Habeas corpus. Oitiva de testemunha de acusa

Faculdade do juiz processante. Nulidade. Inocorrência

HABEAS CORPUS N.º 64.774-SP
Rel.: Min.ª Laurita Vaz
EMENTA

1. Nos termos do art. 209 do Código de Processo Penal, não configura qualquer nulidade a oitiva de testemunha indicada extemporaneamente pela acusação, como testemunha do Juízo, mormente quando não demonstrado prejuízo à Defesa.
2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
3. Ordem denegada.
(STJ/DJU de 12/5/2008)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, pela sua Quinta Turma, que é possível a oitiva como testemunha do juízo, da pessoa indicada, extemporaneamente pela acusação.
Consta do Relatório e do voto da Relatora:

RELATÓRIO

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz:

Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de THIAGO BUCALON DOS REIS, condenado à pena de 2 anos de reclusão, substituída por pena restritiva de direitos consistente em prestação pecuniária, pela prática do crime de furto qualificado, contra acórdão denegatório proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
“Habeas Corpus. Furto. Constrangimento ilegal. Cerceamento de defesa. Inexistente. Testemunha ouvida como de acusação sem que constasse da denúncia. Suprido o equívoco por ter sido a testemunha ouvida como do juízo, com anuência das partes. Ordem denegada”. (fl. 206)

A Impetrante alega, em suma, que o Juízo processante, ao ouvir testemunha arrolada a destempo pela acusação, praticou ato processual nulo pois houve violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

Requer, assim, liminarmente, a declaração de nulidade da ação penal, a partir da audiência de inquirição de testemunhas. No mérito, pugna pela confirmação em definitivo da ordem postulada.

O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fl. 106.
As judiciosas informações foram prestadas às fls. 112/211, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.
O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 213/215, opinando pela denegação da ordem.
É o relatório.

VOTO

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

A ordem não comporta concessão.

Defende o Impetrante que a primeira testemunha da instrução criminal, Cléver Alexandre Pompilio Pinto, foi ouvida como testemunha da acusação, sem estar arrolada na denúncia, o que gera nulidade processual por violação aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Todavia, conforme se vê às fls. 22/23 dos autos, em face de equívoco do Ministério Público, o Juízo processante entendeu por ouvir a testemunha como se fosse do Juízo, o que não configura qualquer nulidade.

Com efeito, é dever do magistrado a busca da verdade real, para a formação de sua convicção e conseqüente prolação de sentença. Assim, julgando necessária a oitiva de outras testemunhas indicadas extemporaneamente pelo Ministério Público, o Juiz pode perfeitamente inquiri-las como testemunhas do Juízo, nos termos do art. 209 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido:

“CRIMINAL. RHC. EXCESSO DE PRAZO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NULIDADE. OITIVA DE TESTEMUNHA PELO JUÍZO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

Alegação de excesso de prazo para a formação da culpa.
Tema que não foi objeto de debate e decisão pelo Tribunal a quo.
O exame da matéria acarretaria indevida supressão de instância.
Julgando necessária a oitiva de outras testemunhas indicadas extemporaneamente pelo Ministério Público, pode o juiz ouvi-las como testemunhas do Juízo, nos termos do art. 209 do CPP.
Recurso parcialmente conhecido e desprovido”. (RHC 10770/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 14/6/2004.)

“CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. NULIDADE. JÚRI ANULADO POR CERCEAMENTO DE DEFESA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA PARA OBSTAR A OITIVA DE DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA. IMPROPRIEDADE DA DECISÃO. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO QUANTO À OITIVA DO DIRETOR DO IML COMO TESTEMUNHA DO JUÍZO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Evidenciado que o primeiro julgamento ao qual o réu foi submetido pelo Tribunal do Júri foi anulado em virtude de cerceamento de defesa, e, não, em razão da suspeição da testemunha Diretor do Instituto Médico Legal – mostra-se imprópria a decisão que, concedendo ordem de habeas corpus, impediu a oitiva da referida testemunha, em segundo julgamento.

Evidenciado que, em nenhum momento, foi afirmada a suspeição do Diretor do IML, ma sim, que a sua oitiva naquela situação específica e da forma como ocorreu causou cerceamento à defesa do réu.

Não há impedimento quanto a sua regular oitiva como testemunha do Juízo.
Irresignação que merece ser provida para cassar da ordem concedida, a fim de que se autorize o depoimento do referido médico.

Recurso especial conhecido e provido, nos termos do voto do relator”. (REsp 418.550/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 4/8/2003.)

Ademais, a Impetrante não demonstrou a existência de prejuízo decorrente da oitiva da testemunha. Diante do princípio de “pás de nullité sans grief”, não há como reconhecer a existência de qualquer nulidade processual.

Ao revés, a Defensora do Paciente estava presente quando da audiência de oitiva da testemunha, inclusive lhe fazendo perguntas, e, durante a instrução, não interpôs qualquer irresignação em face da decisão do Juízo processante que deferiu o pedido ministerial.

Ante o exposto, DENEGO a ordem.

É o voto.

Decisão unânime, votando com a relatora os Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Felix Fischer.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.