Réu não encontrado por erro no mandado. Citação editalícia. Falta de intimação de defensor público para sessão de julgamento. Nulidade. Ordem concedida

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HABEAS CORPUS N.º 92569-3-MS
Rel.: Min. Ricardo Lewandowski
Ementa

I – A nulidade que vicia a citação pessoal do acusado, impedindo-lhe o exercício da auto-defesa e de constituir defensor de sua livre escolha causa prejuízo evidente.
Il – Tal vício pode ser alegado a qualquer tempo, por tratar-se de nulidade absoluta.
III – E imprescindível a intimação pessoal do defensor público para sessão de julgamento, por força do disposto em lei. Precedentes da Corte.
IV – Ordem concedida para anular o processo a partir da citação.
(STF/DJU de 25/4/08)

Decidiu o Supremo Tribunal Federal, através de sua Primeira Turma, por unanimidade, relator o Ministro Ricardo Lewandowski, que a nulidade que vicia a citação pessoal do acusado, impedindo-lhe o exercício da auto-defesa e de constituir defensor de sua livre escolha causa prejuízo evidente, podendo ser argüida a qualquer tempo, por se tratar de nulidade absoluta. Na mesma sessão a Turma decidiu, ainda, que constitui nulidade a falta de intimação de defensor público para a sessão de julgamento.

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Votaram com o relator, os Ministros Carlos Britto, Carmen Lúcia e Menezes Direito.

Consta do voto do Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): O impetrante busca a concessão da ordem para anular sentença condenatória imposta contra o paciente em virtude de duas circunstâncias, as quais, em seu entendimento, caracterizariam nulidades insuperáveis.

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A primeira delas consistiria na indevida citação editalícia do acusado, ocorrida, segundo o impetrante, por erro dos serventuários da Justiça. Estes teriam consignado no mandado de citação endereço diverso daquele que, nos autos, constava como sendo o do paciente.

Essa alegação, merece atenção mais detida, porque teria causado o grave prejuízo ao paciente, consistente na falta de regular citação para os atos do processo.

De fato, o apenso, a fl.22, dá conta de que foi realizada a apreensão e exibição “de papel com o endereço da empresa Nei Motos, Avenida de Moritiba, 23, Parque São Rafael”. Na folha subseqüente encontra-se no qual consta a expressão “Nei Moto -Avinida (sic) Moritiba, 23”.

A carta precatória expedida para a citação do paciente, por sua vez, contempla endereço completamente diverso daquele constante no citado manuscrito.
Transcrevo o que consta da fl. 144 do apenso:
“FINALIDADE: CITAÇÃO E INTERROGATÓRIO DOS RÉUS: Gerson Evaldo Gazito e Jocilgo Bieira, vulgo “função’, brasileiros, sem outras qualificações nos autos, ambos podendo serem encontrados na oficina NEI MOTOS, localizada na rua de Meritiba, n.º 123, Parque São Rafael, nessa cidade e Comarca de São Paulo-SP, sobre os fatos narrados na denúncia (…).”

O mandado, como se vê, transmudou indevidamente o logradouro “Avenida” em “Rua”, o nome “Moritiba” em “Meritiba”, e o número 23 em número 123.
Ao realizar diligências para dar cumprimento ao aludido mandado, o Oficial de Justiça certificou (fls. 160 do apenso): “Eu, Oficial de Justiça, abaixo assinado, CERTIFICO e dou fé que em cumprimento ao mandado retro- mencionado dirigi-me à agência dos Correios de São Mateus e aí sendo fui informado que inexiste no bairro de Parque São Rafael um logradouro de nome Meritiba, existindo, porém, a avenida Baronesa de Muritiba. Sendo assim, dirigi-me ao logradouro indicado e aí sendo DEIXEI DE CITAR os réus GERSON EVALDO GAZITO e JOCILDO VIEIRA, pois não foi possível encontrar em lugar visível o número 123.

Indaguei em diversos pontos da avenida, mas nenhum dos moradores soube informar o paradeiro dos réus, que, portanto, encontram-se em local INCERTO e NÃO SABIDO.”

Observa-se, pois, que ao cumprir a diligencia que lhe foi assinalada pelo juízo, o meirinho logrou encontrar a Avenida correta, desfazendo, assim, o primeiro equívoco do mandado.

Mas não conseguiu superar o segundo erro, visto que buscou – e não encontrou -o número 123 daquela via, pois, o certo seria tentar encontrar o citando no número 23.

Ademais, na certidão de fls. 166 não há qualquer menção a respeito de investigação quanto ao endereço da oficina “Nei Motos”, ainda que superficial, circunstância que causa estranheza, porquanto constava do mandado de citação e poderia ser decisiva para o êxito da diligência.

Diante desses elementos, não há como deixar de considerar que o paciente foi prejudicado por falha do aparelho judiciário, visto afigurar-se perfeitamente plausível a hipótese de que, se procurado no endereço correto, poderia ter sido encontrado para, quiçá, o ato mais importante do processo pena – pedra de toque do devido processo legal -, qual seja o chamamento à lide.

Muito embora tal alegação só tenha sido exteriorizada em sede de habeas corpus, quando já transitada em julgado a decisão condenatória e até mesmo articulada uma ação revisional criminal, não há de se cogitar da preclusão.

É que a ausência de citação pessoal causou prejuízo insanável ao paciente, vez que ficou impossibilitado de exercer a autodefesa e de escolher livremente o seu defensor, garantias, de resto, abrigadas no artigo 8.º.2. d, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, adotada pelo Brasil por meio do Decreto n.º 678, de 1992.

O caráter de vício insanável da ausência de citação escorreita é referendado por nossa doutrina penal, nos seguintes termos: “Essa causa de nulidade – ausência de citação – é corolário natural dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Naturalmente, sem ser citado ou se a citação for feita em desacordo com as normas processuais, prejudicando ou cerceando o réu, é motivo para anulação do feito a partir da ocorrência do vício. Trata-se de nulidade absoluta.”(1)

Esta Corte também já decidiu, no mesmo sentido, assentando que “o meio processual adequado para a anulação no processo, por vício de citação pode ser o habeas corpus” (RHC 61406-0, Rel. Ministro Aldir Passarinho).

Quanto à segunda nulidade alegada, entendo, também, com a devida vênia, ser essencial a intimação pessoal do Defensor Público, para o exercício da ampla defesa, conforme já decidido no HC 70521/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio: INTIMAÇAO – DEFENSOR IA PUBLICA -PESSOALIDADE. Por força da norma inserta no PAR 5.º do artigo 5. da Lei n.º 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, com a redação dada pela Lei n. 7.871/89, a intimação do defensor público ou de quem exerca cargo equivalente há de se fazer de forma pessoal. O preceito e aplicado quando constatada a atuação da procuradoria de Assistência Judiciária da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. O desatendimento a citada formalidade, porque essencial a valia dos atos, resulta na nulidade, impondo-se concessão de ordem para que se observe o dispositivo.”

Isso posto, concedo a ordem de habeas corpus para decretar, em relação ao paciente, a nulidade do processo a partir do ato de citação, nos termos do artigo 573 do CPP.

Nota:

(1) NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 899.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.