Criminal. HC. Entorpecentes. Flagrante. Indeferimento de liberdade provisória. Ausência de concreta fundamentação. Necessidade da medida não-demonstrada. Presença de condições pessoais favoráveis. Ordem concedida.

“Habeas Corpus n.º 24.912-RS

Rel.: Min. Gilson Dipp

EMENTA

I. Exige-se concreta motivação ao óbice à liberdade provisória de paciente primário e sem maus antecedentes, mesmo em sede de delitos hediondos, não bastando a simples alusão à vedação do art. 2.º, inc. II, da Lei n.º 8.072/90. Precedentes

II. A presença de condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstradas a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

III. Deve ser concedida a liberdade provisória em favor de E.G.A., com a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas em 1.º grau de jurisdição, sem prejuízo de que o julgador, com base em fundamentação concreta, venha a decretar nova custódia.

IV. Ordem concedida, nos termos do voto relator.” (STJ/DJU de 9/6/03, pág. 282)

Firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em não admitir o indeferimento da liberdade provisória com a simples menção ao art. 2.º, inciso II, da lei n.º 8.072/90 (dos crimes hediondos), exigindo, sempre, a concreta motivação do indeferimento, sobretudo quando se tratar de paciente primário e sem maus antecedentes. É o que se vê desta decisão da Quinta Turma, relator o ministro Gilson Dipp.

Consta do voto do relator:

Exmo. sr. ministro Gilson Dipp (relator):

Trata-se de habeas corpus contra decisão do e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, em sede de recurso em sentido estrito, restabeleceu a prisão cautelar do paciente.

Os autos dão conta de que o paciente foi preso em flagrante delito trazendo consigo, dentro de uma mochila, aproximadamente 451 g de maconha, além de 4 g de cocaína. Por tal fato, foi denunciado nas sanções do art. 12 da Lei n.º 6.368/76.

O magistrado monocrático concedeu-lhe liberdade provisória.

O Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, alegando tratar-se de delito insuscetível de liberdade provisória. Ao recurso foi dado provimento, restabelecendo a custódia do réu.

Daí a presente irresignação.

Pelo exame dos autos, verifico que os motivos ensejadores da presente prisão cautelar não se sustentam. A necessidade da custódia foi baseada exclusivamente na vedação legal do art. 2.º, Inc. II, da Lei n.º 8.072/90, in verbis:

“Tem razão o Ministério Público, vedada a liberdade provisória a réu preso em flagrante ao trazer consigo 450 g de maconha, acondicionada em uma mochila e 4 g de cocaína na pochete presa ao corpo. Conduta descrita no art. 12 da Lei 6.368/76, que se insere entre os delitos equiparados a hediondo.

Inexiste inconstitucionalidade no artigo 2.º, II da Lei 8.072 ao proibir a concessão de liberdade aos `crimes hediondos e equiparados’ entre os quais o tráfico, conforme sustenta o MM. magistrado no despacho liberatório.

A configuração do tipo do art. 12 no núcleo de trazer consigo não exige para classificação prova alguma da intenção de comercializar, basta que guarde, tenha em depósito cabendo-lhe a prova de que se destinava a uso próprio.

Neste sentido, o REsp 142.971, min. José Scartezzini:

Tráfico de entorpecente – Trazer consigo – Dolo genérico – O tipo do art. 12 da Lei 6.368/76, mormente nas formas `trazer consigo ou transportar é congruente, bastando o dolo genérico e prescindindo de qualquer outro elemento subjetivo diverso do animus de traficar para que se configure o delito em questão.

O agente que chamado para transportar droga, coloca-a no veículo e é logo abordado por policiais, consumou-se o crime de tráfico.”

Não há inconsistência na fundamentação das decisões que negam a liberdade provisória ao autor do delito do art. 12, tráfico de entorpecentes, muito menos inconstitucionalidade conforme os acórdãos do STF, devendo o juiz fundamentar suas decisões, só excepcionará a norma quando absolutamente desnecessária a prisão.

Acrescento pelo interrogatório que solicitei fosse remetido que o réu se diz `viciado em maconha’ e que consumia 12 cigarros por dia, porém não diz porque trazia também na pochete consigo 4 g de cocaína se não é usuário. As circunstâncias indicam que houve liberalidade na liberdade concedida quando a lei veda.”

E, mais adiante:

“Ademais, examinados os eventuais elementos da classificação provisória cujos critérios estão no art. 37, Lei 6.368/76, certamente a ausência de antecedentes não garante ao flagrado imunidade à prisão e a quantidade e natureza maconha e cocaína não levam a mesma conclusão do eminente juiz.

O caso presente não configura exceção ao art. 2.º, II que autorize a liberdade do réu. Revogado o despacho concessivo da liberdade, determinada a restauração da prisão cautelar e prisão do réu.

Assim é restabelecida a prisão de Emerson Geovani Alves para que aguarde preso o processo pelo qual é acusado, art. 12 da Lei 6.368/76 porque transportava consigo 450 g de maconha embalada e prensada e 4 g de cocaína, quantidade que torna admissível a prática do delito do art. 12.ª

Note-se que não houve o exame de qualquer fato concreto a justificar a medida constritiva excepcional. Sobressai, portanto, a impropriedade da negativa à liberdade provisória da paciente, tendo em vista que a determinação de custódia deve ser fundada em fatos concretos que indiquem que a prisão se faz necessária, atendendo aos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.

O simples fato de se tratar de crime hediondo, por si só, não basta para que seja mantida a segregação, pois igualmente exige-se convincente fundamentação.

Nesse sentido, o seguinte precedente, de minha relatoria:

“RHC. Entorpecentes. Flagrante. Nulidade do auto. Impropriedade do writ. Prisão cautelar. Ausência de concreta fundamentação. Necessidade da medida não-demonstrada. Ordem concedida.

I. O writ é meio impróprio para a apreciação de alegações relativas à eventual nulidade do auto de prisão em flagrante, devido a ofensas à integridade corporal da paciente, que teriam sido praticadas por policiais, mas que não foram prontamente evidenciadas.

II. Exige-se concreta motivação ao óbice à liberdade provisória de paciente reconhecidamente primária e sem maus antecedentes, mesmo em sede de delitos hediondos, não bastando a simples alusão à vedação do art. 2.º, Inc. II, da Lei 8.072/90.

III. Ordem concedida para revogar a prisão cautelar efetivada contra Silley Correa de Souza, determinando a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver presa, sem prejuízo de que o julgador, com base em fundamentação concreta, venha a decretar novamente a custódia”.

(HC 9.648/TO, DJ de 8/11/1999)

No mesmo sentido, outros julgados desta Corte:

“Habeas corpus. Homicídio duplamente qualificado. Excesso de prazo na instrução criminal. Negativa de autoria. Ausência de fundamentação do decreto prisional. Presunção de perigosidade do agente em face da natureza hedionda do crime. Incabimento. Ordem concedida.

1. “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.” (Súmula do STJ, Enunciado n.º 52).

2. Não demonstrada na luz da evidência, primus ictus oculi, a negativa de autoria, deve a questão, por demandar aprofundado exame do conjunto fático-probatório, ser decidida em momento processual oportuno, qual seja, por ocasião da prolação da sentença, refugindo a matéria, pois, da via augusta do habeas corpus.

3. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

4. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.

5. A circunstância do delito em apuração se tratar de crime hediondo não impede, por si só, o deferimento de liberdade provisória (Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça).

6. Ordem concedida para convolar em definitiva medida liminar anteriormente deferida.”

(HC 19.882-SP; rel. min. Hamilton Carvalhido; DJ de 19/12/02).

“Penal e Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Tentativa de homicídio qualificado. Revogação da Lei 8.072/90 pela Lei 9.455/97. Matéria não apreciada na instância a quo. Prisão em flagrante. Mantida pela decisão de pronúncia. Pedido de liberdade provisória. Indeferimento. Ausência de fundamentação.

I – A quaestio acerca da revogação da Lei de Crimes Hediondos pela Lei 9.45597 não foi objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, pelo que o recurso não merece ser conhecido neste ponto.

II – O indeferimento do pedido de liberdade feito em favor de quem foi detido em flagrante deve ser concretamente fundamentado. A qualificação do crime como hediondo e a circunstância de o réu não residir no distrito da culpa (embora tenha residência fixa em outro Estado, bem como profissão definida), não tornam dispensável a fundamentação concreta para a denegação da liberdade provisória. (Precedentes).

III – Ademais, a confirmação na pronúncia, da prisão anterior não torna, necessariamente, legítimo aquilo que como tal não o era.

Recurso conhecido em parte e nessa extensão provido.”

(RHC 12.944-MG; relator ministro Felix Fischer, DJ de 4/11/2002)

“Processual Penal. Prisão em flagrante. Crime hediondo. Liberdade provisória. Possibilidade. Recurso em sentido estrito. Efeito suspensivo. Mandado de segurança. Manejo. Impropriedade.

1. Recusa o entendimento pretoriano dominante o manejo do mandado de segurança para emprestar efeito suspensivo a recurso em sentido estrito.

2. O fato de tratar-se de crime hediondo, isoladamente, não é impeditivo da liberdade provisória, haja vista princípios constitucionais regentes da matéria (liberdade provisória, presunção de inocência, etc.). Faz-se mister, então, que, ao lado da configuração idealizada pela Lei n.º 8.072/90, seja demonstrada também a necessidade da prisão. A manutenção da prisão em flagrante só se justifica quando presentes os requisitos ensejadores da preventiva, nos moldes do art. 310, parágrafo único do CPP.

3. Habeas corpus concedido.”

(HC 21.223-SP; relator ministro Fernando Gonçalves; DJ de 9/9/2002)

Por outro lado, cabe ressaltar que a presença de condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisoria, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

Desta forma, deve ser concedida a liberdade provisória a Emerson Geovani Alves, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condi-ções a serem estabelecidas em 1.º grau de jurisdição, sem prejuízo de que o julgador, com ase em fundamentação concreta, venha a decretar nova custódia.

Diante do exposto, concedo a ordem, nos termos da fundamentação acima.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Jorge Scartezzini, Laurita Vaz, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.