Recurso exclusivo da defesa. Trânsito em julgado da sentença para a acusação. Ne reformatio in pejus. Súmula n.º 160/STF. Ordem concedida.

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HABEAS CORPUS N.º 21.864-MG
Rel.: Min. Paulo Gallotti
EMENTA

1. O juiz de primeiro grau, com base no art. 393 do Código de Processo Penal, pode dar nova classificação jurídica ao fato definido na queixa ou na denúncia ao prolatar a sentença, prescindindo de aditamento da peça exordial ou mesmo de abertura de prazo para a defesa se manifestar, já que o réu se defende dos fatos narrados pela acusação e não dos dispositivos de lei indicados.

2. O art. 617 do Código de Processo Penal, na sua parte final, veda, em recurso exclusivo da defesa, o agravamento da situação imposta ao réu, na linha dos princípios que consagram a vedação da reformatio in pejus e o tantum devolutum quantum apelatum.

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3. O acórdão não poderia ter extrapolado os limites do pedido contido na apelação de Agmar Alves Lopes, prejudicando a situação do paciente, que obteve a desclassificação do crime previsto no art. 12 da Lei n.º 6.368/76 para o delito descrito no art. 16 do mesmo diploma legal, em face da existência de sentença condenatória já transitada em julgado para a acusação.

4. “É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício” (Súmula n.º 160 do STF).

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5. Ordem concedida.

(STJ/DJU de 2/2/09)

O Superior Tribunal de Justiça através de sua Sexta Turma, Relator o Ministro Paulo Gallotti decidiu por unanimidade de votos que o Tribunal de Justiça não pode desclassificar para delito mais grave a condenação já transitada em julgado, para a acusação, pois fere os princípios da NE reformatio in pejus e o tantun devolutum quantum apelatum.
Consta do voto do Relator, acompanhado pelos Ministros Paulo Medina e Hamilton Carvalhido:

O Senhor Ministro Paulo Gallotti (Relator): Colhe-se do processado, em síntese, que o Juiz de Direito proferiu sentença condenatória contra o paciente e os demais réus, antes do julgamento do recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, onde se atacava o despacho que rejeitou em parte a denúncia oferecida pelo parquet.
Impõe-se notar que a peça acusatória foi rejeitada quanto ao réu Nélio Lúcio Felipe dos Santos, por não haver indícios de sua autoria no crime, sendo recebida, entretanto, em relação aos demais acusados, Agmar Alves Lopes, Renato Xavier e Maurício Marquez Pinto, ora paciente, só que, em relação aos dois últimos, o Juiz de Direito operou a desclassificação do crime previsto no art. 12 da Lei n.º 6.368/76 para o delito descrito no art. 16 do mesmo diploma legal.
Como é cediço, o juiz de primeiro grau, com base no art. 393 do Código de Processo Penal, pode dar nova classificação jurídica ao fato definido na queixa ou na denúncia ao prolatar a sentença, prescindindo de aditamento da peça exordial ou mesmo de abertura de prazo para a defesa se manifestar, já que ela se defende dos fatos que lhe são imputados pela acusação e não dos dispositivos de lei indicados.

Vejam-se:

A – “PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CAPITULAÇÃO DO CRIME. DESCLASSIFICAÇÃO. MOMENTO PROCESSUAL.
– Oferecida a denúncia pelo Ministério Público, com a capitulação do fato atribuído ao réu em determinado tipo criminal, e recebida a peça de acusação em sede de razoável juízo de admissibilidade, a desclassificação do delito pelo Juiz somente tem ensejo no momento da prolação da sentença.

– Habeas corpus denegado.”  (HC n.º 19.317/SP, Relator o Ministro VICENTE LEAL, DJU 06/05/2002) B – “PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME PRATICADO POR PREFEITO (DL 201/67). RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VALORAÇÃO JURÍDICA E IMPUTATIO FACTI.

No ato do recebimento da denúncia, em regra, é incabível alterar a valoração jurídica efetivada pelo Parquet. O acusado se defende da imputatio facti. A imputatio iuris, em princípio, só pode ser alterada nas hipóteses estabelecidas em lei (arts. 410, 569, 383 e 384 do CPP). Recurso provido.”

(REsp n.º 250.976/RS, Relator o Ministro FELIX FISCHER, DJU 14/8/2000)

Contra a decisão desclassificatória, o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito que, salvo exceções taxativamente enumeradas no Código de Processo Penal, as quais não ocorrem na espécie, não possui efeito suspensivo.
Diante disso e da ausência de requerimento do parquet para que fosse atribuído o aludido efeito suspensivo ao seu recurso, entendo que o juiz sentenciante não estava obrigado, ante a legislação vigente, a aguardar o julgamento do recurso pelo Tribunal de origem, não obstante a conveniência de tal medida, até mesmo para se evitar julgamentos conflitantes entre a 1.ª e 2.ª instâncias.

De outra parte, registra-se que apenas o réu Agmar Alves Lopes apelou da sentença condenatória, sustentando em suas razões recursais, em síntese, ausência de provas suficientes de sua autoria e da materialidade do delito capaz de levá-lo à condenação com base no art. 12 da Lei 6.368/76, requerendo, ao final, a sua absolvição, ou então, a redução da pena privativa de liberdade.

O Tribunal de origem, entretanto, julgou prejudicada a apelação, anulando, de oficio, o processo, desde a citação de todos os denunciados, nos termos do que foi decidido no recurso em sentido estrito.

Não se pode esquecer, no entanto, do disposto no art. 617 do Código de Processo Penal, na sua parte final, que veda, em recurso exclusivo da defesa, o agravamento da situação imposta ao réu, na linha dos princípios que consagram a vedação da reformatio in pejus e o tantum devolutum quantum apelatum.

Sendo assim, o acórdão ora atacado não poderia ter extrapolado os limites do pedido contido na apelação de Agmar Alves Lopes, prejudicando a situação do ora paciente, que obteve a desclassificação do crime previsto no art. 12 da Lei n.º 6.368/76 para o delito descrito no art. 16 do mesmo diploma legal, em face da existência de sentença condenatória já transitada em julgado para a acusação.

De qualquer modo, mesmo que se admitisse a nulidade do feito, esta seria de natureza relativa, a reclamar, para a sua declaração, além da argüição oportuna, a demonstração do prejuízo resultante, o que não ocorreu no caso.

Vale extrair o disposto na Súmula n.º 160 do STF: “É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.

Pelo exposto, concedo a ordem pleiteada para trancar a ação penal reiniciada contra o paciente, determinado, ex officio, que o Tribunal de origem aprecie a apelação interposta pelo réu Agmar Alves Lopes no limites do seu pedido.

É o voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.