Habeas corpus. Furto qualificado…

Interrogatório por videoconferência. Nulidade absoluta. Ofensa ao princípio do devido processo legal e seus consectários

HABEAS CORPUS N.º 77.860-SP
Rel.: Min. Arnaldo Esteves Lima
EMENTA

1. O interrogatório judicial realizado por meio de videoconferência é absolutamente nulo, pois viola o princípio constitucional do devido processo legal e seus consectários.
2. Em regra, a realização de audiências, sessões e atos processuais devem ser públicos e ocorrer na sede do juízo ou no Tribunal onde atua o órgão jurisdicional, nos termos do art. 792 do CPP.
3. Ordem concedida para anular a Ação Penal 51919/2005 desde o interrogatório judicial, inclusive.
(STJ/DJU de 2/2/09)

Em decisão unânime, proclamaram os Ministros integrantes da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que o interrogatório judicial realizado por meio de videoconferência é nulo por ofensa ao princípio do devido processo legal. O julgado teve por Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, acompanhado por seus pares, os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Felix Fischer e Laurita Vaz.

Consta do voto do Relator:

Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator):
Por meio deste writ, o impetrante busca anular o interrogatório do réu, uma vez que foi realizado pelo sistema de videoconferência.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que o sistema de videoconferência viola o princípio do devido processo legal e seus consectários, assegurados pelo art. 5.º, inciso LV, da Carta da República, conforme noticiado no Informativo do STF n.º 476, em referência ao julgamento do HC 88.914-0, da relatoria do eminente Ministro CEZAR PELUSO, cujo teor segue transcrito:

A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de paciente cujo interrogatório fora realizado por videoconferência, no estabelecimento prisional em que recolhido, sem que o magistrado declinasse as razões para a escolha desse sistema. Na espécie, o paciente não fora citado ou requisitado para se defender, mas apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no mesmo dia em que o interrogatório acontecera. Por ocasião da defesa prévia, pleiteara-se a nulidade do interrogatório e, em conseqüência, a realização de outro, na presença do juiz. O pedido restara indeferido e o paciente, condenado, apelara da sentença e, em preliminar, reiterara a nulidade do feito. Sem sucesso, a defesa impetrara idêntica medida no STJ, denegada, ao fundamento de que o interrogatório mediante teleconferência, em tempo real, não ofenderia o princípio do devido processo legal e seus consectários, bem como de que não demonstrado o prejuízo. Entendeu-se que o interrogatório do paciente, realizado – ainda na vigência da redação original do art. 185 do CPP – por teleaudiência, estaria eivado de nulidade, porque violado o seu direito de estar, no ato, perante o juiz.

Inicialmente, aduziu-se que a defesa pode ser exercitada na conjugação da defesa técnica e da autodefesa, esta, consubstanciada nos direitos de audiência e de presença/participação, sobretudo no ato do interrogatório, o qual deve ser tratado como meio de defesa. Nesse sentido, asseverou-se que o princípio do devido processo legal (CF, art. 5.º, LV) pressupõe a regularidade do procedimento, a qual nasce da observância das leis processuais penais. Assim, nos termos do Código de Processo Penal, a regra é a realização de audiências, sessões e atos processuais na sede do juízo ou no tribunal onde atua o órgão jurisdicional (CPP, art. 792), não estando a videoconferência prevista no ordenamento. E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-la deveria ser motivada, com demonstração de sua excepcional necessidade no caso concreto, o que não ocorrera na espécie. Ressaltou-se, ademais, que o projeto de lei que possibilitava o interrogatório por meio de tal sistema (PL 5.073/2001) fora rejeitado e que, de acordo com a lei vigente (CPP, art. 185), o acusado, ainda que preso, deve comparecer perante a autoridade judiciária para ser interrogado. Entendeu-se, no ponto, que em termos de garantia individual, o virtual não valeria como se real ou atual fosse, haja vista que a expressão “perante” não contemplaria a possibilidade de que esse ato seja realizado on-line. Afastaram-se, ademais, as invocações de celeridade, redução dos custos e segurança referidas pelos favoráveis à adoção desse sistema. Considerou-se, pois, que o interrogatório por meio de teleconferência viola a publicidade dos atos processuais e que o prejuízo advindo de sua ocorrência seria intuitivo, embora de demonstração impossível. Concluiu-se que a inteireza do processo penal exige defesa efetiva, por força da Constituição que a garante em plenitude, e que, quando impedido o regular exercício da autodefesa, em virtude da adoção de procedimento sequer previsto em lei, restringir-se-ia a defesa penal. HC 88914/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 14/8/2007. (HC-88914)

Dessa forma, tem-se que o interrogatório judicial realizado à distância ofende o princípio do devido processo legal e seus consectários, sobretudo a amplitude de defesa, na medida em que é subtraída do acusado a possibilidade de estar na presença do magistrado, restringindo a autodefesa e a publicidade dos atos processuais, cujo prejuízo seria intuitivo, de impossível demonstração.

Além disso, conforme preceitua o art. 792 do Código de Processo Penal, em regra, a realização de audiências, sessões e atos processuais devem ser públicos e ocorrer na sede do juízo ou no Tribunal onde atua o órgão jurisdicional.

Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para anular a Ação Penal 51919/2005 que tramitou perante a 25.ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP, desde o interrogatório judicial, inclusive.

É o voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.