RECURSO ESPECIAL N.º 7 763.552/SP

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Rel.: Min. Gilson Dipp

EMENTA

I. A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação.

II. A interpretação extensiva ou analógica do vocábulo ?trabalho?, para abarcar também o estudo, longe de afrontar o caput do art. 126 da Lei de Execução Penal, lhe deu, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de se ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, uma vez que a atividade estudantil, tanto ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa perfeitamente à finalidade do instituto.

III. Sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva se impõe in casu, considerando que a educação formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade.

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IV. Recurso desprovido.

(STJ/DJU de 17/10/05, pág. 351)

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A possibilidade de remir a pena através do estudo vem sendo aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o presente acórdão da Quinta Turma, Relator o Ministro Gilson Dipp, com o seguinte voto condutor:

Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso ministerial, mantendo a sentença de primeiro grau.

No presente recurso especial, aponta do Ministério Público do Estado de São Paulo aponta ofensa ao art. 126 da LEP e divergência jurisprudencial, sustentando a impossibilidade de remição da pena pelos dias estudados, uma vez que a lei contempla exclusivamente a hipótese de remição pelo trabalho.

O recurso é tempestivo. Os autos foram recebidos na Procuradoria Geral de Justiça no dia 07/10/2004 (fl. 62), e a petição de interposição do recurso especial foi protocolizada em 18/10/2004 (fl. 64).

A matéria encontra-se devidamente prequestionada, conforme se verifica no seguinte trecho do acórdão impugnado:

?No entanto, é razoável a interpretação do art. 126 da Lei de Execuções Penais, dada pelo MM. Juiz prolator da r. decisão recorrida, além do que vem sendo prestigiada por nossos Tribunais.? (fl. 60).

A divergência jurisprudencial encontra-se comprovada nos moldes determinados no art. 255 e parágrafos do RISTJ, pois o recorrente cuidou de juntar cópias dos acórdãos divergentes, citando repositório oficial em que se acham publicados, bem como efetuou a transcrição dos trechos dos acórdãos recorrido e paradigmas, fazendo confronto entre as teses.

Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso, não merecendo prosperar os argumentos.

O caput do artigo 126 da Lei 7.210/84 assim dispõe:

Art. 126 – O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação.

In casu, o Juízo de 1.º grau concedeu ao apenado o benefício da remição, com base na sua freqüência em aulas de alfabetização, em uma interpretação analógica do vocábulo ?trabalho? inscrito no artigo 126 da LEP.

Essa interpretação extensiva ou analógica, longe de afrontar o art. 126 da LEP, lhe deu, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de se ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, para abarcar o estudo dentro do conceito de trabalho, uma vez que a atividade estudantil, tanto ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa perfeitamente à finalidade do instituto, que é a readaptação e ressocialização do condenado.

É que, sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva se impõe no presente caso, se considerarmos que a educação formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade.

Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte:

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. ARTIGO 126 DA LEI N.º 7.210/84. REMIÇÃO PELO ESTUDO FORMAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO.

1. A remição, dentro de suas finalidades, visa abreviar, pelo trabalho, o tempo da condenação.

2. O termo trabalho compreende o estudo formal pelo sentenciado, servindo à remição o tempo de freqüência às aulas, como resultado da interpretação extensiva da norma do artigo à luz do artigo 126 da Lei de Execução Penal, inspirada em valores da política criminal própria do Estado Democrático de Direito.

3. Recurso especial improvido.

(REsp. 595.858/SP, Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 17.12.2004).

PENAL. RECURSO ESPECIAL. REMIÇÃO. FREQÜÊNCIA EM AULAS DE ALFABETIZAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 126 DA LEP. RECURSO PROVIDO.

O conceito de trabalho na Lei de Execução Penal não deve ser restrito tão somente àquelas atividades que demandam esforço físico, mas deve ser ampliado àquelas que demandam esforço intelectual, tal como o estudo desenvolvido em curso de alfabetização.

A atividade intelectual, enquanto integrante do conceito de trabalho trazido pela Lei. 7.210/84, conforma-se perfeitamente com o instituto da remição. Precedentes.

Recurso conhecido e provido.

(REsp. 596.114/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 22.11.2004).

Desta forma, a decisão recorrida mantém-se por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer.

Carta Precatória. Intimação da audiência no juízo criminal deprecado

Há mais de 30 (trinta) anos, em razão das deficiências dos Correios
e de outros meios de comunicações, e também pela conveniência dos
serviços dos cartórios, formou-se nas instâncias extraordinária e
ordinárias, uma estranha jurisprudência no sentido de que basta que a
defesa seja intimada da expedição da precatória, ficando por conta dela
a incumbência de buscar informações no Juízo deprecado sobre a data em
que a testemunha será ouvida.

Semelhante orientação jurisprudencial, causou e continua causando
grandes transtornos aos advogados de defesa, os quais têm de ficar em
permanente vigília, com reiterados e sucessivos telefonemas aos
cartórios dos Juízos deprecados, enfrentando a má vontade de Escrivães
e Serventuários. Sem falar que alguns Juízos, como os das varas
criminais da capital de São Paulo, se recusam a dar informações por
telefone, dificultando ainda mais o trabalho do profissional.

Ademais, não poucas vezes, até a antevéspera ou véspera da audiência
(depois do advogado conseguir a duras penas saber o dia da realização
do ato), o cartório não sabe informar se a audiência vai ser realizada
ou não porque o Oficial de Justiça não devolveu o mandado. Na dúvida, o
advogado empreende viagem até o Juízo deprecado, às vezes em lugares
distantes, e somente lá é que vai constatar que a audiência não será
feita, porque o Oficial de Justiça não conseguiu localizar a
testemunha, sofrendo a parte, então, prejuízos desnecessários.

Hoje em dia, essa jurisprudência, que não deveria ter surgido, não
pode continuar subsistindo. O avanço dos meios de comunicação, com o
telefone, o ?fax?, o ?e-mail?, os telegramas e etc, permitem uma rápida
comunicação sem custos, ou com mínimas despesas, de resto pagas pela
parte.

Mas, a principal razão pela qual essa situação não pode permanecer é
porque, com a desigualdade de tratamento entre as partes, ocorre uma
violação da isonomia processual, gerando nulidade absoluta.

Com efeito, sendo o Ministério Público ?uno e indivisível?, seu
Representante no Juízo deprecado será sempre intimado da audiência a
ser realizada. Mas, o advogado de defesa, com domicílio na comarca do
Juízo deprecante, ou em outra comarca diversa da do Juízo deprecado,
não será intimado dessa audiência, ocorrendo vulneração do princípio da
igualdade processual, conforme vem sendo reconhecido pelos mais
autorizados intérpretes do Direito Processual:

A doutrina é farta em reconhecer o império desse princípio da
isonomia e as conseqüências de seu descumprimento. Assim é que MIRABETE
(Processo Penal, p. 43, 8.ª ed., 1988) assinala: ?Do princípio do
contraditório, consagrado no art. 5.º, LV, CF, decorre a igualdade
processual, ou seja, a igualdade de direitos entre as partes acusadora
e acusada, que se encontram num mesmo plano…?.

Por igual o ensinamento de Tourinho Filho: ?Por isso, e decorrente
do princípio do contraditório, é que vigora, no processo de tipo
acusatório, a regra da igualdade processual, segundo a qual as partes
acusadora e acusada encontram-se no mesmo plano, com iguais direitos?
(Processual Penal, 1/50-51, 20.ª ed., 1998).

Certo é que, no âmbito da relação processual, deve haver um
equilíbrio entre as partes. Cada uma delas deve ter o mesmo direito
dentro do processo, para que haja prevalência do princípio
constitucional de igualdade perante a lei; da isonomia processual, o
que dá ao processo seu verdadeiro caráter dialético. Daí porque: ?o
contraditório é inerente a toda resolução processual de litígios?, como
professa HERÁCLITO ANTONIO MOSSIN, em obra recente, lembrando, na
conclusão, citação de JOSÉ FREDERICO MARQUES (Curso de Processo Penal,
1/49, 1997).

A isonomia processual, embutida nesse princípio constitucional,
garante às partes uma autêntica igualdade das armas, equilíbrio
fundamental à realização da justiça, como nos mostra ROGÉRIO LAURIA
TUCCI em ampla monografia (Direitos e Garantias Individuais no Processo
Penal Brasileiro, p. 157/202, ed. 1993):

?A CONSEQÜÊNCIA DO DESCASO A ESSE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE
PROCESSO PENAL É A NULIDADE ABSOLUTA, que independe até mesmo de
protesto oportuno da parte contrária. Conforme o autorizado magistério
de ADA PELLEGRINI GRINOVER et alii, ?sendo a norma
constitucional-processual norma de garantia, estabelecida no interesse
público, o ato processual inconstitucional, quando não juridicamente
inexistente, será sempre absolutamente nulo, devendo a nulidade ser
decretada de ofício, independentemente de provocação da parte
interessada. É que as garantias constitucionais-processuais, mesmo
quando aparentemente postas em benefício da parte, visam em primeiro
lugar ao interesse público na condução do processo segundo as regras do
devido processo legal. Resulta daí que o ato processual, praticado em
infringência à norma ou ao princípio constitucional de garantia, poderá
ser juridicamente inexistente ou absolutamente nulo; não há espaço,
nesse campo, para atos irregulares sem sanção, nem para nulidades
relativas? (As nulidades no Processo Penal, p. 23, 6.ª ed., 1997).?

Isonomia e contraditório, contraditório e isonomia, são realidades e
garantias que se interpenetram e se completam, ocorrendo que a
desigualdade de tratamento entre as partes agride frontalmente a
garantia do contraditório:

?Dos mais importantes no processo acusatório é o princípio do
contraditório (ou da bilateralidade da audiência), garantia
constitucional que assegura a ampla defesa do acusado (art. 5.º, LV).
Segundo ele, o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num
processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes…

Corolário do princípio da igualdade perante a lei, a isonomia
processual obriga que a parte contrária seja também ouvida, em
igualdade de condições (audiatur et altera pars). A ciência bilateral
dos atos e termos do processo e a possibilidade de contrariá-los são os
limites impostos pelo contraditório a fim de que se conceda às partes
ocasião e possibilidade de intervirem no processo, apresentando provas,
oferecendo alegações, recorrendo das decisões etc.? (in Mirabete,
?Processo Penal?, 10.ª ed., Editora Atlas, São Paulo 2000, pág. 43)

Irremediavelmente nula, portanto, a intimação apenas do Ministério Público do ato a ser realizado no Juízo deprecado.

Sensível a essa situação, em 1.997, o então Corregedor Geral da
Justiça, Desembargador Otto Luiz Sponholz, deferiu pleito da OAB/PR,
para recomendar aos Juízes Criminais do Estado do Paraná que
providenciassem a intimação dos advogados nos Juízos deprecados.

Consta do Parecer n.º 68/97:

?PARECER N.º 68/97

Vistos, etc…

Assunto: Solicitação da OAB para que no cumprimento das cartas
precatórias criminais seja também determinada a intimação dos
defensores dos réus sobre a data, hora e local da realização das
audiências designadas nos juízos deprecados.

I.)

Trata-se de expediente oriundo da Ordem dos Advogados do Brasil,
Seção do Estado do Paraná, subscrito por seu Presidente, o eminente
professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto, solicitando providências
desta Corregedoria-Geral da Justiça para que no cumprimento das cartas
precatórias criminais seja também determinada a intimação dos
defensores dos réus sobre a data, hora e local da realização das
audiências designadas nos juízos deprecados.

Relat

II.)

O artigo 222 do Código de Processo Penal dispõe que ?a testemunha
que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar
de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com
prazo razoável, intimadas as partes? (os grifos são meus).

Como se vê, a obrigatoriedade, segundo o dispositivo legal antes
transcrito, é da intimação do advogado do réu, pelo juízo deprecante,
da expedição da carta precatória, não da data, hora e local da
realização da audiência designada no juízo deprecado. Por isso que o
Código de Normas, em seu item 6.3.5, disciplina que ?da expedição de
carta precatória para a inquirição de testemunhas serão intimadas as
partes?.

E os nossos Tribunais, acerca da ausência de intimação do defensor
da data da audiência no juízo deprecado, têm se posicionado no sentido
de que ?intimada a defesa da expedição, desnecessária nova intimação da
data designada para a realização da audiência no juízo deprecado. Essa
providência não é tida por lei como essencial ao exercício da defesa,
por considerar que, primordialmente, cabe ao defensor inteirar-se
naquele juízo sobre a data escolhida para a realização da prova (TJSP,
RT 525/352). No mesmo sentido: RT 500/342, HC 57.898, 2.ª Turma do STF,
DJU 12.8.80, p. 5785, e HC 58.574, DJU 3.4.81, p. 2853; RTJ 95/547, HC
63.206, 2.ª Turma, em 17.12.85, DJU 28.2.86? (cf. ?Código de Processo
Penal Anotado, Damásio E. de Jesus, editora Saraiva, 11.ª edição, p.
161).

Acontece, porém, que a atual Carta Política, promulgada em 05 de
outubro de 1988, erigiu os princípios do contraditório e da ampla
defesa a norma constitucional, estando assim redigido seu art. 5.º,
inciso LV: ?aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral serão assegurados o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a da inerentes?.

Diante, portanto, desse dispositivo constitucional, entendo de bom
alvitre em se acolher a pretensão exordial, até para evitar eventual
argüição em sede jurisdicional de nulidade processual por cerceamento
de defesa, para recomendar aos Juízes das Varas Criminais deste Estado
que, quando deprecados, procedam a intimação do defensor do réu da
data, hora e local da audiência designada, pela forma prevista no item
5.7.8 do Código de Normas, segundo o qual: ?as intimações aos advogados
em cartas precatórias deverão de regra se realizar pelo juízo
deprecado, observadas as regras para as intimações via postal e pelo
Diário da Justiça?.

Acolhendo o parecer de sua assessoria, o Desembargador Corregedor proferiu o seguinte despacho:

?1.) Acolho o parecer.

2) Expeça-se ofício circular aos Juízes das varas Criminais deste Estado, recomendando-se-lhes proceder na forma sugerida.

3) Ciência ao interessado.

4) Arquivem-se os autos, após.

Curitiba, data supra.

Des. OTO LUIZ SPONHOLZ

Corregedor-Geral da Justiça.?

Essa recomendação veio a ser convertida em norma a ser observada
pelos Juízes, como se pode ver pelo item 6.3.5, que se reporta ao item
5.7.8 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do
Paraná:

6.3.5 Da expedição de carta precatória para a inquirição de testemunhas serão intimadas as partes.

5.7.8 As intimações aos advogados em cartas precatórias deverão, de
regra ser efetuadas pelo juízo deprecado, observadas as normas para as
intimações via postal e pelo Diário da Justiça.

Como se vê, nenhuma razão existe, pelo menos no Estado do Paraná,
para que os advogados não sejam intimados da realização do ato no Juízo
deprecado.

Todavia, não são poucos os processos em que a intimação do advogado
para o ato a ser procedido nos Juízo deprecado não vem sendo feita. E,
quando os advogados, no prazo do art. 499 ou do art. 500, CPP, alegam
essa irregularidade, os Juízes, ao invés de mandarem renovar o ato,
preferem invocar a jurisprudência predominante e indeferir o
requerimento da defesa, descumprindo norma da Corregedoria Geral da
Justiça e violando a garantia do contraditório e da ampla defesa pelo
tratamento desigual às partes.

Nada custa e tudo recomenda que os Juízes dispensem igual tratamento
às partes para uma maior efetividade do processo, mesmo porque o Código
de Processo Civil, de aplicação subsidiária, estabelece:

CAPÍTULO IV

DO JUIZ

ART. 125 O Juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe;

I ASSEGURAR ÀS PARTES IGUALDADE DE TRATAMENTO.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.