HABEAS CORPUS N.º 19.324/RJ

Rel.: Min. Laurita Vaz

EMENTA

1. O crime de quadrilha ou bando, cometido na modalidade prevista no art. 8.º, da Lei n.º 8.072/1990, não se assemelha com qualquer dos tipos penais enumerados pela legislação especial como hediondos, de modo que a referida infração criminal não se submete, nos termos do art. 2.º, caput, da Lei dos Crimes Hediondos, ao regime prisional integralmente fechado. Precedentes do STJ.

2. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito, quanto à condenação pelo delito de quadrilha ou bando (art. 288, do Código Penal, c.c. o art. 8.º, da Lei n.º 8.072/1990), ao regime carcerário inicialmente fechado.

(STJ/DJU de 22/3/04)

Seguindo a linha de precedentes, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator a ministra Laurita Vaz que o crime de formação de quadrilha previsto no art. 8.º da Lei n.º 8.072/90 é um tipo penal híbrido (uma parte no 288 de Código Penal e outra na lei 8.072/90), que não recebeu a qualificação de hediondo, comportando, pois, a progressão de regime.

Consta do voto do relator:

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

Consta dos autos, mormente no acórdão ora atacado, que o paciente foi condenado pelo crime de quadrilha ou bando (art. 288, do Código Penal), na modalidade prevista no artigo 8.º, da Lei n.º 8.072/1990, à pena de 04 (quatro) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, in verbis:

“O artigo 288 do Código Penal, em seu todo, tem aplicação quando a quadrilha foi formada para a prática de crimes não catalogados como hediondos ou a estes equiparados.

A hipótese dos autos demonstra que o crime de quadrilha visava o cometimento de crimes considerados hediondos, sendo se aplicar o caput do artigo 8.º da Lei 8072, de 25/07/90, que estabelece que a pena será de três a seis anos.

Em que pese o entendimento da ilustrada prolatora da decisão recorrida, in casu não deve ser aplicado o artigo 288 do Código Penal e, em conseqüência, o seu parágrafo único, mas, apenas, o predito artigo 8.º da lei de Crimes Hediondos.

Neste particular merece ser alterada a sentença condenatória para se adequar as penas que foram impostas aos recorrentes.” (fl. 39)

Sucede, todavia, que o regime prisional, imposto ao paciente na sentença condenatória e mantido pelo Tribunal de origem, não se compatibiliza com o tipo penal a que foi condenado.

Com efeito, a Lei n.º 8.072/1990, no seu art. 2.º, caput, elenca as infrações criminais que se submetem ao regime prisional integralmente fechado, quais sejam, os crimes hediondos, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo. Ora, como o crime de quadrilha ou bando, na modalidade que foi praticado, não se assemelha com qualquer dos tipos penais acima enumerados, não há razão para que se imponha ao sentenciado o regime carcerário integralmente fechado.

Nesse particular, transcrevo a seguir os percucientes fundamentos expostos, em caso idêntico aos dos presentes autos, pelo Min. FELIX FISCHER, quando do julgamento do HC n.$ 22.647/RJ, in verbis:

“A Lei 8.072/90, ao definir os crimes denominados hediondos em seu art. 1.º, não fez qualquer menção ao crime de quadrilha. A mera circunstância de o preceito sancionatório do delito situar-se no art. 8º da referida norma, não o define como de tratamento próprio. Confira-se, por sinal, trecho da obra LEIS PENAIS ESPECIAIS E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL, 7a Edição, Ed. Revista dos Tribunais, que muito bem caracteriza o delito de quadrilha na modalidade do art. 8.º da Lei 8.072/90:

“Em linhas gerais, o comando primário contido, de modo implícito no art. 8.º da Lei 8.072/90, reiterou os termos do art. 288 do CP. Inovou, apenas, na indicação dos delitos motivadores da associação criminosa. Enquanto o tipo do art. 288 do CP estabelece que o delito de quadrilha ou bando está preenchido, em seus dados definidores, quando os agentes se aglutinam com o propósito de cometer crimes, sem defini-los do ponto de vista típico, a figura delituosa do art. 8º da Lei 8.072/90 deixa expressamente estatuído que o objetivo que os agentes devem ter em vista, na formação da quadrilha, é o de praticar crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícitos de entorpecentes e drogas afins e de terrorismo. Assim no primeiro caso, a associação criminosa tem a finalidade, não particularizada, de cometimento de crimes (finalidade ampla), ao passo que tal conduta associativa objetiva, no segundo caso, à prática de determinados delitos (finalidade estrita). Tanto isto é exato que, no texto do art. 8.º, fica consignado que a pena cominada no art. 288 do Código Penal sofre um acréscimo ‘quando se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Em resumo, a modalidade de quadrilha ou bando, referida no art. 8º da Lei 8.072/90, traduz-se num tipo penal híbrido que não recebeu a qualificação de hediondo: o preceito primário está descrito parte (a maior parte, por sinal) no art. 288 do CP e parte (o momento em que a finalidade da associação criminosa se concretiza no cometimento de determinados delitos) na Lei 8072/90. Por outro lado, o preceito sancionatório encontra-se, com exclusividade, no art. 8.º da Lei 8.072/90.”

Cumpre ressaltar que esta Corte, no julgamento do RHC 8.078, Rel. Min. José Arnaldo, entre outros, dirimiu controvérsia análoga. Consta no respectivo julgado que o delito previsto no art. 14 da Lei 6.368/76, qual seja, a associação criminosa para fins de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, não se equivale a crime hediondo para fins de progressão de regime. Veja-se o que restou consignado no voto condutor do julgado:

“Entretanto, o delito capitulado no art. 14 da Lei de Entorpecentes não é equiparado a hediondo, para efeito da proibição de progressão de regime prisional. É que a Lei 8.072/90, no seu art. 2.º, § 1.º, quando impõe o cumprimento da pena em regime integralmente fechado para os crimes elencados no caput do mesmo dispositivo não menciona o delito de associação no art. 14 da Lei 6.368/76, mas, sim, o tráfico ilícito de entorpecentes, previsto no art. 12 deste diploma legal.

Logo se infere, pois, que o delito do art. 14 não se confunde com o do art. 12 da Lei de Tóxicos, não se aplicando ao primeiro a regra proibitiva da progressão de regime.”

Nesse sentido, confira-se:

“Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. QUADRILHA. PROGRESSÃO DE REGIME. LIVRAMENTO CONDICIONAL. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO E. TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.

I – O crime de quadrilha (CP, art. 288), na modalidade prevista no art. 8.º da Lei 8.072/90, não se qualifica como hediondo. Com efeito, a respectiva pena não deve ser cumprida no regime integralmente fechado, consoante determina o art. 2.º, § 1.º, da Lei 8.072/90.

II – Se o pedido de livramento condicional contido nas razões do habeas corpus não foi suscitado em qualquer grau de jurisdição, dele não se conhece sob pena de supressão de instância.

Writ parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido.” (HC n.º 22.647/RJ, rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 18/11/2002)

“Ementa: HC. PENAL. REGIME PRISIONAL. PROGRESSÃO. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ASSOCIAÇÃO, TIPIFICADO NO ART. 14, DA LEI 6.368/76. INAPLICABILIDADE DA REGRA PROIBITIVA DA PROGRESSÃO DE REGIME, PREVISTA NO § 1.º DO ART. 2.º DA LEI 8.072/90.

A regra proibitiva da progressão de regime prisional, prevista no § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/90, refere-se tão-somente ao tráfico de entorpecentes (art. 12, da Lei 6.368/76), não alcançando, portanto, o delito de associação, tipificado no art. 14 da Lei de Tóxicos.

Precedentes desta Corte e do Col. STF.

Ordem concedida para que o regime de cumprimento de pena, no que tange ao delito previsto no art. 14, da lei 6.368/76, seja o inicialmente fechado.” (HC n.º 27.217/RJ, rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 28/04/2003)

Ante o exposto, acolhendo o parecer ministerial, CONCEDO a ordem para que o paciente tenha direito, quanto à condenação pelo delito de quadrilha ou bando (art. 288, do Código Penal, c.c. o art. 8.º, da Lei n.º 8.072/1990), ao regime prisional inicialmente fechado.

É como voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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