Paciente patrocinado por advogado diverso do indicado no interrogatório judicial. Nulidade. Cerceamento de defesa. Demonstração de prejuízo.

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HABEAS CORPUS N.º 70.850-MG

Rel.: Min.ª Laurita Vaz

EMENTA

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1. Em homenagem ao princípio da ampla defesa, o acusado tem o direito de constituir advogado de sua confiança para atuar no processo-crime a que responde.

2. Patente o constrangimento ilegal quando o patrocínio da causa do Paciente é feito por causídico diverso do nomeado verbalmente quando do interrogatório, e o advogado que o defende, além de não indicar testemunhas na defesa prévia, sequer suscita a tese de inocência, defendida pelo acusado quando do seu interrogatório, em alegações finais.

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3. Ordem concedida para anular para anular o processo-crime desde a defesa prévia, com a expedição da alvará de soltura em favor do Paciente.
(STJ/DJU de 12/5/08)

Sendo direito do réu constituir advogado para sua defesa, configura constrangimento ilegal quando a causa é patrocinada por causídico diverso do nomeado no interrogatório judicial. Nulidade.

Constam do Relatório e do voto da Ministra Relatora:

RELATÓRIO

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz:

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Paulo Roberto de Carvalho, condenado por tentativa do crime de roubo circunstanciado, à pena de 4 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que denegou a ordem originária, nos termos da ementa a seguir transcrita, in verbis:

“HABEAS CORPUS – NULIDADE PROCESSUAL – ESTREITA SEDE DO HABEAS CORPUS – ORDEM DENEGADA.

Revela-se inviável a anulação do processo, por suposto cerceamento de defesa, quando pelo exame dos autos, se verifica que o réu, em que pese à não-intimação do advogado constituído no interrogatório, terminou sendo assistido por profissional de sua confiança, não se podendo vislumbrar, outrossim, no estreito limite de conhecimento do mandamus, a ocorrência de prejuízo derivado daquela irregularidade.” (fl. 333)

No presente writ, alega o Impetrante, em suma, a ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que o advogado constituído pelo ora Paciente no interrogatório judicial não foi intimado para apresentar defesa prévia, tampouco para os atos processuais subseqüentes.

Ressalta, ainda, ter o Juízo da origem admitido tacitamente uma advogada no processo, “sem que a mesma, sequer, tivesse, procuração ou substabelecimento nos autos” (fl. 06), negando, assim, ao ora Paciente “a oportunidade de ter sua defesa técnica exercida por profissional de sua livre escolha” (fl. 07).

Aduz, por fim, ter havido manifesto prejuízo à defesa do Paciente, uma vez que a defesa prévia apresentada pela advogada estranha ao processo, não arrolou qualquer testemunha em seu favor.

Requer, pois, liminarmente e no mérito, o reconhecimento das nulidade ora apontadas, retornando o feito “à fase do art. 395 do Código de Processo Penal, ensejando-se ao advogado constituído no interrogatório judicial oportunidade para oferecimento de defesa prévia, expedindo-se-lhe o competente alvará de soltura.” (fl. 14)

O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 346/347.
As judiciosas informações foram prestadas às fls. 352/358, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 361/363, opinando pela denegação da ordem, em parecer assim ementado:

“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. NULIDADES. APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA E OUTRAS PEÇAS POR ADVOGADO DIVERSO DO INDICADO PELO RÉU, ORA PACIENTE. ACEITAÇÃO IMPLÍCITA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DESNECESSIDADE DA ANULAÇÃO DO PROCESSO.

Pela denegação da ordem.”

É o relatório.

VOTO

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

A ordem comporta concessão.

Constata-se dos autos que o ora Paciente, quando do seu interrogatório judicial (fl. 138), indicou como advogado o Dr. João Batista de Lima Rezende, declinando seu endereço profissional e telefone. Não obstante, sua defesa foi patrocinada pela dr.ª Adenir Compri (fl. 141), que apresentou defesa prévia, participou de todos os atos processuais, e apresentou alegações finais. Ao que se tem, foi ela nomeada como defensora no auto de prisão em flagrante, onde o Paciente informou estar “sendo assistido pela Dr.ª Adenir Compri, advogada militante em Mogi Guaçu/SP, inscrita na OAB/SP n.º 70.254/SP.”

É cediço que em homenagem ao princípio da ampla defesa, o acusado tem o direito de constituir advogado de sua confiança para atuar no processo-crime a que responde.

Ressaltou o parecer ministerial, manifestando-se pela denegação da ordem, que “a ausência de defensor constitui nulidade absoluta, mas a realização da defesa por advogado que não o indicado pelo réu constitui apenas nulidade relativa, cujo reconhecimento depende de alegação oportuna e da demonstração do prejuízo” (fl. 362).

De fato, em princípio não existe nulidade decorrente do fato de o patrocínio da causa do Paciente ter sido feito pela advogada por ele indicada quando da sua prisão em flagrante, no lugar do causídico indicado posteriormente, também de forma verbal quando do interrogatório.

É que, na hipótese resta evidenciado prejuízo à defesa do acusado.

Conforme afirma o Impetrante, a advogada não arrolou qualquer testemunha de defesa por ocasião da defesa prévia.

Ademais, da acurada leitura dos autos, vê-se que o Paciente afirmou, quando do seu interrogatório, que somente foi contratado para dirigir um caminhão e ignorava que o veículo era produto de roubo. Ocorre que, essa tese defensiva de inocência sequer foi suscitada quando das alegações finais, tendo a advogada requerido em favor do Paciente “o mínimo da pena no crime de tentativa em regime aberto” (fl. 176).

Nesse sentido:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. RÉU INDEFESO.

I No âmbito do processo penal há a necessidade de que se garanta ao réu o pleno exercício do seu direito de defesa, que deve ser efetivo, real, e não apenas pro forma.

II Resta caracterizada a falta de defesa do réu, e não apenas a sua deficiência, se o defensor, não obstante tenha apresentado defesa prévia e alegações finais, o fez apenas formalmente, assumindo postura praticamente contrária aos interesses do réu, não só ao deixar de sustentar a posição apresentada pelo próprio acusado no interrogatório, no sentido da desclassificação para o delito do art. 16 da Lei 6.368/76, mas também ao postular a condenação, ainda que a pena mínima, por delito mais grave do que o admitido. Tudo isto, sem ao menos interpor apelação ao sobrevir condenação a pena superior ao mínimo legal.

III A concreta e objetiva inércia ou indiferença da defesa é de ser equiparada, conforme dicção da melhor doutrina, à sua inexistência (Precedentes).

Writ concedido.” (HC 16.620/MG, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 12/11/2001.)

Ante o exposto, CONCEDO a ordem para anular o processo-crime desde a defesa prévia, com a expedição da alvará de soltura em favor do Paciente, diante o evidente excesso de prazo na formação da culpa resultante da necessidade de se renovar a instrução criminal.

É o voto.

Decisão da Quinta Turma do STJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz, acompanhada pelos Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Felix Fischer.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura do Paraná.