“RECURSO ESPECIAL N.º 103.842-SP

REL.: Min. Barros Monteiro

EMENTA – É válida a intimação da empresa na pessoa do advogado chefe de seu Departamento Jurídico, por haver sido alcançada a finalidade do ato: conhecimento inequívoco da decisão proferida.

– Inexistência de contrariedade, no caso, dos arts. 12, VI, e 238 do CPC, tampouco aperfeiçoado o dissídio de julgados.

Recurso especial não conhecido.”

(STJ/DJU de 02/12/02, pág. 312)

Dentro do princípio de que a “concepção moderna do processo, como instrumento de realização da justiça, repudia o excesso de formalismo, que culmina por inviabilizá-lo”, admitiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, relator o ministro Barros Monteiro, como válida a intimação da empresa na pessoa do advogado chefe de seu Departamento Júridico.

Consta do voto do relator:

O sr. ministro Barros Monteiro (relator):

1. Não colhe a preliminar suscitada pelo douto Ministério Público Estadual tocante à admissibilidade deste recurso especial, em face do verbete sumular n.º 88 desta Corte. É que, no caso, tratando de Acórdão proferido em sede de agravo de instrumento, incabível, de qualquer modo, o recurso preconizado de embargos infringentes.

2. Também desassiste razão à ilustrada Subprocuradoria Geral da República no ponto alusivo à incidência, na espécie, da regra inscrita no art. 542, § 3.º, do CPC. Na verdade, cuidando-se de decisão proferida em processo falimentar, não haverá a “decisão final” a que se reporta a última parte do mencionado inciso legal.

3. Para intimar a ora recursante da decisão que tornara ineficaz, em relação à Massa Falida, a dação em pagamento celebrada, expediu-se carta precatória à Comarca do Rio de Janeiro, a qual foi cumprida na pessoa do chefe do Departamento Jurídico da empresa, dr. Sóstenes Luiz Ferreira (fl. 379).

A despeito de noticiar ao meirinho que iria comparecer a cartório para tomar as providências necessárias quanto à intimação feita, o prazo recursal correspondente exauriu-se in albis.

Posteriormente, em cumprimento àquela decisão, expediu-se nova deprecata com o escopo de obter a restituição do veículo objeto da dação em pagamento. Somente então fez a ora recorrente uso do agravo de instrumento, tido como intempestivo.

Realmente, não lhe assiste razão ao insurgir-se contra o v. Acórdão, ao argumento de que a primeira intimação se operara de modo irregular, na pessoa do chefe do Departamento Jurídico da empresa.

De início, cabe ressaltar-se que ninguém mais indicado do que o advogado chefe do Departamento Jurídico da recorrente para tomar conhecimento da referida decisão interlocutória proferida pelo juiz singular. Cuidava-se precisamente do desate de uma solução jurídica, cuja impugnação deveria ter sido efetivada por ele próprio. Vale acentuar, a propósito, que o decisum objeto da intimação fora trasladado, em seu interior, na própria peça então extraída (fl. 373 v.), de tal sorte que não se pode falar em cerceamento de defesa. Além disso, há a ressaltar-se que o dr. Sóstenes Luiz Ferreira recebeu a contrafé, exarou o seu ciente e ainda informou ao oficial de justiça que iria tomar as providências necessárias. Quer dizer, não pôs, em nenhum momento, dúvida alguma no que tange à sua legitimidade para receber tal informação.

Não existe motivo, assim, para pronunciar-se a nulidade argüida, uma vez que o ato processual em tela alcançou a sua finalidade: dar conhecimento à empresa acerca do decisório prolatado pelo MM. juiz de Direito; e essa ciência, pode dizer-se, em face da situação descrita, foi inequívoca.

Consoante já deixou anotado esta Quarta Turma, em Acórdão sob a relatoria do sr. ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: “A concepção moderna do processo, como instrumento de realização da justiça, repudia o excesso de formalismo, que culmina por inviabilizá-lo” (REsp n.º 15.713-MG). Predomina hoje, com efeito, o princípio da instrumentalidade das formas (Embargos de Divergência no REsp n.º 156.970-SP, relator ministro Vicente Leal).

Em suma, não há no caso afronta aos arts. 12, VI, e 238 do CPC, porquanto a ora recorrente teve inequívoco conhecimento da decisão posteriormente e a destempo impugnada. Tampouco se reputa aperfeiçoado o dissenso de julgados, eis que o Aresto paradigma não levou em conta a situação fática peculiar à hipótese sub judice.

4. Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.

É o meu voto.

Decisão por unanimidade, votando com o relator os ministros César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Júnior.

Processual Penal. Prisão preventiva – Crime hediondo. Necessidade “sempre”, de concreta fundamentação.

“HABEAS CORPUS N.º 21.910-SP

REL.: MIN. GILSON DIPP

EMENTA – 1 – Exige-se concreta motivação do decreto de prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante.

II – A mera alusão à existência de indícios de autoria não é suficiente para motivar a custódia excepcional como garantia da conveniência da instrução criminal e da aplicação da lei penal.

III – O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta para que seja determinada a segregação.

IV – Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva, ainda mais considerando que o acusado compareceu espontaneamente perante o Juízo para ser interrogado.

V – Ordem concedida para revogar a prisão cautelar efetivada contra WILSON FERREIRA, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo julgador de 1.º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.”

(STJ/DJU de 21/10/02, pág. 378)

Para a decretação da custódia preventiva exige-se muito mais do que um discurso falacioso. É necessária, sempre, mesmo em hipótese de crime hediondo, a concreta fundamentação, demonstrando a necessidade da custódia. Assim decidiu mais um vez o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator o ministro Gilson Dipp, com o seguinte voto condutor:

O Exmo. sr. ministro Gilson Dipp (relator):

Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido pela Segunda Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem em que se pretendia a revogação da prisão preventiva decretada contra WILSON FERREIRA.

A impetração alega que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal, em razão da insuficiência de fundamentação do decreto prisional.

Merece prosperar a irresignação.

O MM. juiz moncorático, ao receber a denúncia, decretou a custódia preventiva do paciente, com base nos seguintes fundamentos:

“(…)

Haja vista as declarações das testemunhas e da ofendida, prestadas em inquérito policial, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA DO ACUSADO, acolhendo a representação do MP.

Atentado violado ao pudor é crime considerado hediondo pelo legislador. Há indícios de autoria do fato e a custódia do réu é necessária à instrução para a colheita isenta de provas e para garantir a futura aplicação da lei penal” (fls. 13/14).

O requerimento formulado pelo Parquet possui o seguinte teor:

“(…)

Considerando-se que existem indícios suficientes de autoria e visando-se à manutenção da ordem pública, dada a gravidade do delito, requeiro, com fulcro no artigo 312, do Código de Processo Penal, a prisão preventiva de WILSON FERREIRA”(fl. 12).

Note-se que não houve, em nenhum momento, o exame de qualquer fato concreto a justificar a manutenção da medida constritiva excepcional com base na garantia da ordem pública, para a aplicação da lei penal, ou, ainda, por conveniência da instrução criminal.

Ao contrário, a motivação foi restrita à existência de indícios de autoria e ao fato de se tratar de crime hediondo, não tendo sido ressaltados aspectos materialmente concretos hábeis a fundamentar a prisão como garantia da “futura aplicação da lei penal” ou da “colheita isenta de provas”.

Cabe, ainda, destacar que o paciente compareceu espontaneamente perante o Juízo para ser interrogado, o que não pode deixar de ser considerado.

Sobressai, portanto, a impropriedade da decisão que indeferiu o pedido de liberdade provisória, tendo em vista que a determinação de custódia deve ser fundada em fatos concretos que indiquem que a prisão se faz necessária, atendendo aos termos do art. 312 do Código de Processo Penal e da jurisprudência dominante – não bastando a mera alusão genérica à natureza hediondo do delito ou probabilidade de ameaça a testemunha.

Por outro lado, o simples fato de se tratar de crime hediondo, por si só, não basta para que seja determinada a segregação, pois, igualmente, exige-se convincente fundamentação.

A corroborar tais entendimentos, os precedentes desta Turma:

“PENAL. PROCESSUAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. MANUTENÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO. “HABEAS CORPUS”.

1. A Constituição Federal, em seu art. 93, IX, exige a motivação de todas as decisões judiciais, sob pena de nulidade.

2. A mera referência ao caráter hediondo ao crime em tese praticado, por si só, não justifica a manutenção da prisão, que exige sejam atendidos os pressupostos inscritos no CPP, art., 312.

3. “Habeas Corpus” conhecido; pedido deferido, sem prejuízo de que nova custódia venha a ser decretada, desde que devidamente fundamentada.”

(HC 16651/MG, DJ de 13/8/2001, relator min. EDSON VIDIGAL)

“CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DA MEDIDA NÃO-DEMONSTRADA. ORDEM CONCEDIDA.

Exige-se concreta motivação do decreto de prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. Precedentes.

O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta para que seja determinada a segregação.

Não demonstrada a necessidade da medida, deve ser revogada a custódia processual.

Ordem concedida para evogar a prisão cautelar efetivada contra PAULO ARAÚJO MARQUES, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgado de 1.º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.”

(HC 18320/SP, DJ de 4/2/2002, de minha relatoria)

Outrossim, a presença de condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, deve ser devidamente valorada, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional. Diante do exposto, concedo o habeas corpus para revogar a prisão cautelar efetivada contra WILSON FERREIRA, determinando a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas, pelo julgador de 1.º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.

É como voto.

Decisão por unanimidade, votando com o relator os ministros Jorge Scartezzini, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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