Habeas Corpus. Execução Penal. Posse de aparelho celular. Conduta prevista como falta grave em resolução estadual. Impossibilidade.

EMENTA

1. Não cabe à autoridade estadual, de acordo com o art. 49 da Lei de Execução Penal, dispor sobre as faltas disciplinares de natureza grave, aplicando-se, nessa seara, as normas constantes da Lei de Execuções Penais.

2. A definição de falta grave, por implicar a restrição de diversos benefícios na execução da pena, como a perda de dias remidos (art. 127 da LEP) e a regressão de regime de cumprimento de pena (art. 118, inciso I, da LEP), deve ser interpretada restritivamente, nos termos do art. 50 do referido diploma legal.

3. A posse de aparelho celular ou de seus componentes, no interior do estabelecimento prisional, não caracteriza falta grave, pois não está elencada no rol taxativo previsto pelo art. 50 da Lei de Execução Penal.

4. Não obstante as conseqüências nefastas que o uso de aparelho celular no interior do cárcere possa representar, não é permitido ao Poder Executivo nem ao Judiciário imiscuirem-se na atividade do legislador.

5. Ordem concedida.

(STJ/DJU de 27/11/06)

Decisão a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, que a posse de aparelho celular no interior dos presídios não configura falta grave, pois não prevista na lei de execução penal.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Félix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz.

Consta do voto do Relator:

Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator):

De acordo com o que dispõe o art. 49 da Lei de Execução Penal, as faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves, cabendo à legislação local especificar as duas primeiras categorias, bem como as respectivas sanções. Depreende-se, pois, que não poderá a autoridade estadual dispor sobre as faltas disciplinares de natureza grave, aplicando-se, nessa seara, as normas constantes da Lei de Execução Penal, transcritas a seguir no que interesse ao exame da controvérsia:

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;

II – fugir;

III – possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;

IV – provocar acidente de trabalho;

V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas;

VI – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.

Art. 51. Comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que:

I – descumprir, injustificadamente, a restrição imposta;

II – retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta;

III – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: (Redação dada pela Lei n.º 10.792, de 1.º/12/2003)

A definição de falta grave, por implicar a restrição de diversos benefícios na execução da pena, como a perda de dias remidos (art. 127 da LEP) e a regressão de regime de cumprimento de pena (art. 118, inciso I, da LEP), deve ser interpretada restritivamente, nos termos do art. 50 do referido diploma legal.

A posse de aparelho celular ou de seus componentes, no interior do estabelecimento prisional, não caracteriza falta grave, pois não está elencada no rol taxativo previsto pelo art. 50 da Lei de Execução Penal.

Por esses motivos, a Resolução n.º 113 da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo exorbitou os limites estabelecidos pela LEP, e, conseqüentemente, a anotação da falta de natureza grave na folha de antecedentes e no roteiro de penas do paciente, com base na referida resolução, configura inegável constrangimento ilegal.

Portanto, não obstante as conseqüências nefastas que o uso de aparelho celular no interior do cárcere possa representar, não é permitido ao Poder Executivo nem ao Judiciário imiscuirem-se na atividade do legislador, sob pena de violação às regras constitucionais de delimitação de competência.

Por fim, a questão já foi objeto de exame pela Quinta Turma deste Tribunal Superior. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes:

Execução penal. Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário. Posse de aparelho celular falta grave. Conduta prevista em resolução estadual. Impossibilidade. Incompetência da administração estadual para definir falta disciplinar de natureza grave.

I – A posse de aparelho celular ou seus componentes pelo detento não caracteriza falta disciplinar de natureza grave.

II – Consoante o disposto no art. 49 da LEP, cabe ao legislador local tão-somente especificar as faltas leves e médias.

Writ concedido. (HC 49.163/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ de 12/6/2006)

Criminal. HC. Execução da pena. Porte de telefone celular e acessórios. Falta grave. Resolução da secretaria de administração penitenciária. Perda dos dias remidos. Constrangimento ilegal. Ordem concedida.

I. Hipótese em que se alega a ocorrência de violação ao princípio da legalidade a punição do paciente, com a perda dos dias remidos, com fulcro em Resolução da Secretaria de Administração Penitenciária que determina ser falta de natureza grave o condenado portar aparelho de telefone celular.

II. Não se caracteriza como constrangimento ilegal a decretação de perda dos dias remidos pelo Juízo da Execução, quando demonstrada a ocorrência de falta grave durante o período de cumprimento da pena privativa de liberdade, ex vi do art. 127 da Lei n.º 7.210/84. Precedentes.

III. Resolução da Secretaria da Administração Penitenciária, ao definir como falta grave o porte de aparelho celular e seus componentes e acessórios, ultrapassou os limites do art. 49 da Lei de Execuções Penais, o qual dispõe que a atuação do Estado deve restringir-se à especificação das faltas leves e médias.

IV. Se a hipótese dos autos não configura falta grave, resta caracterizado constrangimento ilegal decorrente da decretação da perda dos dias remidos pelo trabalho do paciente. Precedente da Turma.

V. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a decisão monocrática que decretou a perda dos dias remidos pelo paciente.

VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (HC 45.278/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ de 15/5/2006)

Ante o exposto, concedo a ordem impetrada para anular a decisão proferida pelo Juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Bauru/SP (Processo n.º 230.123), que determinou a anotação de falta grave na folha de antecedentes e no roteiro de penas do paciente, nos termos do art. 127 da LEP.

É o voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola de Magistratura.