HABEAS CORPUS N.º 44.065-BA
Rel.: Min. Paulo Gallotti
EMENTA

continua após a publicidade

1. O fato de o paciente não ter sido encontrado após o crime não constitui, por si só, motivo suficiente para justificar a segregação cautelar, haja vista não ser possível presumir que ele tenha fugido.
2. Ordem concedida.
(STJ/DJU de 25/8/08)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça através de sua Sexta Turma, Rel. o Ministro Paulo Gallotti que o simples fato doa gente não ter sido encontrado após o crime, não justifica a prisão preventiva, pois não é possível conceber a fuga presumida.
Constam do Relatório e do voto do Ministro Relator:

O Senhor Ministro Paulo Gallotti: Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Luciano Alves Marques, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça da Bahia que denegou o writ ali manejado.

continua após a publicidade

Busca o impetrante a revogação da prisão cautelar imposta ao paciente, a quem se imputa a prática de homicídio qualificado, sustentando faltar fundamentação ao respectivo decreto.

A liminar foi indeferida à fl. 63.

continua após a publicidade

Prestadas as informações, a Subprocuradoria-Geral da República opina pela denegação da ordem.

É o relatório.

O Senhor Ministro Paulo Gallotti (Relator): A meu ver, a ordem deve ser concedida.

O decreto de prisão preventiva foi assim vazado:

“Trata-se do delito de homicídio qualificado, tido como hediondo, causando ampla comoção nesta comunidade.
Decretada a prisão do acusado às fls. 56/57, até o momento não foi localizado, tornando-se imperiosa a medida para assegurar a aplicação da lei penal, bem como por conveniência da instrução criminal.

A materialidade encontra-se provada às fls. 63/66, onde consta o laudo cadavérico, concluindo que a vítima faleceu de transfixação torácica, por projéteis de arma de fogo.

Há indícios suficientes de autoria por parte do denunciado, tendo em vista os depoimentos colhidos na fase inquisitorial, pois o delito foi praticado em um bar, na presença de várias testemunhas.

Posto assim, reunidos os ditames autorizadores e legalizadores da custódia cautelar, quais sejam, a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, na pessoa do denunciado, por conveniência da instrução criminal e para garantia da aplicação da lei penal, decreto a prisão preventiva de Luciano Alves Marques, vulgo ‘Luciano Cigano’, nestes autos qualificado e contra ele determino se expeça o competente mandado de prisão.” (fl. 58)

Extrai-se das informações prestadas pelo Juízo de primeiro grau:

“A prisão preventiva foi decretada em 29/12/2004, tendo em vista que o paciente não foi encontrado para cumprimento de prisão temporária durante a fase de investigação (cópias de decreto inclusas)” (fl. 69)

De sua parte, disse o Tribunal de origem:

“Ademais, o decreto prisional, ao contrário do que afirma o paciente, encontra-se suficientemente fundamentado, com o reconhecimento da materialidade do delito e de indícios de autoria, bem como a expressa menção à situação concreta que caracteriza a necessidade de garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal (fuga do réu do distrito da culpa e risco de descrédito na atuação da Justiça), não configurando constrangimento ilegal.

Comprovada a necessidade da prisão preventiva, a primariedade e a eventual ausência de antecedentes do paciente não são suficientes para revogá-la.” (fl. 27)

Assim, tem-se que a prisão preventiva foi decretada exclusivamente em virtude de o paciente não ter sido encontrado após o crime, o que não constitui, por si só, motivo suficiente para justificar a segregação cautelar, haja vista não ser possível presumir que ele tenha fugido.

Vejam-se os precedentes:

A – “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. CRIME HEDIONDO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INDEFERIMENTO DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. RÉU QUE RESPONDEU SOLTO O PROCESSO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. ILEGALIDADE. FUGA DO RÉU APÓS A EXPEDIÇÃO DE MANDADO DO PRISÃO. FATO INIDÔNEO PARA RESPALDAR A CONSTRIÇÃO ILEGAL.

1. A jurisprudência desta Corte tem assentado o entendimento de que, se o réu permaneceu solto durante toda a instrução criminal, sem criar qualquer embaraço ao processo e sem representar ameaça ao meio social, tem o direito de apelar em liberdade. A custódia é medida excepcional e só pode ser decretada quando baseada em fatos concretos que apontem para a sua necessidade, mesmo em se tratado de crime hediondo.

2. A fuga do acusado é elemento suficiente para embasar a custódia cautelar, quando denota a sua intenção de furtar-se à aplicação da lei penal. Não é o caso dos autos, contudo.

3. Há de se fazer uma distinção necessária: por um lado, quem foge, após o cometimento do crime, para não ser pego ou simplesmente evade-se, com claro intuito de evitar o processo, dá ensejo à decretação de prisão preventiva, como medida cautelar para garantir a aplicação da lei penal; de outro lado, quem se mostra diligente, atento aos chamamentos da Justiça, não deve ser compelido a submeter-se à prisão cautelar para, só então, discutir sua legalidade. Neste último caso, a rejeição ao imediato cumprimento da medida constritiva, considerada injusta, é compreensiva, e legítima, quando, prontamente, o réu se insurge contra o ato, deduzindo suas razões em instrumento próprio para desconstituir a coação tida por ilegal, mormente se, de fato, ela se mostra desprovida de motivação idônea.

4. Ordem concedida para deferir a liberdade provisória ao Paciente, determinando o normal processamento da apelação interposta, sem prejuízo de eventual decretação de custódia cautelar, devidamente fundamentada por motivo superveniente.”

(HC n.º 42.225/SP, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJU de 3/10/2005)

B – “Prisão preventiva (requisitos). Decreto (insuficiente fundamentação). Revogação (caso).

1. Pode ser decretada pela autoridade judiciária a prisão preventiva por meio de despacho (ou decisão) sempre fundamentado, em qualquer fase do inquérito ou da instrução.

2. A fuga do réu não justifica, por si só, o decreto prisional.

3. Carecendo o ato judicial de suficiente fundamentação, carece de legalidade; caso, portanto, de constrangimento ilegal.

4. Habeas corpus deferido para se revogar a prisão preventiva.”

(HC n.º 42.493/PB, Relator o Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJU de 3/10/2005)

Ante o exposto, concedo a ordem para revogar o decreto de prisão.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Paulo Medina, Hélio Quaglia Barbosa e Nilson Naves.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.