HABEAS CORPUS N.º 58.926-SP

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Rel.: Min. Laurita Vaz

EMENTA

1. A Lei de Execução Penal busca a reinserção do recluso no convívio social e evidencia, nos termos de seu art. 28, a importância do trabalho para o alcance de tal objetivo.

2. O art. 126, caput, da referida lei, integra essa concepção de incentivo ao trabalho, uma vez que, além de sua finalidade educativa e ressocializadora, tem outro aspecto importante que é o da atenuação de parte da pena privativa de liberdade através da redução que é feita à razão de um dia de pena por três dias de trabalho (remição da pena).

3. A interpretação extensiva do vocábulo ?trabalho?, para alcançar também a atividade estudantil, não afronta o art. 126 da Lei de Execução Penal. É que a mens legislatoris, com o objetivo de ressocializar o condenado para o fim de remição da pena, abrange o estudo, em face da sua inegável relevância para a recuperação social dos encarcerados.

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4. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito à remição da pena em relação aos dias de estudo efetivamente cursados.

(STJ/DJU de 16/10/2006, pág. 404)

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Em vários precedentes o Superior Tribunal de Justiça vem dispensando um tratamento ampliativo ao instituto da remição para fazê-lo abranger, além do trabalho físico, o trabalho intelectual como o estudo. É o que se vê nesta decisão da Quinta Turma, Relatora a Ministra Laurita Vaz.

Consta do voto da Relatora:

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

A ordem merece concessão.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça tem aplicado, reiteradamente, o entendimento de que a interpretação extensiva do vocábulo ?trabalho?, para alcançar também a atividade estudantil, não afronta o art. 126 da Lei de Execução Penal. É que a mens legislatoris, com o objetivo de ressocializar o condenado para o fim de remição da pena, abrange o estudo, em face da sua inegável relevância para a recuperação social dos encarcerados.

Depreende-se da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal o intuito da legislação de estabelecer que ?as penas e as medidas de segurança devem realizar a proteção de bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade?, sendo disposto no seu art. 1.º, in verbis:

?art. 1.º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.?

Como se vê, busca a Lei de Execução Penal a reinserção do recluso no convívio social e evidencia, nos termos de seu art. 28, a importância do trabalho para o alcance de tal objetivo.

O art. 126, caput, da referida lei, integra essa concepção de incentivo ao trabalho, uma vez que, além de sua finalidade educativa e ressocializadora, tem outro aspecto importante que é o da atenuação de parte da pena privativa de liberdade através da redução que é feita à razão de um dia de pena por três dias de trabalho. É a chamada remição de parte da pena privativa de liberdade em face dos dias trabalhados.

Não vislumbro, porém, justificativa em não estender a aplicação do instituto da remição aos condenados que freqüentam cursos de instrução escolar nos presídios, como no caso em tela.

O conceito lato de trabalho, entendido como uma atividade coordenada, de caráter físico ou intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento, conforme bem observado no acórdão ora hostilizado, engloba o ensino ministrado aos condenados nos estabelecimentos prisionais, que, aliás, exerce também, de forma relevante, uma grande influência na recuperação social dos encarcerados e no seu preparo intelectual para a sua melhor integração na comunidade.

Atende, assim, à exata intenção da Lei de Execução Penal, com respaldo na própria Constituição Federal, que prescreve ser ?A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho? (art. 205), sendo assegurada, inclusive, para os que a ela não tiveram acesso na idade própria (art. 208, I).

Nesse contexto, não vislumbro afronta ao art. 126 da Lei de Execução Penal, mas tão-somente a existência de uma interpretação extensiva, objetivando alcançar a mens legislatoris de ressocializar o condenado, entendendo, pois, estar a atividade estudantil do condenado inserida no conceito de trabalho, para o fim de remição da pena.

Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes desta Egrégia Quinta Turma:

?CRIMINAL. RESP. REMIÇÃO. FREQÜÊNCIA EM AULAS DE ALFABETIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 126 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. RECURSO DESPROVIDO.

I. A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação.

II. A interpretação extensiva ou analógica do vocábulo ?trabalho?, para abarcar também o estudo, longe de afrontar o caput do art. 126 da Lei de Execução Penal, lhe deu, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de se ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, uma vez que a atividade estudantil, tanto ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa perfeitamente à finalidade do instituto.

III. Sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva se impõe in casu, se considerarmos que a educação formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade.

IV. Recurso desprovido.? (REsp 445.942/RS, Quinta Turma, rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 25/8/2003.)

?RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. ATIVIDADE ESTUDANTIL. POSSIBILIDADE. FINALIDADE. REINTEGRAÇÃO DO CONDENADO À SOCIEDADE.

1. A Lei de Execução Penal busca a reinserção do recluso no convívio social e evidencia, nos termos de seu art. 28, a importância do trabalho para o alcance de tal objetivo.

2. O art. 126, caput, da referida lei, integra essa concepção de incentivo ao trabalho, uma vez que, além de sua finalidade educativa e ressocializadora, tem outro aspecto importante que é o da atenuação de parte da pena privativa de liberdade através da redução que é feita à razão de um dia de pena por três dias de trabalho (remição da pena).

3. A interpretação extensiva do vocábulo ?trabalho?, para alcançar também a atividade estudantil, não afronta o art. 126 da Lei de Execução Penal. É que a mens legislatoris, com o objetivo de ressocializar o condenado para o fim de remição da pena, abrange o estudo, em face da sua inegável relevância para a recuperação social dos encarcerados.

4. Recurso não conhecido.? (Resp 256.273/PR, 5.ª Turma, da minha relatoria, DJ de 6/6/2005.)

Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM para assegurar ao paciente o direito à remição da pena em relação aos dias de estudo efetivamente cursados.

É o voto.

Decisão unânime, votando com a Relatora os Ministros Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer.

Habeas Corpus. Processo penal. Suspeito. Inexistência de inquérito instaurado. Restrição ao paciente de deixar o país sem autorização. Constrangimento ilegal.

HABEAS CORPUS N.º 64.656-RJ

Rel.: Min.ª Laurita Vaz

EMENTA

1. Até o presente momento, inexiste razão concreta para restringir o direito de locomoção do ainda mero suspeito, já que sequer há indiciamento em inquérito. Nesse contexto, mesmo que passível de alteração futura, se mostra desarrazoada a medida cautelar restritiva consistente em ter de pedir autorização ao Juízo para se ausentar do país.

2. Ordem concedida para revogar a restrição imposta ao Paciente pelo Juízo Federal da 5.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ, sem prejuízo da decretação da mesma medida cautelar, ou de outras, se houver alteração no quadro fático-processual que as recomendem.

(STJ/DJU de 5/2/2007)

Se o suspeito de ser o autor dos fatos sequer foi indiciado, não tem cabimento o despacho que lhe proíbe deixar o país sem autorização. Decisão da Quinta Turma, Relatora a Ministra Laurita Vaz, com o seguinte voto condutor:

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

Consta nos autos o ora Paciente foi indiciado em Inquérito da Polícia Federal oriundo da nominada ?Operação Monte Éden?, sendo investigado sob suspeita de participação, como cliente do escritório de advocacia OLIVEIRA NEVES, em esquema oferecido por organização criminosa instituída para promover a chamada ?blindagem patrimonial?, ocultando bens e dinheiro das autoridades estatais. Como resultado dessas investigações, foi oferecida denúncia contra outras onze pessoas pretensamente envolvidas, exclusive o Paciente.

Segundo esclareceu o Juízo Federal da 5.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ, em suas informações complementares, in verbis:

?[…] destaco que em manifestação apresentada pelo Ministério Público Federal às fls. 1629 verso, foi informado a este juízo que a denúncia oferecida no presente feito refere-se a uma parte do esquema criminoso investigado, já tendo sido extraídas cópias do presente feito visando a instauração de novo inquérito policial vinculado ao presente. Aduz que a investigação referente a Rogério Wagner é objeto de novo inquérito policial instaurado, para oferecimento de novas denúncias que se façam necessárias. Em consulta ao sistema processual da Justiça Federal (APOLO), não foi encontrado nenhum registro em nome do paciente.?

Ora, com se vê, até o momento, inexiste razão concreta para restringir o direito de locomoção do ainda mero suspeito, já que sequer há indiciamento em inquérito. Nesse contexto atual, mesmo que passível de alteração futura, se mostra desarrazoada a medida cautelar restritiva consistente em ter de pedir autorização ao Juízo para se ausentar do país.

Conforme bem anotado no parecer ministerial, litteris:

?[…] se na Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro não existe qualquer processo penal ou procedimento investigatório criminal contra o paciente, importa em constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção ter que sempre pedir autorização ao Juiz Federal daquela Seção Judiciária para deixar o País.?

Ante o exposto, CONCEDO a ordem para revogar a restrição imposta ao Paciente pelo Juízo Federal da 5.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ, sem prejuízo da decretação da mesma medida cautelar, ou de outras, se houver alteração no quadro fático-processual que as recomendem.

É o voto.

Decisão unânime, votando com a Relatora os Ministros Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer.

Ronaldo Botelho é advogado eprofessor da Escola da Magistratura.