Habeas corpus. Decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça em recurso especial. Ofensa ao princípio da colegialidade.

Decisão singular que dá provimento ao recurso, alterando a classificação da conduta, a partir de um juízo de mérito da causa, viola o princípio da colegialidade, nos termos da Lei n.º 8.038/90 e do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Habeas corpus deferido.

(STF/DJU de 13/10/06)

O Supremo Tribunal Federal, através de sua Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Britto, anulou decisão do Superior Tribunal de Justiça em que o Ministro Relator de recurso especial havia, em decisão monocrática, dado provimento ao recurso para desclassificar a infração, em exame de mérito.

Consta do voto do Relator:

O Senhor Ministro Carlos Ayres Britto (Relator)

Conforme visto, a controvérsia jurídica a ser equacionada no presente writ consiste em saber se: a) a decisão do Superior Tribunal de Justiça ofendeu o princípio da colegialidade; b) ao cassar a decisão do Tribunal Estadual, deveria ou não a Corte Superior de Justiça fixar a reprimenda a ser cumprida pelo paciente.

6. Antes de tudo, cumpre esclarecer que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do caput do art. 12 da Lei n.º 6.368/76, por haverem sido encontradas em seu poder ?duas porções de maconha, pesando aproximadamente 12,93 (doze gramas e noventa e três centigramas), que destinava a comercialização, sem possuir, contudo, autorização legal? (fls. 17). A denúncia, no entanto, foi julgada parcialmente procedente para condenar o réu nas penas do art. 16 da mesma lei (uso próprio). Daí o inconformismo do Parquet estadual, que, requerendo a condenação nos moldes da peça acusatória, apelou ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Tribunal que negou provimento, ao entendimento de que, ?não restando comprovado que acusado exerce o comércio de drogas, correta é a sentença que desclassificou o crime tipificado no artigo 12 da Lei n.º 6.368/76, para o artigo 16 da referida Lei?. Esse o motivo por que, o Ministério Público interpôs o Recurso Especial, cuja decisão é impugnada neste writ.

7. Feitos esses esclarecimentos, passo a analisar os temas da impetração. Ao fazê-lo, anoto que a primeira impressão acerca da quaestio iuris, externada na decisão que deferiu a liminar, se reforça nesse exame mais aprofundado do writ. É que a Lei n.º 8.038/90 ? instituidora de normas para os processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal ? só autoriza o julgamento monocrático de recurso quando este ?haja perdido seu objeto? ou quando for ?manifestamente intempestivo, incabível ou, improcedente ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal?. No mesmo sentido é o Regimento Interno do STJ, no inciso XVIII do art. 34. Todavia, não é esse o caso dos autos, no qual o Relator deu provimento ao recurso para alterar a classificação da conduta, a partir de um juízo de mérito da causa. Veja-se:

?A questão, in casu, orbita em saber se a pequena quantidade de droga apreendida, associada a inexistência de provas de mercancia, sugerem a desclassificação da conduta denunciada nos termos da ementa do acórdão recorrido, de onde se extrai que ?inexistindo provas da traficância, impõem-se a desclassificação para o crime do artigo 16, da Lei n.º 6.368/76? (fl. 77).

Penso que não. A caracterização da forma privilegiada do tipo exige sua comprovação, afastando-se eventual presunção, máxime quando a conduta típica narrada na denúncia restou comprovada.

(…)

Pelo exposto, dou provimento ao presente recurso para afastar a necessidade de comprovação de finalidade específica para a caracterização do crime de tráfico, condenando o recorrido nos termos da denúncia, devendo os autos baixarem ao Tribunal a quo para fixação da pena?.

8. Sigo adiante para dizer que, no tocante ao dever de fixar a pena, igualmente tem razão o impetrante. Isso porque a decisão do Superior Tribunal de Justiça não identificou nulidade no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça mineiro. Pelo que, ao rescindir aquele julgado e pronunciar outro em sentido diverso, deveria a Corte Superior fixar o quantum da pena em que entendeu incurso o réu. É essa a lição de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes, in verbis:

?O juízo ad quem reúne de regra as funções rescisória e rescindente, de modo que no julgamento da apelação haverá substituição da sentença por outra, exceto nos casos de reconhecimento de nulidade em que há cassação da decisão recorrida.? (GRINOVER, Ada Pellegrini. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos, recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 113.) 9. Não destoou desse pensar o Ministério Público Federal, de cujo parecer pinço esta elucidativa passagem:

?(…) tendo o julgado em apelação expressamente confirmado a correção da sentença ao desclassificar a infração (…), se cassado, dito julgado, por reconhecer-se a realidade do tráfico de entorpecentes, e não do uso próprio, ao Colegiado Superior de cassação, no caso o próprio Superior Tribunal de Justiça, é que competiria a fixação da sanção reclusiva, e não a qualquer das instâncias inferiores, que só se legitimariam a nova decisão caso reconhecido equívoco na fixação da sanção, mas não na definição jurídica do fato?.

10. Por tudo quanto posto, acolho o parecer da Procuradoria-Geral da República e concedo a ordem para cassar a decisão monocrática do Ministro Hélio Quaglia, devendo os autos retornarem ao Superior Tribunal de Justiça a fim de que se submeta o Recurso Especial n.º 716.399 a julgamento colegiado.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

Processual penal. Alegações finais. Inércia do defensor constituído. Imprescindibilidade da intimação do réu.

RECURSO ESPECIAL N.º 457.401-RS

Rel.: Min. Arnaldo Esteves Lima

EMENTA

1. Em caso de inércia do defensor constituído, faz-se mister a intimação do réu, a fim de constituir novo advogado ou, na impossibilidade de tal providência, para que seja assistido por defensor público ou dativo. Precedentes.

2. A apresentação das alegações finais pela defesa é imprescindível ao devido processo legal, motivo pelo qual a prolação da sentença sem que tenha sido suprida omissão ofende a ampla defesa e o contraditório.

3. Recurso provido a fim de anular o processo para que sejam apresentadas as alegações finais.

(STJ/DJU de 25/9/06)

A alegação final é peça essencial do direito de defesa. Assim, a não apresentação das alegações por inércia do defensor constituído impõe a obrigação da intimação do réu para, querendo, constituir novo patrono.

Decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, com o seguinte voto:

Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator):

Encontram-se preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos do recurso especial.

Consta dos autos que PAULO RICARDO MIRANDA SIMÕES foi condenado pela prática do crime de roubo qualificado (art. 157, § 2.º, I e II, do Código Penal) à pena de 6 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, além do pagamento de 100 dias-multa, no valor de 1/10 do salário mínimo.

Inconformado, interpôs recurso de apelação, alegando, em preliminar, nulidade processual por falta de apresentação das alegações finais da defesa, e, no mérito, o afastamento das qualificadoras do crime (fls. 454/456).

O Tribunal a quo negou provimento ao recurso, afastando a preliminar de nulidade processual por entender que a falta de alegações finais não implica a nulidade do processo penal se o defensor constituído pelo réu foi devidamente intimado para apresentá-las e, deliberadamente, não o fez. Sustentou, ainda, que não há falar, na espécie, em ausência de defesa, porquanto ?o advogado constituído ofereceu defesa prévia, com rol de testemunhas (fl. 117), compareceu às audiências da instrução (fls. 231, 263 e 284), requereu a re-inquirição dos acusados (fl. 119), requereu a substituição de testemunha (fl. 121) e, como bem lembrou o douto Promotor de Justiça, intentou, com sucesso, habeas corpus liberatório em favor do apelante? (fl. 484).

No presente recurso especial, sustenta o recorrente que esse entendimento da Corte de origem contraria o disposto no art. 500 do Código de Processo Penal, ao argumento de que ?ter defensor que deixa de apresentar alegações finais em favor do réu, malgrado a tanto intimado, é o mesmo que não ter o réu defensor, o que é positivamente inaceitável, no processo penal moderno, que não pode convalidar julgamento sem defesa? (fl. 505).

Merece prosperar o inconformismo recursal. Este Tribunal adota o entendimento de que, em caso de inércia do defensor constituído, faz-se mister a intimação do réu, a fim de constituir novo advogado ou, na impossibilidade de tal providência, para que seja assistido por defensor público ou dativo (HC 22.157/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ de 11/11/2002, p. 235; HC 13.971/RJ, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ de 5/3/2001; HC 10.120/MS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, DJ de 18/10/1999).

Com efeito, a apresentação das alegações finais pela defesa é imprescindível ao devido processo legal, implicando sua ausência o comprometimento da ampla defesa e do contraditório. Vale ressaltar que as diligências empreendidas pelo advogado do réu na fase da defesa prévia, bem como na fase de instrução, não suprem a inexistência de alegações finais, ao contrário do entendimento firmado pela Corte de origem.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 500, DO CPP. ALEGAÇÕES FINAIS. NÃO APRESENTAÇÃO A DESPEITO DA REGULAR INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. NULIDADE.

As alegações finais, imediatamente anteriores ao iudicium causae, constituem peça imprescindível ao processo, sendo que sua ausência compromete a ampla defesa e o próprio contraditório.

Writ concedido. (HC 34.354/SC, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 18/10/2004)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO QUALIFICADO. PENA REDUZIDA. REGIME SEMI-ABERTO, ADEQUAÇÃO DO REGIME. REVISÃO CRIMINAL. MATÉRIA PREJUDICADA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS. NULIDADE.

1. Alegações finais constituem peça imprescindível ao processo, sendo que o não oferecimento compromete a ampla defesa e o próprio contraditório.

2. Ordem concedida a fim de que, anulado o feito, sejam apresentadas as alegações finais, ficando prejudicadas as questões referentes à demora no julgamento da Revisão Criminal e fixação de regime mais brando para o cumprimento da pena. (HC 40.961/RS, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Sexta Turma, DJ 6/3/2006)

HC. PROCESSUAL PENAL. TESE NEGATIVA DE AUTORIA. IMPROPRIEDADE DO WRIT. ALEGAÇÕES FINAIS. NÃO-OFERECIMENTO. NULIDADE INSANÁVEL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

II. A ausência da apresentação das alegações finais de defesa acarreta a nulidade do feito, configurando ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

III. Ordem parcialmente concedida para anular o feito desde a fase do art. 500 do CPP, a fim de que sejam apresentadas as derradeiras razões em favor do paciente. (HC 9.336/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 16/8/1999)

PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS. NULIDADE.

1. A falta de alegações finais, imediatamente anteriores ao julgamento do mérito da causa, consubstanciam-se em termo essencial do processo penal, razão pela qual a sua ausência implica em nulidade, por ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Precedentes.

2. Recurso Ordinário provido. (RHC 10.186/RS, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, Quinta Turma, DJ 2/4/2001)

Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal:

HABEAS-CORPUS. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA, PORQUE O ADVOGADO CONSTITUÍDO NÃO APRESENTOU ALEGAÇÕES FINAIS, APESAR DE INTIMADO, NEM O ACUSADO FORA NOTIFICADO DA OMISSÃO E NÃO FORA NOMEADO DEFENSOR DATIVO. NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DAS ALEGAÇÕES FINAIS. ORDEM DEFERIDA.

1. As alegações finais do réu são peça essencial do processo-crime, e o Juiz não deve sentenciar antes de suprir a omissão do defensor.

2. A omissão de apresentação das alegações finais, ainda que intimado o defensor constituído, configura ofensa ao direito de ampla defesa e ao princípio do contraditório, evidenciando-se prejuízo para o réu.

Habeas-corpus deferido (HC 73.227/RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, DJ 25/10/1996)

HABEAS CORPUS. ALEGAÇÕES FINAIS. ADVOGADO CONSTITUÍDO. SENTENÇA.

As alegações finais do réu são peça essencial do processo-crime, e o Juiz não deve sentenciar antes de suprir a omissão do defensor. (HC 64.687/RS, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, DJ 15/4/87)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial a fim de anular o processo, desde a fase do art. 500 do Código de Processo Penal, para conceder ao réu a oportunidade de apresentação das alegações finais.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.