O precedente abaixo lida com a questão da fundamentação das decisões judiciais, no caso específico de quebra de sigilos, estatuindo não ser prejudicial à parte a motivação per relationem. Assim:

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“I. Habeas corpus: cabimento. 1. Assente a jurisprudência do STF no sentido da idoneidade do habeas corpus para impugnar autorização judicial de quebra de sigilos, se destinada a fazer prova em procedimento penal. 2. De outro lado, cabe o habeas corpus (HC 82.354, 10.8.04, Pertence, DJ 24.9.04) – quando em jogo eventual constrangimento à liberdade física – contra decisão denegatória de mandado de segurança. II. Quebra de sigilos bancário e fiscal, bem como requisição de registros telefônicos: decisão de primeiro grau suficientemente fundamentada, a cuja motivação se integraram per relationem a representação da autoridade policial e a manifestação do Ministério Público. III. Excesso de diligências: alegação improcedente: não cabe invocar proteção constitucional da privacidade em relação a registros públicos.”

(STF – HC 84869/SP – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ de 19.8.05)

 

N o t a s

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            No voto do acórdão não há razões mais específicas do que as já constantes da ementa. Atualmente, é majoritária a intelecção jurisprudencial segundo a qual não viola o art. 93, IX, CF, a fundamentação por simples referência a outra peça processual constante dos autos, seja um pedido da parte, seja outra decisão judicial. No entanto, a questão é ponderável.

            Segundo BADARÓ, a técnica da “fundamentação” per relationem é caracterizada por “uma inversão cronológica da motivação, visto que a motivação do ato já existia antes do ato em si ser realizado.” Mais grave do que esse desencontro temporal é a inconsistência lógica que normalmente se apresenta em uma decisão maculada por esse tipo de motivação (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Vícios de motivação da sentença penal: ausência de motivação, motivação contraditória, motivação implícita e motivação per relationem. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 9, n. 38. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 135).

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            Isso porque é impossível que o magistrado anteveja um fato futuro (ainda inexistente) e lhe analise as peculiaridades na decisão do presente de modo a permitir que esta possa continuar atual no futuro. Caso contrário, o juiz poderá dar uma única decisão no caso, cuja fundamentação sempre poderá ser aproveitada para decidir outras situações vindouras. Embora seja possível imaginar hipóteses em que o fundamento de decisão anterior continue apto a decidir fatos que virão, o emprego dessa técnica aumenta muito o risco de uma negativa à necessária individualização das causas. É prudente majorar esse risco?

            Para BADARÓ, “em nenhuma hipótese pode ser admitida a motivação per relationem quando a impugnação dirigir-se contra o método de valoração dos fatos ou das regras jurídicas empregados na sentença. Também não pode ser aceito quanto o ato pretérito que irá integrar a motivação tenha sido realizado por uma das partes” (Idem, p. 140). No precedente acima, admitiu-se esse método tanto quanto a fatos como em relação à motivação fornecida pela parte – que, como se sabe, não tem legitimidade para fundamentar decisões judiciais.