juiz do Tribunal Regional de Trabalho (HC 14084-SP, Rel. para acórdão Min. José Delgado). Essa decisão foi proferida em 06 de junho de 2001, e publicada em 20 de maio de 2002.

Ocorre que a Emenda Constitucional n.º 45, de 8 de dezembro de 2004, modificando o art. 114 da Carta Magna, determina que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

?(…)

IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à jurisdição;?

Assim, parece-me que, diante da nova norma constitucional, falece a esta Corte competência para processar e julgar habeas corpus contra ato que determina a prisão civil de depositário infiel nos autos de execução trabalhista.?

Não existe, portanto, antinomia entre o comando do art. 114, inciso IV, da Constituição Federal e aquele inserto no art. 105, inciso I, letra ?c?, do mesmo diploma, pois este último é aplicável justamente quando o ato atacado via habeas corpus não estiver sujeito à jurisdição trabalhista, o que não ocorre na espécie.

Ante o exposto, nego provimento ao regimental.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Aldir Passarinho Júnior e Jorge Scartezzini.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.