Crime de porte de substância entorpecente para uso próprio. Prescrição da pretensão executória. Maus antecedentes. Não caracterização. Decisão desta corte. Nova sentença proferida. Manutenção do quantum fixado. Reformatio in pejus. Impossibilidade. Reclamação provida.

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RECLAMAÇÃO N.º 2.183-PE
Rel.: Min.ª Maria Thereza de Assis Moura
EMENTA

1. Anterior condenação pela prática de crime alcançado pela prescrição da pretensão executória não pode ser considerada mau antecedente (HC n.º 47.714/PE).
2. Afastada a circunstância que deu causa à majoração da pena-base, não há falar-se na manutenção do quantum anteriormente fixado, sob pena de inconcebível reformatio in pejus.
(STJ/DJU de 11/6/07)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, pelos Ministros integrantes de sua Terceira Secção, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, que não pode ser considerado como mau antecedente o crime alcançado pela prescrição executória. Decidiu, ainda, no mesmo julgado, que, uma vez afastada a agravante da reincidência, a pena-base deve ser reajustada procedendo-se o respectivo desconto.

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Constam do Relatório e do voto da Ministra Relatora:
Relatório
Ministra Maria Thereza De Assis Moura (Relatora):
Trata-se de Reclamação proposta por JOÃO VIEIRA NETO, através da qual noticia a não observância, por parte do Juiz de Direito da 1.ª Vara Criminal de Jaboatão dos Guararapes/PE, de decisão proferida por esta Sexta Turma, nos autos do HC n.º 47.714/PE, de relatoria do Ministro Hélio Quaglia Barbosa, cuja ordem fora parcialmente condedida, em acórdão assim ementado:
“HABEAS CORPUS. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. EXAME DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA. NULIDADE. SENTENÇA. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. FIXAÇÃO DE REGIME. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONHECIMENTO PARCIAL DA ORDEM.

1. O princípio do livre convencimento permite ao Magistrado, diante do conjunto probatório, formar seu juízo de valor sobre os fatos, apreciando livremente as provas carreadas aos autos, podendo indeferir a realização de provas desnecessárias ou meramente protelatórias, como a realização de novo exame de dependência toxicológica, se outrora fora feito.
2. O princípio da não-culpabilidade implica na vedação de considerar-se como maus antecedentes, processos em curso e extintos pela prescrição da pretensão executória.
3. O embasamento fático utilizado na sentença condenatória não foi respaldado na confissão do paciente, haja vista que negou veementemente a prática de tráfico, inobstante os depoimentos colhidos apontarem seguramente para a autoria do crime. Inaplicabilidade da atenuante se o Magistrado considera os demais elementos dos autos para fundamentar sua decisão.
4. Regime de cumprimento da pena: matéria não apreciada no Tribunal a quo. Supressão de instância: não conhecimento.
5. Ordem parcialmente conhecida, e nesse ponto, parcialmente concedida para anular a sentença na parte relativa à dosimetria da pena, para que outra seja prolatada, com observância das formalidade legais, sem o acréscimo indevido relativo aos maus antecedentes.” (HC n.º 47.714/PE, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 27/3/2006).
Aduz o reclamante que a autoridade reclamada deixou de observar a decisão emanada desta Corte Superior de Justiça, eis que manteve a exasperação da pena-base, quando deveria fixá-la no mínimo legal, tendo em vista que, nos termos da decisão supra citada, a prática do delito do art. 16, da Lei n.º 6.368/76, inquinado pela prescrição da pretensão executória, não poderia ser considerado como mau antecedente.

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A autoridade reclamada, na prolação da nova sentença, assim decidiu, na parte que interessa:
“Com referência ao réu CHARLES TAVARES RAMOS, a despeito de haver sido condenado por delito previsto no art. 16, da Lei 6.368/76, pelo juízo da 1.ª Vara Criminal de Feitos Relativos a Entorpecentes da Capital, à pena de 1 (um) ano de detenção, cumulada à pena pecuniária de 30 (trinta) dias-multa, a qual fora extinta a punibilidade da pretensão executória, segundo entendimento do STJ, tal não pode prevalecer como causa de aumento de pena para agravar a pena-base imposta pelo juízo ‘a quo’.

Assim, tem-se que os réus são conhecedores dos efeitos nocivos que a droga causa à sociedade.
As condutas sociais dos réus perante a comunidade, nada têm a se repreender, conforme depoimentos das testemunhas arroladas pelas Defesas.

O réu Charles Tavares Ramos demonstra personalidade voltada para o cometimento de tráfico de entorpecentes, pois tem como meio de vida a prática da traficância.

Dessa forma, tomo como pena-base suficiente para a repressão e prevenção do crime, com relação ao réu:
a) CHARLES TAVARES RAMOS, a fixação da pena-base em 06 (SEIS) ANOS DE RECLUSÃO, cumulada à pena pecuniária de 60 (SESSENTA) DIA-MULTA, à razão unitária de 1/30 (UM TRINTA AVOS) do salário mínimo.” (fls. 60/61).

Diante disto, requer o reclamante a procedência do pedido, para que seja determinada a fixação da pena-base no mínimo legal estabelecido para o tipo, em razão do afastamento dos maus antecedentes na decisão proferida nos autos do HC n.º 47.714/PE.

As informações prestadas pela autoridade reclamada foram juntadas às fls. 51/62.

Em parecer juntado às fls. 64/66, o Ministério Público Federal manifestou-se pela improcedência do pedido.
É o relatório.

Voto
Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora):
Na decisão que deu ensejo à impetração do HC 47.714/PE, o magistrado sentenciante utilizou-se do fato do reclamante possuir maus antecedentes criminais, em razão de anterior condenação pela prática do ilícito previsto no art. 16 da Lei n.º 6.368/76, para majorar a pena-base além do mínimo previsto para o delito do art. 12 do mesmo diploma legal, fixando-a em 6 anos de reclusão.

Todavia, na referida impetração foi concedida a ordem para que o magistrado de primeira instância proferisse nova decisão, sem considerar a anterior condenação como maus antecedentes, eis que inquinada pela prescrição da pretensão executória.

Não obstante, na nova decisão, o magistrado manteve o quantum fixado para a pena-base estabelecido na primeira decisão, sem, contudo, apontar qualquer razão para tanto, o que configura a inobservância do dispositivo do acórdão proferido por esta Corte no HC 47.714/PE.

Com efeito, afastado um dos elementos que deram ensejo à majoração da pena-base do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, cumpria ao magistrado sentenciante proceder à proporcional redução do quantum previsto para o tipo penal em apreço. Na nova decisão verifica-se manifesta reformatio in pejus, inconcebível no sistema processual penal pátrio.

Desta forma, a reclamação deve ser julgada procedente para que a pena-base seja fixada em 5 (cinco) anos de reclusão, tendo em vista a inobservância pelo magistrado sentenciante do dispositivo do acórdão proferido no HC n.º 47.714/PE.
É como voto.

Votaram com a Relatora os Ministros Nilson Naves, Felix Fischer, Paulo Gallotti, Laurita Vaz, Paulo Medina e Arnaldo Esteves Lima. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura do Paraná.